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Panfletos homofóbicos e sabotagens em obra: casal sofre ataques em Curitiba

Panfletos com texto homofóbico foram jogados pela rua onde João Pedro vai morar - Arquivo pessoal
Panfletos com texto homofóbico foram jogados pela rua onde João Pedro vai morar Imagem: Arquivo pessoal

Denise de Almeida

Do UOL, em São Paulo

14/04/2017 11h26

Era para ser uma visita de rotina à casa em obras, mas João Pedro Schonarth e Bruno Banzato foram surpreendidos nesta quinta-feira (13) por panfletos com mensagens homofóbicas espalhados pela vizinhança, inclusive divulgando o novo endereço do casal, em um bairro de Curitiba.

Os folhetos, ilustrados com fotos genéricas de casais gays, anunciam que a rua será mais "alegre" e que a visão do casal irá "inspirar e influenciar toda a vizinhança". Após a imagem de dois homens abraçados, o texto diz: "se fazem isso em público, imaginem o que fazem quando estão a sós, com os amigos mais próximos ou com as pessoas próximas a você". Ele termina identificando "o endereço da baixaria".

João Pedro postou a foto do papel em sua página no Facebook e contou que nunca havia pensado em passar por uma situação do tipo. Em poucas horas, o relato viralizou e o jornalista recebeu centenas de comentários de solidariedade. Amigos e desconhecidos organizaram, inclusive, um evento de protesto pelo que aconteceu. A página no Facebook anuncia: "Neste sábado, dia 15, vamos lotar a rua do futuro lar do João e do Bruno, preencher aquele espaço de justiça, respeito, amor, dignidade e mostrar que eles jamais estarão sozinhos". 

Ao UOL, ele contou que o episódio com os panfletos o fez perceber que o casal vinha sofrendo ataques sistemáticos, com sabotagens à obra da nova casa, que chegaram a inundar o imóvel. No depoimento abaixo, João Pedro conta o que viveu e como se sentiu. 

Carro passou jogando panfletos contra o casal

Eu sou João Pedro, eu sou gay e sou mil outras coisas. As pessoas precisam parar de achar que isso é algo determinante. Na verdade, o que determina você é o seu caráter.  

Aconteceu nesta quinta de manhã (13). Compramos a casa em setembro do ano passado, um imóvel na planta, e estamos acompanhando a obra. Quando cheguei, o marceneiro e a vizinha da frente tinham recolhido os panfletos e me mostraram. Aparentemente, um carro passou jogando pela janela os papéis em toda a quadra. Vários vizinhos receberam. 

Foi um choque saber que pessoas possam desejar o mal a outras de tal forma, sem que elas se conheçam. Não sabem nada além do fato de que somos um casal homossexual. Nunca senti essa sensação antes, de não sentir as pernas. Tive que sentar e, quando fiz isso, comecei a chorar. Foi como se eu estivesse desabando, mesmo.

João Pedro e Bruno sofreram uma série de ataques motivados por homofobia em Curitiba - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Juntos há 7 anos, João Pedro e Bruno foram vítimas de homofobia pela primeira vez
Imagem: Arquivo pessoal

Eu e o Bruno nunca passamos antes por uma situação de homofobia. Até então era uma coisa distante, que víamos na TV. Agora a gente sentiu como a homofobia não é só uma violência física. Ela pode mexer com a sua dignidade, pode te humilhar, te expor, te ameaçar. É dessa forma que a gente se sentiu.

As pessoas acham que homofobia só acontece quando alguém acerta uma lâmpada na cabeça de outra pessoa que está passando na rua. Mas a homofobia é muito maior do que isso, ela tem diversas caras. Pode se manifestar num panfleto, numa sabotagem, numa má vontade, numa intolerância. O Brasil precisa discutir isso.

Entramos em contato com uma ONG LGBT chamada Dignidade e o departamento jurídico nos orientou. Até então eu achava que poderia ir a qualquer delegacia registrar um Boletim de Ocorrência. Mas aqui em Curitiba foi inaugurada recentemente a Delegacia de Vulneráveis, que investiga crimes contra os Direitos Humanos. Fui lá no mesmo dia, no final da tarde e registrei o Boletim de Ocorrência. Na segunda-feira vamos conversar com a delegada especialista no caso, para dar andamento às investigações.

