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"Musas fitness não vendem saúde, vendem obsessão", diz Daiana Garbin

Daiana Garbin - Divulgação
Daiana Garbin Imagem: Divulgação

Daniela Carasco

Do UOL

30/06/2017 04h00

Durante a maior parte de sua vida, a jornalista Daiana Garbin, 35, ex-repórter da TV Globo, enfrentou uma guerra contra a comida. Seu objetivo era um só: encontrar uma maneira de parar de comer. Insatisfeita com seu reflexo no espelho, ela só descobriu há pouco mais de um ano que sofre de transtorno alimentar e distorção de imagem corporal. "Não tem a ver com vaidade, é uma doença", diz. "A sensação é de inadequação dentro do próprio corpo."

Daiana falou publicamente sobre o problema pela primeira vez no ano passado. Com o apoio do marido e colega de emissora, o apresentador Tiago Leifert, pediu demissão da Globo para lançar um canal no YouTube, no qual falaria sobre a doença. No primeiro vídeo do canal EuVejo, que já soma 255 mil visualizações, expôs sua angústia. Hoje, nem gosta de assisti-lo. "Me causa sofrimento", conta. 

Ao descobrir que essa realidade era tão comum a milhares de brasileiros, que começaram a lotar suas contas de e-mail e mensagens com relatos tocantes, decidiu usar sua experiência para o bem. Criou recentemente o site EuVejo.vc, onde relata episódios de sua trajetória de dor e superação, divulga histórias de outras vítimas e ainda conta com a ajuda de especialistas para jogar luz sobre um assunto tão grave. 

Para os próximos meses, ela prepara o lançamento de um livro pela Editora Sextante. Na publicação, além de dar detalhes de seu sofrimento, irá abordar, amparada por profissionais de saúde, o que tem motivado tanta gente a adoecer pela magreza.

Aqui, a jornalista fala dos momentos mais marcantes de sua luta pessoal e faz alertas importantes sobre a busca pela magreza.

"Misturava remédios para emagrecer com laxantes e diuréticos"

"Ao contrário de muitas crianças que sofrem bullying por serem gordinhas, nunca fui vítima. Eu era alta e, por isso, a mais pesada entre as amigas. Aos 12 anos, tinha 60kg, enquanto elas pesavam 45kg. No meu imaginário de adolescente, quanto mais magra, mais adequada eu seria para participar daquele grupo.

Daiana Garbin - Divulgação - Divulgação
Daiana Garbin
Imagem: Divulgação
Adotei uma relação doentia com a comida. No auge do meu transtorno, aos 18 anos, cheguei aos 57kg, dez a menos do que tenho hoje. Para isso, já fazia uso de muito remédio para emagrecer, diuréticos e laxantes, que eu pegava da minha mãe. Em paralelo, exercício físico em excesso. Torturei muito meu corpo e, ainda assim, nunca me achei magra o suficiente, queria sempre mais.

Aos 25 anos, comecei a me esconder atrás das roupas. Passei a vestir só cores escuras, sutiã que apertasse os seios e mangas longas para esconder os braços. Isso é um sinal bastante evidente da doença.”

"Entrei em depressão"

"Sou contra a liberação da venda de anfetaminas. Elas dificilmente funcionam. Todas as vezes em que tomei inibidores de apetite, emagreci alguns quilos, que foram rapidamente recuperados assim que parava com a medicação. Esses remédios provocam um efeito sanfona muito perigoso.

Eles me deram também muita insônia e aceleravam meu coração. Quando parei de tomá-los, o efeito rebote veio em forma de depressão. Sofri um dano psicológico muito sério e precisei me tratar.”

"A comida era meu maior inimigo"

"Achava que se emagrecesse, pararia de sentir vergonha daquele corpo que eu via no espelho e seria socialmente aceita. Quem passa por isso não está pensando em se sentir bonita, mas em ter um físico adequado para viver em sociedade.

Fiz todas as dietas mais malucas, como a da sopa, do suco detox, da proteína, líquida. Eu me impunha uma dieta de no máximo 800kcal. Passei anos sem comer carboidrato, tentando ingerir a menor quantidade possível de comida.

Só não passei fome porque não conseguia. Apesar das imposições, nunca me senti no controle. Não conseguia restringir a alimentação do jeito que eu queria e me achava um fracasso. Nada disso me ajudou a fazer as pazes com a comida.

Nunca tive compulsão, mas toda vez que comia algo que considerava proibido – uma fatia de pão, por exemplo -, eu me punia mentalmente. E imediatamente após comer, eu me sentia mais gorda. É uma sensação doentia de descontrole. Uma alimentação que te aprisiona não é saudável.”

"O Tiago me ajudou a sair dessa"

"A minha família nunca entendeu o que eu tinha. Foi meu marido que me alertou durante uma conversa em 2012, pouco antes de a gente casar. Lembro dele dizendo: 'Dai, você está estragando a sua saúde'. O Tiago foi muito importante pra mim, porque foi ele quem me fez parar de tomar os remédios para emagrecer.

Daiana Garbin - Divulgação - Divulgação
Daiana Garbin
Imagem: Divulgação
Mas só fui procurar ajuda médica há dois anos, quando minha vida já estava virando um inferno. A comida mandava na minha vida, era uma relação doentia. 

Fui primeiro na psicóloga, há dois anos. Depois, comecei a me tratar com um psiquiatra, que já me deu alta, e com uma nutricionista especializada em transtorno alimentar. Ainda sigo com o acompanhamento nutricional e, agora, faço análise com um psicanalista. É muito difícil vencer isso sozinha, ainda mais neste momento de terrorismo nutricional em que vivemos."

"Estou em processo de transformação, não de cura"

"Hoje, me sinto melhor com meu corpo, consigo fazer refeições equilibradas em paz e malhar moderadamente. É um processo lento. Nosso corpo não é uma massinha de modelar. Precisamos respeitar nossa genética e estrutura. Não sigo mais dietas. Aprendi a ouvir meu organismo nos momentos de fome e saciedade. Os remédios para emagrecer anulam completamente essas duas sensações. Fiz as pazes com a comida, mas ainda estou fazendo as pazes com o meu físico.

Sou contrária à onda fitness, que domina as redes sociais. Quero contribuir para que as pessoas sejam cada vez menos julgadas pela forma física. Musas fitness não vendem saúde, vendem obsessão. Tenho medo do quanto de transtorno alimentar está escondido atrás disso.

Quando me olho no espelho agora, vejo além. Enxergo acima de tudo uma mulher feliz e inteligente. Queria que a Daiana de 12 anos tivesse procurado ajuda antes e entendido que o valor do ser humano não está no formato da silhueta. Nosso corpo é lindamente imperfeito."