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Bibi real: ela faturava R$ 120 mil por mês com tráfico; hoje tem 2 empregos

Casos como o de Bibi (Juliana Paes) e Rubinho (Emílio Dantas) são mais comuns do que pensamos - Raquel Cunha/TV Globo
Casos como o de Bibi (Juliana Paes) e Rubinho (Emílio Dantas) são mais comuns do que pensamos Imagem: Raquel Cunha/TV Globo

Amanda Serra

Do UOL, em São Paulo

15/09/2017 04h00

A cada cena de Bibi (Juliana Paes) em “A Força do Querer”, subindo, descendo morro, ajudando o Rubinho (Emilio Dantas) com as negociações do tráfico de drogas ou visitando o marido na prisão, Ana Paula Lopes, 35 anos, se reconhece na tela. Lembrando que Bibi é inspirada em uma mulher real: Fabiana Escobar, que ficou conhecida como “Baronesa do Pó”, ex-mulher de um dos maiores traficantes da Rocinha, no Rio. Assim como Fabiana (e Bibi), Ana se envolveu com o tráfico por causa do marido. Ela foi casada por 16 anos com Paulo* e acreditava que estava dando uma prova de amor ao assumir o comando do negócio ilícito em seu lugar quando ele foi detido.

“Era perdidamente apaixonada por ele, fazia loucuras. Guardava drogas, recebia, entregava, entrava em contato com bandidos. Faturava R$ 30 mil por semana, tinha o poder nas mãos. O tráfico te dá uma sensação de alto comando, você manda, desmanda. Se acha o máximo! Você domina o meio, coloca medo nas pessoas, impõe respeito”, conta ela em depoimento ao UOL.

Em liberdade há dois anos após ser condenada a nove de prisão, Ana Paula reflete e corrobora o clichê de que tudo que vem com facilidade vai embora rápido. “Passei quatro anos na cadeia e foi um período muito ruim. Minha família não falava comigo, ninguém me visitava. Fiquei nove meses sem ver os meus filhos (uma menina de 18, um menino de 15 e uma garota de 6)”, recorda a mineira que hoje trabalha como ajudante de cozinha em dois locais e sobrevive com R$ 2.200 por mês.

"Me vejo no jeito da Bibi, na forma que ela age, o amor pelo marido... é muito envolvimento", lembra Ana Paula - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
"Me vejo no jeito da Bibi, na forma que ela age, o amor pelo marido... é muito envolvimento", lembra Ana Paula
Imagem: Arquivo Pessoal
 O início

"Fui morar com ele quando tinha 13 anos, e ele, 14. Éramos duas crianças. Ele trabalhava em um lava jato e eu cuidava de crianças, era uma espécie de babá, também fazia outros bicos. Morávamos em Caratinga, Minas Gerais. Ele começou a comprar várias coisas para casa, moto, carro e aí passei a desconfiar, afinal, meu irmão, assassinado há seis anos, já mexia com isso. Eu sabia como era. Na época, ameacei separação, falava que não queria a vida do crime. Mas o poder já tinha subido na cabeça dele. E como não tinha outra renda, essa se tornou um meio de sobrevivência. A verdade é que a gente se envolve com tudo isso por amor mesmo. Fazemos sem pensar nas consequências".

As Bibis Perigosas existem

"Em pouco tempo, comecei a entrar em contato com as pessoas, os depósitos bancários passaram a cair na minha conta, até que ele foi preso e eu assumi o comando. Sabia quem era quem, tinha aprendido como administrar e, apesar de não ter concluído o ensino médio, sempre fui boa de conta. Sabia como fazer. A minha casa era um ponto de droga, tinham cinco pessoas abaixo de mim. Mas nunca matei ninguém".

