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O que você fez pra ele? Mulheres agredidas contam o que ouviram da polícia

Getty Images
Imagem: Getty Images

Helena Bertho

do UOL, em São Paulo

18/05/2017 15h03

O caso da vendedora Flávia Batista Florêncio, de Piancó, PB, que teria ouvido do delegado "se não foi a porta do guarda-roupa", ao denunciar uma agressão de seu ex-companheiro, tem gerado indignação de internautas. No entanto, o caso dela não é único, muitas outras mulheres relatam mal atendimento policial ao denunciar violência. 

"Existe uma questão sistêmica do mal atendimento às vítimas de violência. Muitas mulheres são revitimizadas na delegacia através de uma abordagem não adequada, com comunicação violenta, perguntas que culpam a vítima, má interpretação do que falam e descaso", explica a promotora Silvia Chakian, coordenadora do Gevid (Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica) do Ministério Público de São Paulo. Para ela, isso é um dos fatores que desestimula mulheres a buscarem ajuda e a continuarem na situação de violência doméstica.

Para Márcia Noeli, diretora da divisão da polícia de atendimento à mulher do Rio de Janeiro, casos de mal atendimento são ponto fora da curva e vão contra os protocolos que os policiais possuem. "Existe uma formação dos policiais, um protocolo de atendimento à mulher vítima de violência e também uma aula específica para que isso seja feito de maneira isenta, sem julgamento. E nós monitoramos muito isso aqui, temos muito cuidado com as mulheres vitimas", afirma.  

O UOL conversou com algumas mulheres que alegam ter sido mal atendidas ao fazer denúncias e abaixo você pode ler seus depoimentos. 

"Você devia arrumar um 'negão' para transar"

"Durante todo o tempo que vivi com meus pais, ele agredia minha mãe. Diversas vezes tentei chamar a polícia, mas foi em vão. Na primeira vez que ligamos, eles foram até a minha casa e mandaram minha mãe procurar a delegacia da mulher ou então arrumar um negão bem forte pra transar e protege-la do meu pai".

I.M., 27, Nova Iguaçu, RJ

"Foram só umas apalpadas"

"Eu sofri um abuso de um amigo que fazia faculdade comigo. Quando procurei a delegacia, fui tratada como se fosse uma louca exagerada. Ouvi que não devia denunciar, porque 'foram só umas apalpadas quando você estava dormindo'. Me senti pior do que estava ao chegar lá".

T.G., São Paulo, SP

"Hoje em dia nem chamar de gostosa a gente pode mais"

"Eu estava com uma amiga, um rapaz parou atrás de nós na praia e começou a se masturbar em público olhando pra nós e nos assediando com palavras. Inicialmente os soldados que nos ajudaram foram atenciosos e nos levaram, junto com o rapaz, até a delegacia. Mas lá, funcionários disseram coisas do tipo: 'hoje em dia, nem chamar de gostosa a gente pode mais. Mulherada fresca.' Depois de quase quatro horas de espera, o delegado de plantão nos disse que se não fossemos bonitas, não teria acontecido.".

Anônima, Vitória, ES

"Você não dava em cima dele?"

"Eu tinha 14 anos e meu primo mais de 30 quando ele me estuprou. Meu pai decidiu me levar à polícia e abriu boletim de ocorrência. O delegado o tempo todo tentava me fazer cair em erro na minha história, fazia a mesma pergunta diversas vezes e de modos diferentes, perguntou se eu já havia 'dado em cima' do meu primo, como eu me comportava. Meu primo depois assumiu a relação sexual, mas disse que foi consensual e acabou não sendo preso. Foi horrível para mim".

M.G., 27, Belo Horizonte, MG

"Conversa com ele, vai ficar tudo bem"

"Depois de anos de agressões, um dia decidi sair de casa e procurar a delegacia da mulher para denunciar meu marido. Chegando lá, a atendente me disse: 'Você já está separada, para que fazer B.O.? Conversa com ele, vai ficar tudo bem.' Saí de lá com vergonha. Sete dias depois, ele apareceu na minha casa e me chutou novamente, quebrou três dedos da minha mão".

C.C., 29, São Paulo, SP

"O que você fez para o coitado tomar essa atitude?"

"Quando bebia, meu marido ficava agressivo. Um dia eu peguei ele na cama com outra e fui discutir. Ele ficou violento, derrubou uma escada em cima de mim, me chutou e machucou minha costela. Esperei ele sair e fui dar queixa na delegacia. Entre muitas coisas que ouvi,  o delegado perguntou o que eu tinha feito pro 'coitado' ter tomado aquela atitude. Me senti tão revoltada, que desisti da denúncia. Ainda passei mais quatro anos de violência até conseguir sair do casamento".

C.C., 51, São Paulo, SP

"Você está confusa, se está ruim com ele, é pior sem ele"

"Fui casada por nove anos e meu marido me agredia muito. Sempre que eu procurava a polícia, me diziam algo diferente e ele acabava saindo bem. Teve uma vez que eu estava cheia de hematomas, toda machucada e procurei a polícia militar. O sargento olhou para mim e disse: 'agora você pode estar meio confusa, mas está ruim com ele, é pior sem ele."

S.B., 36, Ibiraçu, ES