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Não é só uma fase: elas são bissexuais, mas tiveram que reprimir o desejo

Getty Images
Imagem: Getty Images

Helena Bertho

Do UOL

14/10/2017 04h00

Mulheres bissexuais têm uma grande dificuldade para se reconhecer como tal. Além do preconceito que já inibe a sexualidade feminina nas mais diversas formas, a sociedade costuma tratar o desejo por pessoas do mesmo sexo como algo passageiro, uma "fase". Especialmente se a mulher em questão também sente atração por homens.

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Três mulheres contaram ao UOL como foi reprimir da bissexualidade por vários anos e como lidam com ela atualmente. 

"Achava que Deus ia me abandonar por ser bi"

"Sempre gostei de meninos e de meninas. Na escola, fiquei com várias garotas, era algo natural para mim. Até que aos 14 anos, quando me converti à religião evangélica e passei a me reprimir. Achava que se ficasse com pessoas do mesmo sexo iria perder Deus.

Aos 16 me apaixonei por uma menina. Era um sentimento muito intenso, mas eu tentava fingir que nada estava acontecendo. Dois anos depois, comecei a namorar um homem. Foram seis anos juntos e pela maior parte do tempo eu tentava esconder o que sentia por aquela garota.

Comecei a estudar, fui fazer faculdade de psicologia e comecei a estudar religião. Percebi que essa questão de controlar nossos corpos e o que gostamos não tem nada a ver com religião. Entendi que, para Deus, não havia problema em gostar de homens e mulheres.

Então foi caindo a ficha de que eu era bissexual, sim, claramente. E um dia, num papo entre amigos, eu falei: 'sou bi'. Achei que isso seria ok para meu namorado também. Mas não foi, ele ficou escandalizado. Brigamos e ficamos quase seis meses sem nos falar. Ele simplesmente não entendia.

Nos reaproximamos, daí ele queria fazer sexo a três. E eu tinha que explicar que não era isso. Eu não gosto de mulher para ser um fetiche, gosto porque gosto. Conversamos muito e decidimos tentar abrir a relação. Foi no início de 2017.

Saí com três meninas e foi ótimo, era uma coisa só minha. Mas infelizmente meu namoro não sobreviveu a isso, ele acabou se envolvendo com outra e terminamos. Hoje estou solteira e feliz, ciente de que posso gostar de quem eu gostar. É muito transgressor mulher que se apaixona por mulheres e, principalmente, quando pode escolher. Afinal, normalmente nós mulheres não podemos escolher muita coisa". (Depoimento de Renata*, 24, estudante)

"Não quero mais anular minha natureza"

"Me casei muito nova, aos 24, com um homem. Mas sempre fui bissexual. Antes do relacionamento, saí com meninos e meninas, sem problemas. Aconteceu de eu me apaixonar por um homem e nos casamos. Foram 11 anos muito bons, muito felizes juntos.

Durante esse tempo, porém, eu passei a ser vista como hétero por todo mundo que me conhecia. Todo mundo interpretou minha bissexualidade como uma curiosidade juvenil. E, apesar de saber que sou bi, eu mesma sei que tinha um certo preconceito.

Em 2015, por outros motivos meu relacionamento acabou. E a partir do momento em que estava solteira, voltei minha atividade e redescobri a pessoa que sempre fui. Voltei a me relacionar com mulheres. O mais difícil foi o preconceito, as pessoas se afastaram de mim. Para muitos amigos, era como se eu fosse promíscua!

Outro problema é que, no fim das contas, eu tenho certeza de que eu me relaciono muito mais com homens, porque tenho essa imposição machista internalizada. Tanto que no início desse ano comecei a namorar de novo, um homem.

Mas dessa vez decidimos ter uma relação aberta e, se acontecer, queremos até trazer uma terceira pessoa para a relação. Por enquanto ainda não aconteceu. Mas logo no começo eu já falei para ele: 'eu sou bissexual e pode acontecer de eu me interessar por um homem ou uma mulher'.

Porque eu sei que isso é da minha natureza e não quero mais ter isso anulado". (Depoimento de Carolina*, 37, designer de interiores)

"Demorei para entender que não era só curiosidade"

"Sempre achei o corpo feminino gostoso, tive atração. Aos 20 anos, rolou pela primeira vez de ficar com uma mulher e depois disso, vieram várias outras. Mas eu mesma sempre reprimia isso, sempre parava na coisa física, nunca me envolvia emocionalmente. É que no fundo eu sabia que minha família não aceitaria, me recriminaria.

Por isso, romance mesmo, só com homens. E sempre monogâmico. Como se ficar com mulheres fosse mais uma coisa de curiosidade, não um desejo legítimo.

No começo desse ano iniciei um novo namoro. Mas um dia acabei ficando com uma menina em uma festa na frente dele. E isso o machucou muito. Apesar de ter sido bem ruim, foi bom porque mostrou que meu namorado entende o que é ser bissexual: ao me ver com uma mulher, ele não enxergou um fetiche e sim um potencial para envolvimento.

Mas como eu não estava mais querendo me reprimir, tentamos abrir a relação.

Deu errado, ele sentia muito ciúmes. No fim das contas, era uma imposição minha. Então depois dois meses fechamos de novo. Hoje somos monogâmicos e estamos bem. Estou apaixonada por um homem, nesse momento, e tudo bem". (Depoimento de Caroline* 38, pesquisadora)

 

*As entrevistadas pediram para ter a identidade preservada