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"Meu filho usa vestido e brinca de boneca. E daí?"

Carol Patrocinio e o filho Chico - Arquivo Pessoal
Carol Patrocinio e o filho Chico Imagem: Arquivo Pessoal

Renan Prates

Colaboração para o UOL, em São Paulo

02/05/2017 04h00

Quem disse que garotos não podem brincar de bonecas e garotas não podem gostar de brincadeiras convencionalmente tidas como de meninos? Na casa da jornalista Carol Patrocínio, 32, mãe de Lucca, 13, e Chico, 6, isso não existe. Neste depoimento, ela fala sobre o caçula: um menino que gosta de bonecas. E vestidos.

"Aos 3 anos, Chico manifestou pela primeira vez sua vontade de usar vestido. Inicialmente, eu e meu marido, Eduardo Ribas, postergamos o presente. Diante da insistência dele, optamos por um camisetão. Quando ele ganhou, falou: 'ah, legal, muito obrigado, mas não é isso que eu quero, tá?' Porque, para ele, o objetivo do vestido era fazer girar. Era aquela coisa de conto de fadas, sabe? Então aquele vestido camisetão não fez muito sentido

Depois que compramos o primeiro vestido, começamos a ver a relação das pessoas com isso. A primeira vez foi aquela coisa de: 'O que vamos fazer? Vamos aceitar?' E aí decidimos que vamos aceitá-lo do jeito que ele é. Em vez de mudá-lo, vamos mudar o que vem por aí.

A gente ensina muito o Chico também que não é só sobre ele. É também sobre as pessoas que estão ao redor dele e querem mantê-lo seguro. Ele já consegue olhar para o avô e a avó e ver que eles não estão sendo horríveis: eles têm medo, não sabem lidar, não estão preparados para aquilo. Uma hora eles vão estar, e aí tudo bem. Mas tem que ter um pouquinho de paciência.

Na escola antiga, no primeiro momento vários meninos ficaram chocados com ele brincando de boneca. E não é porque eles acharam estranho. Eles ficaram ofendidos realmente porque o menino estava brincando de boneca. Isso vem de casa, né? Vai saber quantos desses meninos pegaram a boneca da irmã e tomaram bronca? Teve menino que passou a brincar de boneca depois de conversar com o Chico, e tudo bem. Ele é bem bichinho da transformação. Ele vai com calma, de boa. Mas também acho que é muito do tom, sabe?.

Repercussão no Facebook

Uma postagem que fiz no Facebook gerou polêmica. O post mostrava uma foto do Chico de vestido com a legenda 'Look do Chico pra inauguração da Casa 1 com o vestido maravilhoso que ganhou'. Foi assustador… Deu uma hora de postagem, não tinha nada. No dia seguinte, acordei e peguei meu celular. Vi que tinha muita notificação. Quando eu entrei e vi que era a foto dele, rolei para ver os comentários, comecei a ver as agressões. Eu me levantei, entrei no Facebook e fechei para comentários. Essas agressões vieram de amigos dos meus amigos. São pessoas que convivem com pessoas que estão no ambiente de transformação.

Doeu. Doeu porque… É até estranho. Eu esperava que em algum momento fosse acontecer isso. Mas você nunca está preparado. Você sabe que vai acontecer, mas quando acontece você fala: puta merda, vou ter que lidar com isso? E aí eu passei a lidar com todos os compartilhamentos e tudo mais. Foram dias. Não comentei nos posts, nem entrei na discussão nem nada. Eu dei prints de todos eles.

Juntei todo o material, caso eu quisesse fazer um boletim de ocorrência. Acabei não fazendo porque a burocracia é tão grande, mas tão grande, que para eu conseguir fazer um, eu teria que ir em um cartório e registrar todas as provas.

Tenho uma pasta com mais de 600 prints. Teria que pagar para registrar cada um deles. O investimento que eu teria de fazer e a burocracia que enfrentaria depois disso iam ser devastadores. E eu não queria mais isso. Juntei todas as coisas e pensei: 'como eu vou falar com todas as pessoas? Vou escrever um texto'. E aí escrevi um texto explicando, desde o começo, tudo que tinha acontecido, quem é o Chico, quem é a nossa família e tudo o mais.

Uma das mulheres que me ofenderam no Facebook me procurou. Para a minha surpresa, o filho dela é autista. Entendi que era uma mulher tão apontada, tudo que ela faz era visto como tão errado, o menino dela era apontado como tão inapto para estar na sociedade, que ela tirou o foco. Ela jogou para outra pessoa. Mas não entendeu o que estava fazendo. Quando ela veio falar comigo, disse para ela: 'Eu não vou te perdoar. Eu não vou dizer para você que tudo bem, que eu te desculpo. Você vai ter que lidar com a sua consciência.'

"Cada foto dessa ajuda outras mães"

Muitas mães vieram me procurar depois da postagem. Elas vieram pedir uma ajuda do tipo: 'Como eu faço com meu filho? Como eu lido com o meu marido que não deixa meu filho brincar de boneca ou que fica agressivo quando vê?' Vários casos de mãe contando que quando está sozinha com a criança em casa a deixa brincar de boneca, mas avisa quando o pai chega para que ela recolha o brinquedo.

Não acho que haja uma exposição. Muitas mães postam fotos dos filhos. Eu posto foto do meu filho. Só que ele é diferente das outras crianças, não está no padrão. Só que cada foto dessa ajuda uma mãe a olhar para o filho e falar: 'Tá tudo bem com ele. Não tem nada errado, ele é uma criança normal, ele é saudável, ele é amado'. E aí é um trabalho de acolher outras mães e ajudá-las, para que as crianças tenham uma vida saudável sendo quem elas são, sem julgamentos nem violência.

Como lição ficou que eu não preciso acolher todas as pessoas. Tem gente que precisa ser ruim para sentir menos a maldade que jogam para cima dela. E não posso ajudar essas pessoas, não tem o que fazer. Eu tenho que aceitar isso.

Eu gostaria muito que ele olhasse para aquilo e entendesse que, primeiro, as pessoas falam coisas absurdas, e, segundo, que ele sempre esteve apoiado por muita gente. E que ele nunca vai estar sozinho. Independentemente de quantas pessoas apontem como errado, há as que vão estar ao lado dele, e vão ajudá-lo a segurar a barra. É só olhar direito que não vai estar sozinho”.

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