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"Tive um AVC aos 32 anos e criei um método para reaprender tudo, até falar"

Adriana Foz - Arquivo Pessoal
Adriana Foz Imagem: Arquivo Pessoal

Helena Bertho

do UOL

19/07/2017 04h00

No auge de sua carreira como psicopedagoga, aos 32 anos, Adriana Foz, 49, teve um AVC hemorrágico. Perdeu a fala e a memória, mas desenvolveu um método próprio para reaprender tudo do zero. Hoje, ela ajuda outros pacientes em recuperação e estuda formas de usar a neurociência na educação.

"Quem olhasse de fora minha vida aos 32 anos acharia que era perfeita: bem-sucedida, cheia de amigas, muitas viagens e esportes. Parecia realmente maravilhoso, mas por dentro eu estava um vulcão, eram tantas atividades, tanta rigidez, que nada nunca era o suficiente para mim, eu sempre queria mais.

Eu me cobrava demais, me exigia e me obrigava. Era tanta pressão, que um dia esse vulcão estourou e eu, aos 32 anos, tive um AVC que quase destruiu minha vida.

Achei que estava grávida e com depressão

Os sinais do AVC são discretos e a gente demora para se tocar disso. Por 20 dias, tive enjoo e comecei a ficar muito desanimada, sem energia e sem força para nada. Eu e meu marido achamos a princípio que era gravidez e, depois do negativo, consideramos depressão, já que não era normal aquele meu desânimo.

Até que chegou uma segunda-feira que eu não quis ir trabalhar – e isso era uma raridade sem tamanho. Comecei a ficar muito mole e, de repente, vomitei. Isso é nojento, mas importante: foi um vômito em jato, para frente, reto. Na hora, achei que tinha comido algo estragado, mas hoje sei que esse tipo de vômito é chamado de neurológico e é um sinal de quem tem algo acontecendo na cabeça.

E ao invés de me sentir melhor, comecei a piorar. Fui perdendo os movimentos do lado direito do meu corpo, comecei a trocar as palavras e minha vista embaçou. Meu marido me levou para o hospital. Do carro, fui direto para a ressonância, que mostrou que eu estava tendo um AVC hemorrágico.

Chamaram então minha médica e a última coisa de que me lembro é dela chorando e me dizendo 'Adriana, seu cérebro está sangrando'. E, não sei como, tive forças para respirar fundo e dizer: 'pode deixar, vou sobreviver'. E apaguei.

Não reconhecia mais meu marido

Tive de operar no mesmo dia. Correu tudo dentro do esperado na cirurgia e passei alguns dias em coma induzido, na UTI. Depois fui para a semi e então o quarto, totalizando um mês de hospital.

Mas desde que sai da cirurgia, os médicos sabiam que o resultado não seria ideal: talvez eu nem voltasse a falar ou andar, só o tempo diria.

Quando acordei, de fato eu não conseguia falar, andar ou sequer organizar meus pensamentos. Também não reconheci meu marido, apesar de estarmos casados havia 10 anos.

Minha mente e meu corpo, nesse primeiro momento estavam focados somente em sobreviver. Então eu só dormia e comia – com muita dificuldade, porque não conseguia coordenar meus movimentos também.

As palavras vinham confusas na minha cabeça, eu queria dizer uma coisa, mas saía outra completamente diferente, sem sentido nenhum.

Parecia que alguém deu reset no meu cérebro

Saí do hospital e, ao voltar para casa, também não reconheci o lugar. Eu vi que o bicho tinha pegado, mas não conseguia nem expressar minha angústia. Meu cérebro parecia um quebra-cabeças todo embaralhado e com peças faltando.

Eu não reconhecia os objetos, eu não sabia usar uma escova de dentes.... Era como se tivessem dado um reset no meu cérebro e ele tivesse reiniciado do zero. Nesse momento, achei que nunca mais voltaria a ser eu, que jamais poderia trabalhar de novo.

Entrei numa depressão bem grave. Nada fazia sentido, não me reconhecia e não conseguia entender o que estava acontecendo. Era muito assustador e em alguns momentos achei que não teria forças. As pessoas não me deixavam sozinha nenhum minuto, pois tinham medo de que eu tentasse me matar.