Boletim de ocorrência para sabotagem na obra

Os panfletos vieram se somar a outro episódio que aconteceu na semana passada. Nossa casa sofreu um atentado. Iríamos nos mudar no último final de semana, mas alguém colocou uma mangueira de água na tubulação do ar-condicionado e a água vazou pela casa toda, alagou tudo. 

Uma equipe técnica avaliou e não foi nada em relação a cano ou algum problema da obra. Viram que de fato a água estava saindo da entrada do ar-condicionado e ficou vazando a madrugada inteira. Desceu em cachoeira para a sala. 

Panfletos com texto homofóbico foram jogados pela rua onde João Pedro vai morar - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Veja a íntegra do conteúdo de panfleto homofóbico
Imagem: Arquivo pessoal

O construtor falou que foi sabotagem e que teria sido a quinta vez que aconteceram vazamentos intencionais na obra. Ele registrou Boletim de Ocorrência como dano ao patrimônio e invasão de propriedade, porque até então, teria sido só isso. A gente pensou, na semana passada, que poderia ter sido algum funcionário querendo se vingar do construtor. Apesar de ser algo dentro da nossa casa, até então parecia uma agressão a ele, não a nós.

Agora o panfleto vem confirmar que, de fato, alguém tentou sabotar a nossa casa por cinco vezes. Conseguiu na última, danificou o nosso piso de madeira. As outras sabotagens todas envolveram água.

Um registro de água que foi aberto quando estavam instalando os vasos sanitários e houve um vazamento em todos os banheiros. O marceneiro que trabalhava na cozinha notou que, aparentemente, alguém estava tentando colocar água dentro da tubulação de gás.

No total, foram cinco vezes, em duas semanas, que aconteceram coisas suspeitas. O construtor não quis nos dizer antes, para não levantar falsas acusações. Quando aconteceu essa última eles cravaram que era uma sabotagem.

Por que me olhar por uma característica que só diz respeito a mim?

A primeira sensação é que parece que você não pode confiar em ninguém, que todo o mundo quer seu mal até que se prove o contrário. Com o passar do dia, vi que as pessoas foram tão boas conosco, o pessoal da obra, os vizinhos com quem a gente falou, todos foram muito solícitos.

Todo mundo se mostrou indignado, na delegacia tive um atendimento muito bom também, no Facebook a repercussão foi imensa, nem imaginava tudo isso. Foi aquela sensação de não estar sozinho.

Então a sensação inicial de que o mundo está contra mim passou. Na verdade, ele não está: são algumas pessoas que ainda têm problemas e elas precisam ser enquadradas dentro de um crime, que ainda não existe no nosso país, infelizmente. A homofobia não foi criminalizada. Ela precisa ser. 

Sou casado há sete anos com o Bruno e nós estamos há dois anos na fila de adoção, esperando nosso filho chegar. É preciso discutir, batalhar, lutar para que a sociedade mude esse pensamento. Eu não desejo que o meu filho sofra com isso. Ele será filho de um casal homossexual e não merece passar por esse preconceito. Ninguém merece passar por isso. 

Acho que essa dor, esse sentimento de desolação eu tenho que transformá-lo em uma força, porque essa pessoa que fez isso talvez não perceba o quão semelhante nós somos. Talvez eu tenha os mesmos desejos que ele, quero ter a minha família, a minha casa. Eu trabalho o dia inteiro para poder conquistar as minhas coisas, pago meus impostos em dia, tenho o direito de ir e vir, em qualquer lugar. Então eu não estou errado e não vai ser esse panfleto que vai me intimidar. 

Eu não tenho motivo para me esconder. Eu sou feliz, amo minha família, amo meu companheiro e tenho as mesmas ambições, desejos, vontades e esperanças de que todo mundo. Então por que você vai me olhar por uma característica que só diz respeito a mim?