Irene é uma psicopata, e pessoas como ela são mais comum do que você pensa
A surra que Joyce (Maria Fernanda Cândido) e Ritinha (Isis Valverde) deram na Irene (Débora Falabella), em “A Força do Querer”, foi um dos assuntos mais debatidos da semana. “Esposa e amante saindo no tapa nas novelas, até quando?”, questionaram muitas mulheres nas redes. O motivo da confusão colocada por Glória Perez, na novela das 21h, se resumia à traição de Eugênio (Dan Stullbach), que, em meio a uma crise profissional, se encantou pela arquiteta, com quem passou a viver um caso extraconjugal.
Mas além da falta de sororidade (a aliança feminina), que ainda impera nos folhetins, uma outra questão merece atenção especial: “A história da Irene é, sem dúvida, um enredo clássico de um psicopata, com quem todo mundo está vulnerável a lidar alguma vez na vida”, alerta Ana Beatriz Barbosa Silva, psiquiatra e escritora.
A personagem de Débora, segundo a especialista, carrega os principais sinais de psicopatia --um tipo de personalidade, não de doença. “Ela não é aquela clássica vilã desequilibrada e estereotipada que enlouquece e mata por amor, é uma psicopata da vida real. Trata o outro, nesse caso o Eugênio, como um mero instrumento de conquista de status, poder e diversão. Tem perfil frio, maquiavélico, cerebral e calculista, 100% racional, sem qualquer sentimento de culpa ou arrependimento. E ainda usa sua beleza como arma de sedução.”
Eugênio é a presa fácil: alguém emocionalmente fragilizado, que acredita na bondade humana e é, por isso, manipulável. “Na cena pós-briga, quando ele a encontra, isso fica claro. Ele teve um instinto de uma pessoa boa, que tenta socorrer alguém em perigo”, analisa Ana Beatriz. “Esse bom sentimento é como um cheque em branco para um psicopata continuar agindo.”
Psicopatas não chegam de mansinho. Eles aparecem de maneira avassaladora, em um momento oportuno. Assim que viu Eugênio inseguro para começar uma nova etapa da vida –trocar o cargo de diretor para atuar como advogado--, a arquiteta rapidamente notou um terreno fértil e começou a inventar histórias tocantes que o deixasse confortável para também desabafar. Assim, conquistou rapidamente o rapaz.
Fazer-se de vítima é padrão
Ardilosa, a vilã, quando em risco, se vale de uma fraqueza traiçoeira para virar o jogo ao seu favor. Já encenou, por exemplo, que estaria sendo sufocada dentro de casa para comover o amante e sua esposa. “Desde o início da novela ela se faz de vítima, um comportamento tipicamente psicopático”, explica a especialista.
“Ela sempre apresenta uma história de fragilidade. Em meio ao sentimento de pena do outro, encontra um grande espaço para penetrar e atuar. Ela, assim como todos, é perversa e goza do sofrimento alheio. É incapaz de amar e de sentir empatia. Não à toa, Irene adora ver Joyce sofrer.”
Esqueça o perfil sombrio e esquivo que muitas vezes está atrelado a esse tipo de personalidade. Isso não é comum a um psicopata, garante a especialista. Na lista de características, imperam a habilidade em ser sociável, simpatia e jeito extrovertido.
“Eles entram na vida da vítima como o melhor amigo de infância ou o grande amor da vida, de maneira intensa e impressionante. O que não faltam são afinidades milimetricamente orquestradas, que rapidamente encantam. E saiba: eles não são loucos, apenas isentos de emoção.” Para um psicopata afetivo, a conquista é apenas “um jogo de paciência”, como já admitiu Irene.
Eles caem na própria armadilha por excesso de vaidade
A autoestima de um psicopata é, de acordo com Ana Beatriz, altíssima, mas é aí que mora o risco de ser descoberto. “Eles têm uma forte tendência a se acharem mais inteligentes que qualquer um. Por isso, pensam que nada vai dar errado”, conta. “Sem o freio emocional que nos fazem parar diante de uma situação equivocada, mudam de cidade, aparência, identidade... Tudo para voltar a agir em um outro lugar. Apesar disso, eu diria que eles triunfam por muito tempo até serem pegos.”
Durante um papo com a amiga Mira (Maria Clara Spinelli), a arquiteta disse não sentir medo por se chamar Irene Steiner. “Soa bem diferente de Solange Lima”, completa revelando sua real identidade. É a ficção comprovando a realidade.
Da ficção para a realidade
Autora do livro “Mentes Perigosas” (ed. Globo Livros), que trata do assunto, Ana Beatriz revela que 4% da população mundial é composta por psicopatas – leves, moderados e graves. “E eu diria que menos de 1% deles são capazes de matar”, diz. “A questão é a indiferença com o outro. Não é para ter medo. Basta estar atento a quem chega na nossa vida de maneira extremamente sedutora e inesperada.”
O que assusta a especialista é notar que os valores psicopáticos estão na moda. “Não é à toa que, hoje, os vilões fazem mais sucesso que os mocinhos”, diz. “O psicopata é a face de uma sociedade que impõe cada vez mais o conceito de vencedor e perdedor, valorizando sempre o primeiro. Por isso, ter um personagem como esse em uma novela sendo tratado de maneira coerente carrega um componente educacional importante. É preciso destacar ainda que um psicopata não enlouquece e que psicopatia não tem cura. Espero que isso também seja mostrado.”
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