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Efeito Espectador ajuda a explicar omissão em casos como o de Emilly

Emilly se emociona ao ver Marcos na plateia do BBB - Reprodução/TV Globo
Emilly se emociona ao ver Marcos na plateia do BBB Imagem: Reprodução/TV Globo

Gabriela Guimarães e Marina Oliveira

Colaboração para o UOL

15/04/2017 04h00

Na manhã do dia 13 de março de 1964, uma garota de 28 anos chamada Kitty Genovese foi estuprada e assassinada em Nova York. Segundo relatos da época, 38 testemunhas assistiram à cena e não fizeram nada. A apatia da vizinhança com o crime foi noticiada na primeira página do jornal "The New York Times" e chegou a virar livro naquele mesmo ano, com texto escrito por um dos editores da publicação.

Mais tarde, dois professores de psicologia analisaram o caso para definir as causas e as condições que levam um indivíduo a não ajudar seu próximo. Eles fizeram alguns experimentos, como colocar um ator fingindo passar mal em frente a uma pessoa e a um grupo. O resultado mostrou que, quando estava sozinha, a pessoa ajudava o enfermo em 70% das vezes. Mas se estava em um grupo, essa taxa caía para 40%. Essa falta de ação foi chamada de Efeito Genovese, em referência à Kitty Genovese, e, depois, ficou conhecida como Efeito Espectador.

“A ideia a que os psicólogos chegaram é a de responsabilidade difusa. Quando nós estamos em um grupo, a percepção é que não somos os únicos responsáveis pelo que acontece com os outros. Com isso, nos tornamos menos pressionados para intervir, viramos meros observadores da cena”, explica a psicóloga Angelita Scardua, mestre em Psicologia Social pela USP (Universidade de São Paulo).

Sob esse efeito, a pessoa acredita que se sentirá esquisita diante dos outros ao tomar uma atitude diferente da deles. Há também uma crença de que alguém é sempre mais capaz para agir. E a falta de intimidade entre os membros do grupo fortalece essa percepção. “Diante de desconhecidos, eu prefiro não ir contra o comportamento da maioria e me expor ao erro”, diz a psicóloga.

O estudante Rafael Fanin, 22 anos, viveu duas situações de violência e, em cada uma delas, reagiu de forma diferente. Em determinada ocasião, por volta da meia-noite, viu uma menina sozinha no ponto de ônibus. Ela caiu no chão após apanhar de um homem. Não havia mais ninguém por perto. “Sem pensar, corri para cima dele, o agarrei pelo pescoço e o levei até os responsáveis pela segurança do campus universitário que estava próximo”, lembra.

Numa segunda experiência, que envolvia outra pessoa além da vítima, ele titubeou. “Havia dois homens encostados em um carro, usando drogas. Um casal passou e eles mexeram com a menina. O acompanhante dela não gostou e retrucou. Foi quando eu olhei para trás e vi que os dois homens estavam indo em direção ao carro do casal”, conta. Na hora, ele achou que não deveria se intrometer e seguiu o seu caminho. Mas logo se arrependeu e voltou. “Eu entrei em uma briga de consciência comigo e, depois de algum tempo, acabei correndo para dispersar os dois homens que estavam tentando abrir as portas do carro com o casal dentro”, diz.

Espectadores dentro do BBB

O efeito ajuda a entender situações como a de Emilly no “Big Brother Brasil”, que estava em um relacionamento abusivo com Marcos, em uma casa com mais de dez pessoas. Mas foi preciso um movimento de quem estava fora do programa para que uma ação firme fosse tomada. “É típico do efeito preferir se proteger e ser passivo, do que correr riscos ao se envolver”, diz a psicóloga Raquel Benazzi.

Em casos como esse, há também uma falta de entendimento de que violência não é apenas física, mas também verbal e emocional. “A pessoa considera que o problema não é dela, mas do casal, o que não deixa de ser um comportamento omisso, uma forma de negação”, diz a psicóloga Joselene Alvim, mestre em Educação pela Unesp (Universidade Estadual Paulista).

Antes de se envolver em um conflito, a maior parte das pessoas considera o que pode perder ali: ser agredido, comprometer sua posição social, seu dinheiro ou até manchar sua reputação. Não à toa muitos profissionais não interferem quando um chefe assedia moralmente um colega.

O Efeito Espectador também pode ocorrer em situações não violentas. Por exemplo: quantas pessoas, ao verem um farol de trânsito quebrado, comunicam o departamento responsável da cidade? “Na situação política, também se vê isso. O cidadão quer mudança, mas julga que alguém tomará as atitudes necessárias por ele”, diz Angelita

Como se livrar

Indivíduos com senso de liderança tendem a agir, apesar do Efeito Espectador. Foi o caso do estudante Rafael Fanin. Mas a maior parte das pessoas precisa ter conhecimento dessa tendência comportamental para ir além. Desenvolver empatia é o primeiro passo. É preciso pensar: e se fosse eu que estivesse naquela situação? Eu gostaria de ser ajudado?

Também é fundamental ter claro para si os valores que regem a própria vida. Em uma situação como a vivida pela participante do reality show, se um dos membros da casa tivesse o valor de ser contra violência, em todas as suas formas, entenderia que ela não deve acontecer com mulheres, homens ou entre casais. “Se meus valores são claros, eu vou ter coragem para agir a despeito do medo das consequências. Nesse caso, eu vou lutar pelo que eu acredito”, diz Angelita Scardua.