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Meninas também podem! Mãe consegue que filha jogue em campeonato de futebol

Maria Alice, o técnico conhecido como Tê e a equipe de futebol mirim de Vieiras (MG) - Arquivo Pessoal
Maria Alice, o técnico conhecido como Tê e a equipe de futebol mirim de Vieiras (MG) Imagem: Arquivo Pessoal

Amanda Serra

Do UOL, em São Paulo

18/08/2017 17h21

Maria Alice tem apenas 10 anos, mora em Vieiras (MG) e desde os 5 joga futebol. Apesar de participar de jogos municipais e intermunicipais e ser uma das capitãs do time Vieiras Esporte Clube -- onde ela é a única garota, Maria Alice teve sua inscrição vetada para Copa Sesc 2017. O motivo? Ela é menina.

Diante da tristeza da filha que fez questão de ter uma chuteira com seu nome grafado para o maior torneio de sua vida, Eliane Aparecida Barbosa, 37, organizou um abaixo-assinado online intitulado “Deixem a Maria Alice jogar futebol! #MeninasTambémJogam”. Além das quase 20 mil assinaturas, a mineira conseguiu prorrogar as inscrições e na última quinta-feira (17) recebeu a notícia de que sua “pequena jogadora” poderia participar da competição. Por nota (abaixo), o Sesc Minas diz "compreender o esporte como um processo de construção de identidade, autonomia e autoconfiança", por isso a garota participará da competição que acontecerá em Muriaé (MG).

“Ontem, foi o dia mais feliz da minha vida e pretendo fazer todos os gols da temporada”, afirma eufórica a atacante Maria Alice em entrevista ao UOL. O campeonato começa no dia 26 de agosto e deve durar até o fim de novembro.

Ela vai jogar!

Chuteiras da artilheira Maria Alice especialmente para Copa Sesc 2017 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
Emocionada, Eliane falou sobre o sentimento de gratidão diante da mobilização de outras pessoas. Ela conta que seu único objetivo era flexibilizar uma regra que não prevê equipes mistas. “Foi um ato tão pequeno, mas que conseguiu unir o Brasil inteiro, não tem dinheiro que pague. Se não fosse a mobilização, a Maria Alice não teria conseguido permissão para jogar. Infelizmente, não há equipes femininas em Vieiras na faixa etária dela. Inserir a pessoa em um gênero diverso é a única opção. Sabemos que por uma questão física ou fisiológica, muitas vezes isso não será possível, mas enquanto for... É uma criança com um sonho e no momento a única oportunidade que ela tem de competir é essa”.

Assim que soube da negativa, a comerciante ligou para Secretaria Municipal de Esporte, leu o edital de "cabo a rabo" e foi até o Sesc. A entidade explicou que não se tratava de um discriminação de gênero, mas que estavam apenas seguindo uma regra. “Inclusive, em nenhum momento interpretei como preconceito, apesar de saber que ele existe. Fiz o abaixo-assinado movida mais pela emoção do que pela razão. Na noite que a Maria Alice soube que não poderia participar, ela foi dormir meia-noite aos prantos. Pensei: ‘quem sabe não abrem uma exceção e não se sensibilizam’”, lembra Eliane.

Assistir a um jogo no Maracanã

"Eu falo para os meninos quais jogadas eles devem fazer", conta Maria Alice, 10 anos - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
"Eu falo para os meninos quais jogadas eles devem fazer", conta Maria Alice
Imagem: Arquivo Pessoal
Torcedora do Flamengo por influência do pai Geraldo Montezano que, aliás, é responsável pelas dicas táticas e pela paixão de Maria Alice pelo esporte, a garota sonha em assistir a um jogo do time de coração no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro.

“Quero ser jogadora de futebol e tenho como exemplos a Marta (brasileira escolhida como melhor futebolista do mundo por cinco vezes consecutivas), o Neymar, o Messi, o Cristiano Ronaldo”, conta a menina que treina três vezes por semana, além de praticar Taekwondo e ser “uma ótima aluna”, segundo sua mãe.

Eliane conta que apesar da cidade ter menos de 4 mil habitantes e ser um local tradicional e religioso, Maria Alice nunca foi desprezada por jogar futebol. “O mais interessante é que ela é muito aceita pelos meninos. Três vezes por semana, às 8h15 eles passam de bicicleta, gritando por ela, para todos irem juntos aos treinos. Ela é a líder deles. Ela ficou muito decepcionada por ter tido sua inscrição indeferida, mas os garotos sentiram muito mais, pois não fazia sentido eles jogarem sem ela”. 

Brinquedos não têm gênero

Maria Alice, 10, tem como meta se tornar jogadora de futebol profissional - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
 Pais também de Maria Fernanda, de 16 anos, Eliane e Geraldo sempre tiveram como princípio o respeito pela liberdade das filhas, o que inclui a questão religiosa e sexual.

“Na minha casa brinquedo sempre foi brinquedo, não existe isso de menina e menino. A Maria Alice tem sim suas bonecas, mas também tem sua coleção de bolas, jogos de dardos, ela gosta. Já a outra, o brinquedo mais extravagante, digamos assim, foi um par de patins. Para mim e para o pai delas sempre foi algo natural respeitar as escolhas delas”, ressalta Eliane.

“O esporte não é um elemento influenciador pela orientação sexual de cada um. Não existe preferência normal ou anormal, existe a preferência de cada um. E caso a Maria Alice no futuro se descubra gay, não tem problema nenhum para minha família. Elas são livres”.

Eliane lembra que quando Maria Alice começou a jogar futebol com os meninos nas aulas de educação física, a direção da escola a chamou na escola para alertar que a garota preferia isso ao invés de pular corda com as meninas.

“A paixão dela é o futebol e acredito que ela esteja mais segura jogando com os garotinhos da idade dela do que com as garotas de 15 anos ou mais. A única preocupação que eu tenho é a questão do vestiário, pois só há duas opções nos ginásios (visitantes e donos da casa). Mas os garotos respeitam e geralmente ela se troca primeiro ou depois deles. Minha mais velha sempre a acompanha”.

Por fim, Eliane deseja apenas que o esporte feminino receba incentivos sociais. “Meninas não precisam só jogar vôlei”, diz a mineira, lembrando de uma frase de sua finada mãe: “Sonho é para ser sonhado e realizado”.

Maria Alice ao lado dos pais e da irmã mais velha - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Maria Alice ao lado dos pais e da irmã mais velha
Imagem: Arquivo Pessoal

Maria Alice jogando futebol - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
Comunicado do Sesc Minas; leia a nota na íntegra:

A Copa Sesc é uma competição que há 30 anos proporciona a oportunidade de vivenciar momentos de cooperação e trabalho em equipe. Durante esse período, milhares de pessoas de todas as idades e gêneros já participaram de uma das atividades mais tradicionais do Sesc em Minas.

É em virtude desse compromisso e pela vontade de fazer um evento esportivo de grandes dimensões com seriedade, que a Copa Sesc segue os parâmetros das regras oficiais da Confederação Brasileira de cada modalidade. Dessa maneira, em seu regulamento, não prevê a modalidade de futsal sub-11 mista – com a participação de meninos e meninas na mesma equipe.

Porém, o Sesc também idealizou a Copa Sesc partindo da compreensão do esporte como um processo de construção de identidade, autonomia e autoconfiança, que abrace os talentos espalhados por todos os cantos de Minas, respeitando a diversidade.

Por esse motivo, informamos que a Maria Alice vai participar da Copa Sesc em Muriaé. Queremos que todos tenham oportunidade de se aperfeiçoar, crescer e competir. 

Desejamos a todos os participantes uma ótima competição!