Para piorar, a área do cérebro atingida pelo AVC é a que gerencia os sentidos. Então eu estava com a visão, o paladar e o tato alterados. A única coisa que continuou foi meu olfato, mas se tornou muito evidente. Então eu sentia demais os cheios e eles me incomodavam. Minha pele também ficou muito sensível. Um toque leve parecia um espancamento e eu ficava roxa muito fácil.

Usei as emoções para recuperar minha mente

A recuperação foi um processo muito lento e gradual. Minha mãe e meu marido ficaram ao meu lado o tempo todo, estimulando e apoiando. Como eu não podia ficar sozinha, minhas amigas também se organizaram para dar apoio. E depois de um tempo passei a contar com um enfermeiro.

No início, minha principal atividade era caminhar no jardim de casa. Mas fui começando a fazer outras coisas devagar.

Talvez por ser psicopedagoga e já ter estudado o cérebro antes, eu tinha muita consciência das dificuldades que vivia e consegui começar a encarar isso. Como sempre estudei e estimulei muito minha mente, contava com uma enorme 'reserva cerebral', uma gordurinha que permitiu que minha mente fosse encontrando ferramentas para lidar com a crise.

A primeira coisa que fiz foi entender o que eu precisava naquele momento e eram coisas muito diferentes do que sempre precisei. Daí passei a desenvolver uma metodologia própria para lidar com essas necessidades, que chamo de plasticidade emocional.

Basicamente, prestava atenção nas minhas emoções e as usava para minha recuperação. Com isso, fui fazer coisas que não estão no script, mas que vinham de encontro a isso. Por exemplo, comecei a pintar e mexer com argila para conseguir dar forma aos pensamentos que não conseguia exprimir em palavras. Passei a aprender jardinagem, porque ver o ciclo das plantas me fazia entender o processo da vida e isso me fazia sentir bem e me acalmar.

Como minha pele estava supersensível, tomava longos banhos com ervas que acalmassem ou estimulassem meus sentidos. Fazia canto, porque os sons pareciam massagear meu cérebro e estimulá-lo.

No fundo, busquei atividades que me trouxessem um equilíbrio que permitisse tentar me recuperar.

Me sentir útil foi essencial

Isso tudo foi permitindo que, bem devagar, eu começasse a reorganizar meu cérebro. Algumas memórias foram voltando, objetos e palavras passaram a fazer sentido. Não tive momentos de iluminação, sabe? Nada foi de repente, tudo aos poucos. Não consigo dizer, por exemplo, quando voltei a reconhecer meu marido, mas sei que ao longo do primeiro ano isso foi acontecendo.

Foram cinco anos fazendo essas atividades e me dedicando totalmente à recuperação. Claro que vivi momentos de desânimo, mas superei também.

Uma das coisas que mais me ajudou foi começar um trabalho voluntário em uma creche. Eu ainda não sabia escrever, mas sabia pintar. Era uma creche que estava bem caidinha e eu comecei a fazer desenhos nas paredes. Um caracol, uma amarelinha... E isso foi deixando aquele espaço mais interessante para as crianças e me dando um novo significado. Eu me senti útil, entendi que tinha algum valor e isso é muito reabilitador.

Voltei à ativa, mas tenho um outro ritmo

Em cinco anos recuperei minha memória e voltei a ser quem eu era. Mesmo achando que nunca mais trabalharia, um dia fui procurada por pacientes antigos e tomei um café com eles. E percebi ali que podia transformar muito do que vivi em material para ajudar as pessoas.

Fui então fazer cursos, estudar o cérebro humano e me abastecer de novo. E no fim tirei tudo de positivo que pude do que vivi.

Sou hoje fruto dessa dor, que é uma dor imensa de ter passado por tudo isso. Aprendi muito a entender o processo de reabilitação e fui estudar mais neurociência. E agora tenho um arsenal de conhecimento e uma sintonia muito maiores para lidar com meus pacientes.

Transformei minha história também em um livro. Lancei em 2012 A Cura do Cérebro, onde conto tudo o que vivi de forma a inspirar outras pessoas e também mostrar como a plasticidade emocional pode ajudar outras pessoas a superarem seus tramas e se recuperar.

E minha vida mudou por completo. Hoje eu encaro os problemas de outra maneira. Na verdade, nem chamo mais de problemas e sim de desafios. Aprendi a lidar com uma coisa por vez, a respeitar meu tempo e não me sobrecarregar. Hoje faço ioga, meditação e valorizo o cuidado com a minha mente de uma outra maneira. "