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O que está por trás da história de que menina amadurece mais cedo?

Millie Bobby Brown, de apenas 13 anos - Getty Images
Millie Bobby Brown, de apenas 13 anos Imagem: Getty Images

Daniela Carasco

do UOL, em São Paulo

10/11/2017 04h00

O debate recente sobre a “adultização” da atriz Millie Bobby Brown, a Eleven da série “Stranger Things”, trouxe com ele uma outra questão: a tão propagada ideia de que meninas amadurecem mais cedo do que os meninos. Será? As especialistas ouvidas pelo UOL dizem que isso é um mito, que esconde a preocupante questão da erotização precoce das garotas.

Déborah De Mari, pesquisadora de questões de gênero e sociais que inibem o potencial de meninas, propõe um exercício simples: olhe para qualquer imagem da atriz mirim durante a divulgação da nova temporada da série e dê um palpite sobre a sua idade.

“Dificilmente, alguém que não a conhece dirá que ela tem apenas 13 anos”, diz. “Millie, assim como muitas artistas-mirins brasileiras, são a prova do quão determinante a puberdade tem sido na vida de garotas. Elas se tornam, aos olhos da sociedade, objetos sexuais, mulheres que precisam começar a se preocupar com a aparência acima de tudo. Como se o seu valor estivesse atrelado à imagem. Isso inibe outros importantes potenciais e habilidades”, diz Deborah, que também é fundadora do “Força Meninas”, uma plataforma educativa de liderança feminina.

Para Jane Felipe, professora titular da Faculdade de Educação da UFRGS e coordenadora do GEIN - Grupo de Estudo da Infância, elas são vítimas de “um aspecto cultural muito forte de encurtamento do tempo da infância e da valorização da imagem jovem erotizada como sinônimo de amadurecimento”.

“O fato de estar arrumada como uma mulher não significa que seu psiquismo esteja bem preparado”, segundo a psicóloga Vera Zimmermann, do Centro de Referência da Infância e Adolescência da Unifesp.

Millie Bobby Brown - Getty Images - Getty Images
Millie Bobby Brown aos 12 anos
Imagem: Getty Images
O que provoca a sexualização precoce?

As especialistas destacam algumas razões bastante sérias que contribuem para uma realidade como essa, a começar pelo casamento infantil, no caso daquelas em situação de maior vulnerabilidade social. Um levantamento recente do Banco Mundial revelou que o Brasil é o quarto país do mundo no ranking dos que apresentam os maiores números de casamento de meninas com menos de 18 anos.

“Ele é um sinal importante da sexualização precoce, principalmente, porque se dá entre jovens e homens mais velhos”, explica Déborah. “Muitas entendem que só vão conquistar um papel socialmente relevante depois de se tornarem esposas e mães. Isso é uma ilusão alimentada pelo estímulo ao namoro cada vez mais cedo.”

A cultura da “pedofilização”

Na TV, música, campanhas publicitárias, revistas e moda, a disponibilização de corpos infantis e jovens reforça a ideia equivocada de que a importância da menina se dá a partir do momento em que ela é desejada. A garota Millie, por exemplo, teve seu nome citado pela revista "W" entre aqueles que deixaram a “TV mais sexy” em 2016. Uma busca rápida no Google traz dezenas de resultados que relacionam o termo sexy a outras artistas-mirins.

“Há um investimento cultural e social para que o corpo jovem feminino seja erotizado para a apreciação do olhar adulto, especialmente o masculino. Isso eu chamo de ‘pedofilização’, que estimula a naturalização da cultura do assédio. De maneira contraditória, vai contra qualquer lei criada para proteger a infância e adolescência”, acrescenta Jane Felipe.

Não à toa, a pornografia entra na lista de agravantes. Segundo pesquisa do site pornô PronMD, “novinha” e “teen” (adolescente) estão entre as dez palavras mais buscadas pelos usuários brasileiros. Isso se tornou ainda mais evidente quando a campanha #MeuPrimeiroAssedio começou a ganhou as redes sociais e escancarou uma série de relatos de mulheres que enfrentaram a violência sexual na infância.

“Enquanto os meninos carregam desde muito cedo no corpo o valor da força física, as meninas carregam o da sedução”, lamenta Vera. “Isso causa um prejuízo emocional bastante grande a elas.”

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Elas sofrem as consequências

Um estudo de 2007 da Associação Americana de Psicologia constatou um sério dano cognitivo e emocional às meninas que passam por esse tipo de situação. Segundo a pesquisa, elas enfrentam um processo de comparação, que atua na perda de autoconfiança e desconforto com o próprio corpo. “Isso pode gerar distúrbio de autoimagem, transtorno alimentar e até depressão”, destaca Déborah.

Entre as consequências negativas, entram ainda problemas com a descoberta da própria sexualidade e incapacidade de desenvolver habilidades motoras e intelectuais, que podem impactar nas escolhas profissionais.

Por isso, é unânime entre as especialistas a importância da educação familiar e escolar no que diz respeito a quebrar modelos e estereótipos de beleza e valorizar um crescimento natural. “Crescer devagar é crescer forte. Quem cresce de uma só vez, cresce frágil”, alerta Déborah.

Os meninos também são impactados

Tratar a sexualidade precoce como uma questão exclusivamente feminina é ingênuo. Basta reparar no surgimento de funkeiros mirins e suas letras cada vez mais erotizadas. “Desde cedo, os meninos são estimulados a iniciar a vida sexual, assim como enxergar a mulher como objeto”, diz a pesquisadora. “Esse modelo de educação está produzindo homens violentos em série.”

As estatísticas comprovam. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registra ao menos um caso de estupro a cada 11 minutos. Um levantamento do Ipea mostrou que 70% das vítimas de violência sexual são crianças e adolescentes. E o país é o quinto que mais mata mulher no mundo.

A compreensão do consentimento prejudica ainda mais essa realidade, pontua Jane. “Eles não são ensinados a respeitar nem os corpos femininos, nem o limite das meninas.” Isso propaga uma ideia de masculinidade tóxica. “E aí, quando eles ouvem um ‘não’, se sentem frustrados e adotam um comportamento agressivo.”