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"Sou evangélica, feminista e digo: as duas coisas podem sim andar juntas"

Helena Bertho

do UOL, em São Paulo

08/05/2017 04h00

A produtora cultural Rebeca Eler, 26, conta como foi o processo de se entender feminista e fazer as pazes com sua religião. 

"Fui criada dentro de igreja Batista e cresci ouvindo regras sobre como deveria me comportar. Eu tinha que ser doce, usar roupas recatadas e sonhar com um casamento --a única coisa que me faria uma mulher completa.

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Mas quando fui para a faculdade, cursar Produção Cultural, tive contato com um outro mundo. Conheci mulheres que viviam de outras maneiras, lutavam por direitos iguais e também pela liberdade de ser quem queriam. Eu, que no fundo sempre me incomodei com essa ideia de submissão feminina, logo me identifiquei com elas. Me descobri feminista como elas. Mas como eu poderia ser feminista e cristã ao mesmo tempo? As duas coisas não eram excludentes?

"Ou eu continuava com a minha fé ou eu era feminista"

Pelo que eu ouvia e via na igreja, eu achava que não tinha mesmo como ser feminista e religiosa. Passei a infância e a adolescência frequentando cultos em que, de maneira geral, homens tinham sempre a palavra. Eles diziam o que era certo ou errado, o que era bom ou ruim e, principalmente, o que Deus queria de mim. 

Nas pregações, eram lidos textos de histórias de homens que se encontravam com Deus e nos mostravam o caminho e, de vez em quando, algumas histórias de mulheres, mas que em geral eram pecadoras ou que levavam o homem ao pecado. A gente aprendia a não ser como elas.

Isso sempre me incomodou. Eu sempre me questionava por que a mulher não podia ter o mesmo valor que os homens. Mas nem eu entendia isso muito bem, então guardava essas dúvidas para mim.

Além disso, eu tinha essa ideia de que mulher tem que casar, ter uma família. Só assim eu poderia ser bem-sucedida. Então, eu tinha um namoradinho desde os quinze anos e todo mundo achava que iríamos nos casar. Quando terminamos, porque não estava mais dando certo, eu tinha 19 anos e foi aquela sensação de decepção.

Quando eu entrei na faculdade, conheci aquele monte de gente e o feminismo. Aqueles questionamentos que viviam em mim começaram a ganhar forma. Passei por um processo doloroso. Minha crença estava dentro de tudo na minha vida, de quem eu era, do meu valor.

Eu parecia estar encarando um paradoxo: ou continuava com a minha fé e me submetia a tudo isso que era parte da religião, ou a renegava.

"Fiquei um ano longe da igreja"

No começo, quis abrir mão de tudo. Por um ano e meio, fiquei sem ir à igreja, porque eu não concordava com a forma como a sua estrutura funcionava. E essa foi uma vivência muito dolorosa, a fé sempre tinha sido parte da minha vida. E conforme o tempo foi passando, eu pude perceber isso.

Até que um dia fui a uma comunidade que tinha um pensamento bem mais libertário. As falas ali dentro eram diferentes, era tudo sobre respeitar os lugares de cada pessoa, a diversidade. Parecia ser mais livre. O que me fez refletir: será que o problema era a crença ou a estrutura dela?

Afinal, Deus é algo que transcende, mas a religião, a igreja, foi criada por homens. Então ela pode ser diferente. Por isso, comecei a pesquisar igrejas onde a comunidade estivesse repensando a forma de viver a religião.

"Para Deus, homens e mulheres têm o mesmo valor"

Foi na Igreja Presbiteriana que me encontrei, mas ainda hoje tenho um olhar crítico sobre tudo que a religião prega. É que a igreja, como instituição, tem um papel importante na manutenção da violência contra a mulher. É algo muito sutil, que está nessa construção do imaginário de como a mulher tem que ser, porque é isso que sustenta a violência. É a mulher achar que deve ser dócil, submissa, falar baixo, obedecer ao marido.

Além de frequentar uma igreja mais acolhedora, também filtro o que ouço. Hoje, por exemplo, não me defino mais pelo sonho do casamento. Quero casar, sim, mas essa não é a medida do meu sucesso, do que me faz mulher. Tenho também liberdade para me expressar, ser quem sou, me vestir como gosto, por exemplo, sem medo de punição divina.

Tem muito isso de dizer que tudo é vontade divina, mas eu acredito que para Deus, o homem e a mulher têm o mesmo valor. E é exatamente isso que o feminismo prega! 

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