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Tem gente dividindo as contas sem morar junto. Entenda o cohousing

Integrantes do coliving CasaDaGente. Eles compartilham o vegetarianismo e a meditação, moram em uma casa espaçosa e desfrutam de coworking e horta - Arquivo pessoal
Integrantes do coliving CasaDaGente. Eles compartilham o vegetarianismo e a meditação, moram em uma casa espaçosa e desfrutam de coworking e horta Imagem: Arquivo pessoal

Silvana Maria Rosso

Colaboração com o UOL

22/11/2017 04h00

Imagine chegar em casa depois do trabalho e contar com vizinhos que são amigos e pensam como você. Bater um papo no jardim, cozinhar, tomar um vinho, fazer um programa juntos e ainda dividir as contas da moradia. Tudo em comum acordo! 

Pois esse novo jeito de morar, que já era uma realidade fora do Brasil, chegou por aqui e para ficar: são as comunidades afetivas e sustentáveis. 

Consolidadas na Europa e nos Estados Unidos há muitos anos, essas moradias baseiam-se na qualidade da relação social e na economia colaborativa, tendo como principal ferramenta o diálogo.

Coliving ou Cohousing?

Ainda se faz muita confusão sobre o que é o quê. O coliving (ou, co-viver) trata-se do modelo em que uma casa ou um apartamento é compartilhado. Nesta tipologia, cada morador ou núcleo tem a sua área privativa.

Já no cohousing, cada um tem a sua própria residência, podendo ser constituído por meio da construção de uma vila em um terreno, ou do retrofit de um prédio em desuso, ou até da ressignificação de um quarteirão. Difere-se da ecovila por estar inserido em área urbana e perirubana. Por ser complexo, o processo de formação chega a durar em torno de três anos.

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Nas duas categorias, as pessoas partilham dos mesmos valores e dos espaços comuns, como áreas de convívio, de preparo e armazenamento de alimentos, lavanderia e jardim. Também podem usufruir dos mesmos equipamentos e veículos, e realizar coletivamente as compras da casa e as refeições ou contratar serviços.

Cohousing - Reprodução - Reprodução
Coliving em Bali, Indonésia, criado pelo escritório Alex Dornier
Imagem: Reprodução

Afeto é que importa

Mas nas comunidades intencionais, "não são as paredes e as áreas de uso comum que importam. E, sim, recuperar a dimensão afetiva vinculada ao habitat", alerta a arquiteta e urbanista Lilian Avivia Lubochinski da consultoria de cohousing Co-Lares Brasil.

"O diferencial das moradias coletivas é a abordagem da convivência, viver com os outros para estabelecer trocas", destaca a artista plástica Mari Pini, idealizadora do coliving Casa Tucuna, em São Paulo.

Claro que os benefícios econômicos também contam. "O custo de vida para se manter uma casa é muito alto, requer cuidados e gera desperdício, gastos públicos e de manutenção", diz Mari.

Outra vantagem que impacta é "a otimização das tarefas e do tempo de cada um", ressalta o empresário Winston Petty, um dos fundadores do coliving CasaDaGente, na capital paulista.

"E, obviamente, é muito mais sustentável, em termos de uso e de consumo de recursos", completa a publicitária Veronique Forat, uma das criadoras do site morar.com.vc, que aproxima pessoas interessadas em viver coletivamente.

Nova ocupação da cidade

Por outro lado, os novos modelos de moradia são "uma solução para imóveis considerados 'elefantes brancos' em cidades como São Paulo, em que bairros estão sendo esvaziados por causa dos altos custos de aluguel, impostos e de manutenção para uma família tradicional arcar", alega a arquiteta e urbanista Mari Brasil, do CasaDaGente.

Ocupar coletivamente imóveis que estão sendo 'abandonados' por conta do porte e do perfil viabiliza o desejo de pessoas estabelecidas financeiramente em morar em locais mais espaçosos, proporcionando a comodidade não encontrada nos empreendimentos atuais.

A ocupação também gera movimento aos lugares, "levando maior sentimento de segurança e pertencimento aos moradores", enfatiza Mari.

Dicas para cocriar uma moradia compartilhada

A escolha mais acertada do modelo a ser adotado e do local onde o grupo irá se instalar depende de suas finalidades e um facilitador pode ajudar no processo. A intervenção de um consultor técnico ou de um profissional especializado no assunto reduz o tempo de formação e evita desgastes de relacionamento e perdas financeiras.