Aurora visita Bibi na prisão e a acolhe em seu colo - Cesar Alves/Globo/Divulgação - Cesar Alves/Globo/Divulgação
Bibi é detida por conta de associação ao tráfico de droga em "A Força do Querer"
Imagem: Cesar Alves/Globo/Divulgação
 A conta chegou

"Fui presa quando a minha filha caçula tinha oito meses. Minha mãe não falava comigo, meu marido estava foragido em São Paulo e já tinha arrumado outra mulher, claro. A sorte é que eu tinha guardado um pouco de dinheiro e foi com isso que sobrevivi dentro da prisão. Tinha uma única amiga que me visitava e ela era responsável por comprar comida para mim, produtos de higiene pessoal, xampu, por exemplo, porque o Estado não dá. O absorvente é muito ruim... Dentro da cadeia ou você aprende a bater ou apanha. Tudo que o tráfico traz de bens materiais ele leva – no fim você gasta com advogado, contas, nada fica... Perto do fim da minha pena, meu ex foi preso novamente. Na época, acabei perdoando a traição e indo visitá-lo, mas não deu certo. Acho que só voltei por ciúme da mulher que ele tinha arrumado. Atualmente, ele está solto, moramos na mesma cidade e nos vemos por causa dos nossos filhos".

 
Ana Paula faturava R$ 30 mil semanais com o tráfico de droga, hoje ela têm dois empregos e ganha R$ 2200 por mês - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Ana Paula faturava R$ 30 mil semanais com o tráfico de droga, hoje ela têm dois empregos e ganha R$ 2200 por mês
Imagem: Arquivo Pessoal
O recomeço

"Na prisão, eu percebi que podia passar por qualquer dificuldade, mas não voltaria para o mundo do crime porque, de fato, não vale a pena. Sofri vendo os meus filhos sofrerem, sendo criados sem mim por perto. Ainda não consegui conquistar a confiança deles, mas sei que isso é só com o tempo, tenho consciência disso. Eu e a minha mãe voltamos a conversar. É difícil estabelecer uma relação de confiança com a própria família. No fundo, todo mundo fica vigiando você. De qualquer forma, não acredito na frase ‘quem entrou para o tráfico uma vez não sai nunca mais’. A pessoa consegue sair se tiver força de vontade. Todo mundo tem um desvio na vida, se não é mexendo com coisa errada, é fazendo mal para alguém. O pedaço de mau caminho existe.

Hoje, posso falar que estou bem em todos os sentidos. Consegui retomar meu emprego em um restaurante, onde trabalhei bem antes do tráfico. Os donos me conhecem e me deram uma segunda chance. Trabalho de segunda a sábado, das 7h às 15h30, lá e de terça, sábado e domingo, das 17h à meia-noite, em uma pizzaria. Pago água, aluguel, TV a cabo, luz, faço compra, ajudo ‘os meninos’ com roupa, calçados. Minha filha mais velha também trabalha e me ajuda sustentar a casa. Apesar do meu passado não ser um assunto comentado, sempre explico, lembro os meus filhos que a criminalidade não compensa".

Carine (Carla Diaz) e Rubinho são amantes em "A Força do Querer" - TV Globo - TV Globo
Carine (Carla Diaz) e Rubinho são amantes em "A Força do Querer"
Imagem: TV Globo
 Reflexões

"Assisto à novela e penso ‘nossa, já fiz tudo isso’. Me vejo no jeito da Bibi, na forma que ela age, no amor que ela tem pelo marido... É muito envolvimento. Você percebe que está errada, mas não consegue parar, vai de cabeça. É muito dinheiro, aí se deixa levar. Se esconde atrás de pensamentos do tipo ‘vou dar uma vida boa para os meus filhos’. Mas, no fim, não vai dar nada, porque acaba sem nada, perde tudo. Na época, eu tinha joias, roupas, em uma noite gastava R$ 1 mil sem nem pensar. Gostava de carros, motos, trocava, comprava outro a hora que quisesse, bastava cismar. Agora, não tenho nada. Só me lasquei.

Se o seu parceiro não quiser sair da vida do crime, saia você da vida dele porque depois ele vai trocá-la por uma outra qualquer. A mulher sofre, mas sempre está junto, passa fome, sede, fica ali do lado sempre. O homem não".

*O nome foi trocado para preservar a identidade dele.