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Ofendida por técnico, jornalista fala de machismo: "Todas somos vítimas"

No estádio Beira-Rio, Guto Ferreira pede desculpas para Kelly Costa após comentário machista - Reprodução/FacebookRenatadeMedeiros
No estádio Beira-Rio, Guto Ferreira pede desculpas para Kelly Costa após comentário machista Imagem: Reprodução/FacebookRenatadeMedeiros

Amanda Serra

Do UOL

19/07/2017 18h08

A luta feminina pela igualdade no ambiente de trabalho vai muito além da equiparação dos salários (segundo pesquisa, em 2015, os homens recebiam, em média, R$ 490 a mais que elas). Mulheres que trabalham em setores predominantemente masculinos costumam ter que provar sua capacidade frequentemente, além de terem que lidar com comentários machistas de colegas e superiores.

Foi o que aconteceu na última terça-feira (18), após a vitória do Inter sobre o Luverdense pela Série B, a repórter Kelly Costa da rede RBS questionou Guto Ferreira sobre as chances desperdiçadas por sua equipe durante a partida em Porto Alegre. Na hora de responder à pergunta, o técnico da equipe colorada apelou para o gênero.

"Não vou te responder com uma pergunta porque você é mulher e talvez não tenha jogado (futebol). Mas todo jogador que joga tem dificuldades de ter uma tensão a mais no lance final... ", disse o treinador.

Única mulher na sala de imprensa, a jornalista que tem quatro anos e meio de experiência com jornalismo esportivo se viu coagida e menosprezada por pertencer ao sexo feminino.

Nesta quarta (19), em uma publicação em suas redes sociais, Kelly falou sobre o impacto da fala do técnico em sua carreira e pediu por mudanças. “Mas que bom que esse acontecimento nos fez recolocar em pauta uma discussão que já existe há muitos anos e não pode morrer. O machismo está na sociedade inteira. Não só no futebol. Está em todos os lugares e em todas as profissões. Todas as mulheres que eu conheço algum dia foram alvo de comentários machistas. Alguém aí não? Então, o que eu desejo hoje é que tenhamos força e resistência para desconstruir isso tudo: o machismo, o racismo, o sexismo, a homofobia... O preconceito precisa ser desconstruído”, escreveu ela que conversou com o UOL e explicou que não falaria “mais nada” além post.

A gente já sofre demais por ser mulher, não precisa vir mais um cara e te menosprezar por conta do seu sexo

Frequentadora de estádio desde criança por conta a mãe, Renata de Medeiros decidiu que queria ser jornalista esportiva aos 12 anos - Reprodução/FacebookRenatadeMedeiros - Reprodução/FacebookRenatadeMedeiros
Frequentadora de estádio desde criança por conta a mãe, Renata de Medeiros decidiu que queria ser jornalista esportiva aos 12 anos
Imagem: Reprodução/FacebookRenatadeMedeiros

A jornalista Renata de Medeiros do “Futebol da Gaúcha” estava no estádio na hora que a colega foi hostilizada e movimentou as redes sociais ao comentar o caso. Até o momento, seu post acumula cerca de 16 mil curtidas e 5.000 compartilhamentos.

“Eu me senti muito atingida com o comentário do Guto para Kelly. Estava na zona mista entrevistando o Uendel [Pereira Gonçalves, lateral esquerdo], fora da sala de imprensa na hora que ele falou aquilo ao vivo, paralisei ao ouvir. Pensei ‘não é possível!’. A Kelly estava sozinha na sala, só tinha eu e mais uma repórter trabalhando lá [estádio], e todo mundo ouviu, uns 50 caras, e ninguém se posicionou”, conta Renata que logo depois encontrou a parceira e ouviu a frase de resistência "não vamos desistir, Renatinha".

No fim, quando já não havia mais câmeras por perto, Guto chamou Kelly e pediu desculpa. “Parece que ele não entendeu o peso de sua fala para mulheres que insistem em trabalhar e 'invadir' o ambiente futebolístico que os homens pensam pertencer a eles”, relata Renata que acompanhou a cena e fez o registro fotográfico que estampa o [seu primeiro] post de desabafo no Facebook.

“As minhas amigas não esperavam a minha publicação, pois sempre fui a pessoa que responde os comentários com trabalhem vez de fazer textão. Mas não podemos ficar quietas em situações assim. É importante responder até para que os homens se conscientizem do machismo [diário], já que é algo tão enraizado na sociedade. A gente já sofre demais por ser mulher, não precisa vir mais um cara e te menosprezar por conta do seu sexo”, justifica a jovem de 24 anos.

Trabalhando na cobertura esportiva desde 2011, e única mulher da redação “Futebol da Gaúcha”, Renata já teve que lidar com inúmeras situações machistas no dia a dia e sempre preferiu responder aos ataques com conhecimento e estudo em dobro em relação aos colegas homens.

“Esse comentário não é novidade, vem do técnico, dos repórteres, dos jogadores...mas uma hora o copo transborda. Não é só o Guto que é machista, é a torcida, o ambiente, a rua, tudo... Mulher erra porque é mulher, porque não entende de futebol, já homem porque não checou direito, porque não é bom profissional. As críticas são sempre ligadas ao gênero e isso me incomoda muito”, afirma a gaúcha que ficou surpresa ao ser procurada pela reportagem e ver que não está sozinha na luta.

Leia abaixo o relato de Renata de Medeiros

Carta aberta da jornalista Kelly Costa

Pensei muito antes de fazer esse texto. Pensei inclusive em não fazê-lo. Mas não seria justo depois de receber tantas mensagens. Primeiro, obrigada! Familiares, meu namorado, amigas e amigos, colegas de trabalho, torcedoras e torcedores de Inter e Grêmio, mulheres e homens... Todos! Vocês são demais. De verdade. E queria dizer que comigo está tudo certo, tá?

O Guto Ferreira me chamou e se desculpou pessoalmente. Depois, sentiu a necessidade de se manifestar publicamente e aceitou vir ao Globo Esporte para se retratar com todo mundo. Gente, não é só comigo. Ele entendeu isso. Para mim, esse caso é assunto encerrado.

Mas que bom que esse acontecimento nos fez recolocar em pauta uma discussão que já existe há muitos anos e não pode morrer. O machismo está na sociedade inteira. Não só no futebol. Está em todos os lugares e todas as profissões. TODAS as mulheres que eu conheço algum dia foram alvo de comentários machistas. Alguém aí não? Então, o que eu desejo hoje é que tenhamos força e resistência pra desconstruir isso tudo: o machismo, o racismo, o sexismo, a homofobia... O preconceito precisa ser desconstruído.

Que essa seja a luta de todos.

Vamos em frente!
Mais uma vez, obrigada.

E, ah, #JogaQueNemMulher!