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Mulheres assumem cachos como ato político; vem aí Marcha do Orgulho Crespo

Imagem tirada durante a última marcha, em 2016. - Reprodução/Facebook da foto de Christian Braga/Jornalistas Livres
Imagem tirada durante a última marcha, em 2016. Imagem: Reprodução/Facebook da foto de Christian Braga/Jornalistas Livres

Vivian Ortiz

Do UOL, em São Paulo

20/07/2017 08h30

Inspirar mulheres (e homens) a aceitarem a textura natural de seus cabelos como forma de libertação: este é o principal objetivo da Marcha do Orgulho Crespo SP, que terá sua 3ª edição em 5 de agosto na Avenida Paulista, em São Paulo (SP).

Neomísia Silvestre, uma das idealizadoras da marcha, explica que a ideia foi criar um movimento que leva as pessoas a discutir não apenas a questão da beleza dos fios, mas o fato dos cacheados e crespos serem uma espécie de símbolo de resistência aos padrões de beleza europeus difundidos ao longo dos anos.

Ela exemplifica que, durante a primeira marcha, em 2015, os participantes diziam que gostariam de conseguir trabalhar usando o cabelo do jeito que ele é, pois, muitas vezes, a usuária de tranças, por exemplo, sofre preconceito. "Como se o cabelo definisse a competência profissional", lamenta.

Exatamente por questões assim, segundo Neomísia, a marcha conta com uma programação liderada por acadêmicas e influenciadoras, para que não seja apenas uma passeata, mas gere um verdadeiro debate sobre o tema.

"Levantando questões de identidade, autoestima e dando foco aos problemas de saúde causados por processos de alisamento que são absolutamente agressivos e acontecem, inclusive, em crianças", diz. De acordo com a Kantar World Pannel, de 2012, o Brasil é o país que mais realiza alisamentos no mundo.

O UOL conversou com três mulheres que assumiram seus cachos e, hoje, os ostentam com orgulho.

"Não é moda, mas aceitação"

Priscila - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Depois de 32 anos, finalmente me libertei das químicas e da ditadura do liso. Minha mãe queimava as minhas orelhas, testa e pescoço tentando deixar meus fios lisos. Cresci odiando meu cabelo e me tornei escrava de alisantes de todo o tipo, dos mais fracos até os mais fortes. Já cheguei a passar no cabelo e ir limpar a casa, para ver se pegava melhor. Precisei tirar correndo, pois o couro cabeludo ficou coçando e cheio de feridinhas. O problema maior foi quando percebi que os fios estavam minguando na raiz.

Por fim, já com 31 anos, tive curiosidade em saber como eram meus cabelos ao natural e decidi entrar em transição capilar. Só quem passa por este processo sabe o quão doloroso e difícil é. Quando vi que ele estava em um tamanho legal, resolvi cortar fora toda a parte em que havia química. Foi uma libertação. As pessoas me dizem muito: seu cabelo está na moda!. E eu respondo que não é moda, mas sim aceitação. Agora, só quero saber de deixar meu black power crescer, livre como um pássaro."

Priscila Lima, 32 anos, de São Paulo

"Ajudar as manas"

Vitória - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Decidi parar de alisar o cabelo em 2012. Aos 17 anos, assisti uma novela em que três personagens, irmãs na história, tinham o cabelo cacheado e cheio, bem bonito. Uma pessoa virou para mim e disse: antes de você alisar, seu cabelo era assim. Na hora, pensei que nem sabia como era meu cabelo cacheado antes! Passei por quase duas transições, pois, quando estava curto eu não me aceitava muito e algumas pessoas falavam mal do meu cabelo, daí voltei a relaxar os fios. Depois, tive que cortar tudo para tirar o relaxamento.

Com o cabelo curto e cacheado, minha autoestima ia ao chão e as traças ajudaram muito durante o processo de crescimento. Administro um grupo sobre o assunto no Facebook, onde troco ideias sobre o assunto com as meninas. Se tem algo que aprendi é que nem todos os cachos são perfeitos iguais aos que eu via na TV, pois depende muito da estrutura dos fios. Muitas passam pelo processo e voltam a alisar porque não ficou do jeito que sonharam. Essas marchas e ler depoimentos de quem passou por isso ajuda muita as manas que estão com dúvidas."

Vitória Tompsom, 22 anos, do Rio de Janeiro

"Não saí de casa por um mês"

Adry - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Eu sempre tive cabelo cacheado, mas, como nunca estava satisfeita, resolvi alisar ainda criança. Na época, comecei a usar para soltar os cachos e dar mais definição, mas logo pulei para o cabelo escovado. Então, chegou uma época da minha vida em que eu estava viciada em implante e progressiva. Fazia a cada 15 dias e meus fios começaram a ficar ralinhos. Insatisfeita, decidi cortar a química de uma vez. Foi aí que começou a parte mais difícil do processo, que foi me aceitar e enfrentar muitas piadinhas e olhares tortos, pois as pessoas associam a beleza feminina ao cabelo.

Para driblar isso, optei simplesmente por não sair de casa durante um mês. Estava de férias na faculdade e não trabalhava na época. Foi neste meio tempo que fiz várias reflexões e comecei a me aceitar, em um processo de dentro para fora. Não foi tranquilo, mas consegui. Hoje, administro um grupo no Facebook porque nós precisamos incentivar as pessoas que a se aceitarem como são".

 Adryelli Firmino, 22 anos, do Rio de Janeiro