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Esta educadora deixou o filho abandonar a escola, e se orgulha disso

Ana Thomaz - Arquivo pessoal
Ana Thomaz Imagem: Arquivo pessoal

Natacha Cortêz

Do Uol

20/07/2017 04h00

A escola como ela é não faz parte da vida dos três filhos de Ana Thomaz, 50 anos. Os modos de avaliação, os modos de aprendizado, a grade, os horários, as cobranças, as comparações, as paredes: tudo em algum momento passou a ser questionado por ela. Não muito depois, passou a ir contra o que Ana vive. O olhar crítico sobre o tema começou quando seu filho mais velho, Guto, aos 13 anos, pediu que a mãe o tirasse da escola. Isso foi em 2007.

Ele frequentava uma instituição de pedagogia Waldorf (considerada moderna por integrar o desenvolvimento físico, intelectual e artístico dos alunos), mais alinhada às crenças de Ana na época. O garoto tinha um bom rendimento, era amigo de todos e querido dos professores, mas havia nele um sentimento de “a escola não me ajuda no que quero que me ajude”. É como se aquele universo o limitasse.

“Ele dizia que tinha alguma coisa dentro dele que a escola não o deixava encontrar. Que havia algo que precisa fazer e que não ia conseguir se estivesse na escola”, recorda a mãe.

Entendi que se fosse tirá-lo da escola, precisava tirar a escola de dentro de mim.

Ainda sem certezas, Ana pediu a ele um ano para se organizar e decidir sobre seu futuro. O mestrado no Alexander Technique Studio, feito em Londres anos antes, foi um pano de fundo fundamental para que analisasse a possibilidade de Guto deixar os estudos tradicionais. Lá, a então bailarina estudou a técnica Alexander, na qual “se aprende a desconstruir para construir”.

“Entendi que se fosse tirá-lo da escola, precisava tirar a escola de dentro de mim. Só então ficou claro que eu precisava olhar verdadeiramente para ele, e não para o que eu achava que ele precisava”, conta.

Dez anos depois

Hoje, Guto tem 23 anos. Quase dez se passaram desde que abriu mão da escola. Fora da educação formal, em poucos meses, ele se profissionalizou mágico. Fez cursos livres e estudou de forma autodidata. “Guto é agora um ser cheio de experimentações --passou pela mágica, pela capoeira e pela música-- e que não se acomoda em lugar algum." 

Atividade no sítio de Ana em Piracaia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Atividade no sítio em Piracaia
Imagem: Arquivo pessoal

Permitir que Guto abandonasse a escola foi um primeiro passo de uma jornada sem data para acabar. Atualmente, Ana é professora da técnica Alexander e compartilha o que aprendeu com a desescolarização através de encontros que oferece no sítio onde vive, em Piracaia, a 90 km de São Paulo. Frequentemente, é procurada por educadores que desejam desconstruir a educação convencional. "É necessário trazer as relações humanas para a escola, e eles sabem disso", diz.

Ela teve ainda outras duas filhas, agora com com 9 e 11 anos. Nunca, nenhuma delas foi à escola. “Com elas, o processo é de criação. Não faz sentido desescolarizar quem nunca foi à escola”.

Aqui, a educadora divide o que tem aprendido com suas experiências de tirar a escolaridade de dentro de si e da própria escola.

“A escola desconecta o aluno de si mesmo”

“Não vejo maldade na escola, nem descuido dos pais. Vejo amorosidade. Mas é uma amorosidade cheia de crenças, estagnações e medos. A pergunta é: para que educar uma criança nos moldes que fazemos hoje? A função primordial da escola é a desconexão, é a de fazer a criança sair de uma construção singular para entrar em uma perseguição por buscar fins. Na escola como conhecemos, a criança tem um deslocamento do presente para ambicionar o futuro. Vai aprender que existem respostas certas e erradas. Vai começar a ter medo de errar e vontade de acertar. Mas espera! Erro é caminho do acerto. É processo. Acerto também é processo. Além do mais, na escola há uma desconexão entre pensar e agir. O corpo da criança fica parado enquanto a mente elabora. A escola desconecta o aluno de si mesmo. Tira ele do presente, da sua singularidade, dos seus desejos.”

Medos existem

“Levar a escola para dentro de casa, ou seja, ensino domiciliar, era a última coisa que eu pensava em fazer. Mesmo sendo uma educadora, nunca ia conseguir ficar à altura da escola e minha vida ia se resumir a criar uma escola doméstica. Não via sentido e não tinha preparo. Claro que tive medos, mas percebi que nenhum era real quando Guto de fato saiu da escola. Pensei que ele podia perder os amigos, perder oportunidades e não poder fazer faculdade. Pensei que se ele estivesse fora da escola seria um marginal para a sociedade, que se sentiria diminuído perante as pessoas. Foi tudo crença que nunca se confirmou.”

A nova escola

“Estudar é uma delícia, o problema é a maneira que nos ensinam a estudar. Penso que um caminho é usar a estrutura escolar para criar um ambiente de aprendizagem ao invés de ensinamento, um ambiente de conexões ao invés de desconexão. Lógico que não é do dia para a noite, lógico que vai dar um trabalho danado porque fará com que educadores saiam do sistema de troca e condicionamento e entrem nas relações legítimas. E entrar na relação, sair de parâmetros de competição e julgamento, é difícil, sim.”

Não é ativismo

“Se existe um plano que não tenho, é o de terminar com as escolas. Se tiramos as crianças da escola, fazemos o que com elas? Precisamos criar relações de aprendizagem na sociedade antes de não termos mais escolas. O que tenho falado é de acabarmos com a educação baseada no adestramento através da ameaça, na punição e recompensa e começarmos o aprendizado, o desenvolvimento pleno e integral de cada ser.”

Desescolarização é legal no Brasil?

Apesar das 3,2 mil famílias praticantes do modelo (de acordo com números de 2015 da Associação Nacional de Educação Domiciliar, a Aned) no país, a desescolarização não é legalizada. No entanto, não é proibida por nenhuma lei. “Apesar de não ser mencionada em nenhuma norma, o direito à educação domiciliar é decorrência direta da soberania educacional da família”, explica Alexandre Magno Moreira, professor de Direito Educacional e autor de “O direito à educação domiciliar” (ed. Monergismo).