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Jovem tatua carta em homenagem à avó com Alzheimer e emociona a internet

Após publicar o texto, Leonardo recebeu histórias de gente que até deixou de lado brigas com a família - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Após publicar o texto, Leonardo recebeu histórias de gente que até deixou de lado brigas com a família
Imagem: Arquivo pessoal

Do UOL

08/08/2017 18h56

Como homenagem à avó, recém diagnosticada com Alzheimer, o estudante de jornalismo Leonardo Martins, 19, tatuou em suas costelas a carta que recebeu de dona Lurdes ao entrar na faculdade e publicou uma emocionante mensagem nas redes sociais.

Aos 85 anos, dona Lurdes e a família enfrentam os esquecimentos e as consequências da doença. A publicação, feita na terça (7), ultrapassou os 86 mil compartilhamentos, teve mais de 200 mil reações e rendeu centenas de depoimentos enviados por outros internautas.

Surpreso com tanta repercussão, Leonardo conta ter recebido muitas mensagens de todo o Brasil. "Se eu pude fazer com que metade dessas pessoas apenas ligassem para os avós, já fiz um dos maiores atos da minha vida", analisa.

Abaixo, Leonardo, que é funcionário do UOL, conta sua história e a de dona Lurdes.

'Alzheimer não pode ser'

“Enxergo a vida como uma forma de explorar. Aprender e me preencher das mil cores e sabores que o cotidiano me oferece sempre foi um objetivo. Mas é justamente isso que afunda no meu esquecimento. Eu batalho para mudar isso todos os dias. Minha avó sempre diz que eu sou muito teimoso.

O Alzheimer que descobrimos na minha avó Lurdes, aos 85 anos, me fez refletir sobre isso. E, pelo andar da carruagem, mexeu com inúmeros sentimentos além dos meus.

Dona Lurdes desenvolveu uma depressão que anda de mão dada com ela há alguns anos. Apesar disso, sempre foi muito ativa. Na casa dela, recordo, revezava com a minha tia quem faria as refeições, ajudava na limpeza e nas atividades que a artrose não a impedisse.

Dona Lurdes, 85, e seu neto, Leonardo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Dona Lurdes, 85, e seu neto, Leonardo
Imagem: Arquivo pessoal

O Alzheimer pode se manifestar de forma agressiva ou de pouco a pouco. Na vó, os primeiros sintomas vieram fortes. E o começo deles eram vistos por nós com certo desdém, admito. 'Alzheimer não pode ser', eu afirmava, como se fosse especialista. Na verdade, tinha medo. Não queria aceitar.

Certo dia, ela chegou desesperada chamando por minha tia. Com lágrimas nos olhos, dizia não saber a razão daqueles remédios, e que horas deveria tomá-los. A partir disso, o arroz queimou mais vezes, xícaras se quebravam com mais frequência, as batatas -- ingrediente principal do menu da vó -- às vezes estavam sem sal. Alguma coisa estava acontecendo.

Ela não estava mais à vontade na própria casa

Como a Dona Lurdes morou em nossa casa desde 2004 até este ano, sentia-se como proprietária do nosso apartamento no Tatuapé, com direito até a querer embargar, antidemocraticamente, a compra da Kyara, nossa cachorra. Atualmente, depois de diagnosticada, ela só se sente bem dormindo em sua cama, dividindo seu quarto com a luz da televisão.

O que aprendemos sobre o Alzheimer é que a doença primeiro se manifesta nos hábitos da pessoa. A mudança de rotina e ambientes causava uma sensação desconfortável na cabeça dela. Deixava-a confusa.

Lembro-me de que a primeira vez em que foi para minha casa depois de diagnosticada, a vó sentou-se em uma cadeira na mesa de jantar. Do sofá com cobertas e meias jogadas, a avó passou para a cadeira, com os braços apoiados na mesa e os dedos entrelaçados, como se estivesse visitando um novo ambiente. Ela não estava mais à vontade naquele lugar.

Ao levá-la para a gerontologista, dra. Alzira solicitou os exames tomográficos, mas, pelos sintomas, já havia endossado antes: Alzheimer. O resultado dos exames só confirmou.

Por amor, quatro horas de dor

Hoje tentamos viver uma vida normal. Nunca nos imaginamos tendo de cozinhar e organizar as coisas da vó -- e essa está sendo a parte mais difícil.

Como orador da minha turma de formação no Ensino Médio, citei minha avó em meu discurso. Em meus primeiros textos em um portal universitário, citei minha avó. Hoje, escrevo matérias e falo dela também. Ela fica extremamente feliz, depois acaba esquecendo.

Quando consegui trabalhar no UOL na área que mais queria, ela havia feito todas as orações possíveis antes da minha entrevista. Hoje, às vezes não se recorda. Se eu contar que o nome dela veio parar até aqui, ela não vai esquecer.

Após o diagnóstico, lembrei da carta e senti um estalo. Era o amor. O amor, pra mim, é esse estalo que vem da alma nos indicando um caminho a seguir. O meu estalo era fazer uma tatuagem com aquela carta, antes que ela se esquecesse e eu, por um acaso, a perdesse. 'Na costela mesmo, mano?', disse o tatuador. Aquelas 4 horas de dor não foram nada.

Como ela nunca aprovou a ideia de fazer tatuagens, não sabia qual seria a reação. Fiquei com certo receio, confesso. Mas a reação àquele momento foi a melhor possível, como minha mãe, Vitória, teve a excepcional ideia de registrar para sempre.

Enquanto ela esquecer, vou repetir. Quantas vezes for preciso

Nunca, em toda minha vida até agora, imaginei que a história da dona Lurdes chegaria tão longe.

O maior espanto de todo esse contexto veio do contato de pessoas que não vi uma vez sequer. De Maceió, de Recife, de Belo Horizonte, do Brasil todo. As mensagens chegam aos montes e, no começo, tentava responder uma por uma, com atenção.

Além de parabéns, vinham histórias de superação, pessoas que brigaram com avós e reataram os laços depois de ver o meu post, que ligaram para avó, mãe, tia, e foram em suas casas só para conversar.

Sentado com meu pai, José Carlos, refletimos: se, por sorte, eu puder ter tocado o coração e a alma de metade dessas milhares de pessoas, se eu pude fazer com que elas apenas ligassem para os avós, fiz um dos maiores atos da minha vida.

Todo dia nos cobramos o tempo todo por ter de fazer mais, produzir mais do que podemos. Criticamos pessoas só por criticar, invejamos algo só por invejar. Abarrotamos a cabeça de preocupações cotidianas de questionamentos e hipóteses. Cara, chega.

O Alzheimer da minha avó foi um farol amarelo. Nunca tinha reparado o quão gostoso é o toque da mão dela no meu rosto quando me vê. Toda vez que digo que a amo, ela chora. Bom, o resto perdeu o sentido para mim. Tudo isso é tão efêmero.

O fato de poder ter feito uma diferença, mesmo que ínfima, no coração de alguém serve de combustível para continuar nessa longa estrada da vida. E, enquanto a vó esquecer das coisas, eu vou repetir, repetir e repetir. Quantas vezes for preciso. Também, minha avó sempre diz que eu sou muito teimoso. Que bom que eu sou".