Coliving - Reprodução - Reprodução
Duwamish Cohousing, em West Seattle, nos Estados Unidos
Imagem: Reprodução

1. A comunidade

  • O primeiro passo é reunir pessoas que compartilham dos mesmos princípios e que tenham necessidades semelhantes como, por exemplo, o desejo por uma vida mais saudável, ou o gosto pela de música; não há regras para a tipologia de integrantes, vale um grupo multigeracional, jovens, terceira idade, casais, famílias com filhos entre outros.
  • Formado o grupo, é hora de decidir como se estruturará a comunidade e como será a governança do mesmo. Esta é a parte mais importante do processo. É aqui que são estabelecidos acordos, definidos processos e modelos
  • É imprescindível que não haja hierarquia e a tomada de decisões seja feita por consenso; todos devem se sentir confortáveis com as resoluções e se necessário entra a figura do facilitador

2. O espaço

Coliving

  • No caso de imóvel alugado, antes de fechar o negócio, identifique as melhorias necessárias para adaptá-lo à vida colaborativa
  • Espaços de convívio como um bom living, um refeitório espaçoso, uma cozinha bem equipada, lavanderia e lixeiras recicláveis e orgânicas são fundamentais
  • Área de coworking e um jardim para o cultivo de horta são bem-vindos
  • Na área comum, tudo deve ser pensado para ser 100% compartilhado, nada é de ninguém, tudo é de todos; se alguém ceder algum pertence à comunidade, é recomendável que seja realizado pagamento ao mesmo para evitar problemas futuros com quebra ou manutenção
  • É ideal que os ambientes privativos sejam reservados e preservem a autonomia do morador; prefira imóveis que apresentem cômodos com a mesma configuração e tamanho para facilitar a divisão financeira entre os integrantes; é desejável que participante ou núcleo tenha o seu próprio banheiro
  • O que está dentro da área íntima fica por conta do morador; mas um bom armário e escrivaninha agregam valor

Cohousing

  • O empreendimento pode ser financiado pelo grupo, por um investidor ou uma incorporadora
  • A elaboração do projeto de arquitetura é participativa e depende da definição das necessidades e desejos dos futuros moradores; todos emitem suas opiniões
  • Escolha um processo construtivo inteligente, que privilegie a agilidade, a economia da obra e a sustentabilidade
  • A etapa da obra deve ser acompanhada pelos futuros moradores e a prestação de contas, transparente, ficando os gastos disponíveis em canal aberto para todos

3. Moradia legal

  • Para evitar as perdas e o desmonte do grupo, é relevante um acordo que ganhe dimensão de contrato e proteja o projeto com a saída de algum integrante
  • Aconselha-se ter um estatuto cocriado pelos participantes onde sejam informados a forma de funcionamento, como será realizada a comunicação, quem é responsável pelo que, sobre a regras de limpeza e cuidados com higiene, coleta do lixo, informações sobre colaboradores de limpeza, jardinagem ou cozinha, alertas sobre ruídos, música e que incentive respeito mútuo

Coliving

  • Se for um imóvel alugado é necessária a cláusula de sublocação no contrato, para regularizar a situação do coliving
  • É recomendável que o contrato seja em nome de mais de duas pessoas de modo que a responsabilidade seja compartilhada
  • Inclua em contrato as melhorias a serem feitas na propriedade, ou negocie por e-mail de modo que tenha documentado o acordo com o proprietário
  • Consulte um especialista para a melhor formalização de contrato

Cohousing

  • Crie uma entidade legal para que o grupo possa assinar contratos, garantindo o compromisso e o investimento dos membros
  • Consulte um especialista para a escolher a estrutura ideal de propriedade
  • Contrate um arquiteto para desenvolver, assinar o projeto e cuidar de todas aprovações de zoneamento e construção

FONTES: Lilian Avivia Lubochinski, arquiteta e urbanista, consultora de cohousing da Co-Lares Brasil; Mari Brasil, arquiteta e urbanista, e Winston Petty, empresário, ambos fundadores do coliving CasaDaGente; Mari Pini, artista plástica idealizadora coliving Casa Tucuna, e Veronique Forat, publicitária, uma das criadoras do site morar.com.vc