Topo

"Meu filho jogava Baleia Azul e pretendia se matar. Era um pedido de ajuda"

Helena Bertho

Do UOL, em São Paulo

19/04/2017 04h00

Na última sexta-feira (14), a vendedora Priscila Valença, 43 anos, de Bauru (SP), descobriu que seu filho de 16 anos fazia parte do jogo online ligado à morte de dois jovens no Brasil. Ela contou ao UOL como vem lidando com o problema desde então.

"Estava saindo para jantar com uma amiga na última sexta-feira (14) quando meu ex-marido me ligou. Nervoso, me contou que havia brigado feio com nosso filho, L.F., de 16 anos, e que o menino chegou a ameaçá-lo com uma faca durante a discussão. Preocupada, corri até lá para evitar que a coisa toda piorasse. Ao chegar, meu ex explicou o motivo bobo da confusão: o celular do nosso filho havia quebrado e o garoto perdeu o controle por isso. Quando o L. apareceu, estava com o rosto sangrando. Ele mesmo tinha feito os cortes na face.

Eu não conseguia entender nada e o L. estava muito revoltado, não queria conversar. Dei um tempo para que se acalmasse. Meu filho mais velho, no entanto, me abriu os olhos. Disse que aqueles cortes no rosto do irmão tinham todo o jeito do tal jogo da Baleia Azul. Já tinha ouvido falar no assunto, mas não poderia imaginar que o problema era esse."

"Eram muitos ferimentos"

"Perguntei para meu menino se ele estava envolvido no tal jogo e, para minha surpresa, ele confirmou. L. contou ainda que estava participando dos desafios, que os cortes no rosto eram sua 14ª tarefa e que, sua última missão no jogo seria se matar no final. 'Ninguém vai sentir minha falta mesmo...', me disse. Meu coração disparou e fiquei sem reação. O que eu podia fazer ou falar naquela hora?

Enquanto eu tentava me acalmar, meu filho foi tomar banho. Preocupada, o segui até o banheiro e fiquei chocada com o que vi quando tirou a roupa. Seu corpo estava cheio de cicatrizes, nas pernas e nos braços. Um dos cortes tinha a forma de uma baleia, outros formavam palavras. Eram muitos ferimentos."

Adolescente de 16 anos em Bauru, SP, se cortou participando do jogo Baleia Azul - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Cortes nas pernas e braços do filho de Priscila formavam a imagem de uma baleia e a palavra "Sim".
Imagem: Arquivo Pessoal

"Dois dias depois, ele fugiu de casa"

"Entrei em pânico e decidi conversar com L.. Implorei para que parasse com o jogo e disse que o amava. Tirei algumas fotos das marcas no seu corpo e postei as imagens no Facebook. Eu queria alertar outros pais e pedir ajuda. Muita gente comentou, se ofereceu para ajudar e me deu orientações de como tratar com ele. Inclusive, se ofereceram para pagar tratamento psiquiátrico para meu filho. 

Passei o dia seguinte inteiro com meu menino. Tentei conversar e fazer com que se sentisse querido por mim. Mas no domingo de Páscoa, em um almoço com amigos, o assunto do jogo surgiu na mesa e as pessoas começaram a fazer perguntas. Meu filho ficou nervoso e fugiu da casa.

Foi desesperador! O que ele seria capaz de fazer? Avisei nossos amigos e parentes e liguei para a polícia. Procuramos por L. até segunda à tarde, quando recebi uma ligação informando que ele estava na delegacia. Todo calmo, como se nada tivesse acontecido, veio para casa comigo sem falar nada, nem onde tinha estado até então. Não conseguia entender o que se passava na cabeça dele."

"Achava que dava de tudo para meu filho, mas faltava atenção"

"Estou passada com isso tudo... A gente vê na internet as mães falando e lê as notícias, mas nunca acha que vai acontecer na casa da gente... Agora penso que essa situação toda foi um alerta. Foi um jeito do meu filho pedir ajuda.

Eu e meu marido nos separamos há pouco tempo. O L. ficou com o pai, que viaja a semana toda. Fica o tempo todo sozinho. Também trabalho muito, saio às 7h e volto às 20h. A gente precisa trabalhar, sabe?

Eu costumava dizer que meus filhos têm tudo: roupa, comida, internet, celular. Me sentia orgulhosa por dar de tudo para eles. Mas a verdade é que gente não dá tudo. O que eles precisam é de atenção, é de amor. E a gente ficou em falta com isso.

L. é um menino calado, tem poucos amigos e na escola reclamam do seu comportamento. Tudo isso já era sinal de que ele precisava de ajuda, sabe?"

"Cortei a internet dele"

"Meu menino me contou que entrou no jogo Baleia Azul via grupo de WhatsApp. O moderador desse grupo foi quem o escolheu e começou a mandar mensagens com os desafios. Acho que essas pessoas escolhem meninos como meu filho: quietos, com poucos amigos... As mensagens vinham pelo Facebook ou pelo WhatsApp, orientando sobre o que fazer.

Desde que isso tudo aconteceu, L. está sem celular e eu não quero que ele tenha internet de novo tão cedo. Agora, meu filho vai começar a fazer tratamento psicológico. Também vou matriculá-lo em um curso técnico e, mais importante: serei mais presente. Ele vai vir morar comigo e, todos os dias, sairei do trabalho para almoçarmos juntos.

Acho que isso tudo fará a diferença. Só de estar mais presente nesses últimos dias vejo mudanças. Na sexta-feira, ele falou que pretendia se matar. Já na segunda, contou que entrou no jogo por curiosidade e que não sabia se ia se matar de verdade.  Vejo isso como um sinal de que meu filho queria minha atenção, então é isso que eu vou dar." 

Atenção dos pais é importante, mas tratamento é essencial

Os pais precisam ficar atentos ao comportamento dos filhos em relação ao jogo da Baleia Azul. No entanto, é importante estar ciente de que o envolvimento no jogo pode ser um indício de que o jovem está sofrendo de outros problemas psicológicos, como uma depressão. "A depressão é uma doença e é preciso buscar ajuda de um especialista que possa orientar e trabalhar com o adolescente", orienta a psicóloga Gabriela Malzyner.

No entanto, a psicóloga Karen Scavacini, especialista em suicídio, alerta que adolescentes saudáveis também podem ser atraídos pelo jogo por curiosidade ou pela sedução do proibido e acabar se colocando em perigo. Por isso, as profissionais ressaltam que é importante ficar atento aos sinais de que os filhos possam estar entrando na brincadeira ou estejam precisando de ajuda. Alguns deles são:

  • Isolamento
  • Agressividade
  • Mudança de comportamento
  • Não deixar os pais chegarem perto de seu celular ou computador
  • Usar manga comprida em dias de calor
  • Queda no rendimento escolar
  • Mudanças no padrão de sono
  • Mudanças de apetite
  • Cortes pelo corpo

Mesmo se não identificarem os sinais de que o filho esteja participando do jogo, é importante que os pais abram um canal de diálogo sobre o assunto. Karen recomenda que os pais falem do jogo e perguntem se os adolescentes conhecem e já tiveram algum contato.

Além disso, a profissional orienta a regular e acompanhar as atividades que os adolescentes realizam na internet.