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Razões pelas quais pais podem receber na testa o cuspe que mandam pra cima

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Imagem: iStock

Heloísa Noronha

Colaboração com o UOL

23/11/2017 04h00

Bolacha recheada e refrigerante nem pensar, meu filho só vai comer orgânicos! Televisão antes dos três anos de idade, de jeito nenhum. Ah, se eu fosse a mãe dessa criança... Se um dia filho meu fizer birra em shopping, saio andando. Que absurdo dar um tablet nas mãos de uma criança que mal sabe falar! Esses pais de hoje em dia têm preguiça de educar! Minha mãe era louca, eu vou fazer tudo diferente quando tiver um bebê.

Esses são apenas alguns exemplos de uma extensa lista de frases que as pessoas costumam proferir antes de terem um filho. Na maior parte dos casos, depois que se tornam pais, acabam agindo de modo totalmente oposto ao que pretendiam, num efeito claro de uma situação que vulgar, mas acertadamente, ganhou o apelido de "cuspir para cima e cair na testa". E por que isso costuma acontecer, já que antes tinham ideias tão firmes e arraigadas?

Um filho sempre é um ser idealizado

Segundo a psicóloga e psicopedagoga Elizabeth Monteiro, autora do livro "A culpa é da mãe - Reflexões e confissões acerca da maternidade" (Ed. Summus), as expectativas dos pais fazem com que fantasiem a respeito de como a vida dos filhos será. "Eles imaginam desde as profissões que irão ocupar, em geral aquelas que dão mais prestígio e dinheiro, até a personalidade que terão ou as escolhas que farão", afirma. "A maternidade e a paternidade são calcadas em idealizações, mas a própria vida se encarrega de dar um choque de realidade nos pais", diz. Sem contar que planejar ao extremo significa sofrer por antecipação.

Ter bom senso é bem diferente de almejar a perfeição

Não é de todo mal ser armar de teorias antes de ter filhos. É bom saber e o que faz bem e o que faz mal, se informar sobre os possíveis benefícios e malefícios de alimentos, comportamento, atitudes, etc. "Pais que buscam o conhecimento são mais conscientes de suas funções", fala Elizabeth. "No entanto, seguir as regras ao pé da letra é uma furada. A mania de perfeição é algo patológico. Uma mãe que almeja ser perfeita certamente vai sofrer, virar uma chata e transformar a maternidade numa coisa horrorosa. A maternidade se torna complicada quando se quer ser uma mãe perfeita, pois trata-se de uma mulher que exige muito de si, do outro e ainda assim não é feliz, pois vive culpada", completa.

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Quando a rotina aperta, os pais entregam os pontos

É preciso saber medir as coisas, certo? Mas em alguns momentos, você não terá condições de conseguir medir e vai entregar o jogo, sim. Porque em certas horas as crianças aporrinham tanto, e o cansaço é tão grande, que você vai permitir aquilo que tanto temia. Conforme as pessoas vão amadurecendo no papel de pais, se dão conta de que controlar tudo é algo humanamente impossível. "Sempre achei graça nas mães que tinham muitas regras estabelecidas pra si mesmas. Nunca pensei em normas muito rígidas de educação, porque já imaginava que não seria fácil cumpri-las. Quando a Kimi era bebê, logo de cara já colocava a 'Galinha Pintadinha' pra ela se distrair e eu conseguir fazer o almoço", conta Priscilla Matsumoto, 40 anos, mãe de Kimi, 5. "Ela ainda dorme comigo, toma refrigerante, brinca no tablet, come chocolate... Coisas que eu não incentivei, mas que acontecem, né?", admite. A maternidade é, de fato, imprevisível. O melhor a fazer é deixar rolar e ir administrando os problemas à medida que eles forem surgindo. Isso sem contar que, conforme as crianças vão crescendo e ampliando o círculo social, a convivência com os amigos dificilmente os tornará imunes a doces em festas de aniversário, uso de celulares e tablets, etc.

Cada criança é de um jeito

Não é porque a filha da sua amiga come vegetais numa boa e adora brincar no parque que a sua vai sorrir quando encontrar um verdinho no prato ou gostar de diversão ao ar livre. E não é porque você faz de tudo para evitar que o seu filho não aja de um jeito que você não curte que isso dará certo sempre. "Meu marido e eu, por exemplo, não tínhamos a menor paciência com crianças gritalhonas. E aí está o nosso Samuel gritando enquanto falo com você. É algo natural, que foge ao nosso controle", brinca Marina Helena Rodrigues, 32 anos, mãe de Samuel, de 3 anos e meio, e de Rafaela, de 1 ano e 4 meses. Ao idealizar as crianças, os pais se esquecem de algo importante: a personalidade própria. Mesmo em famílias com muitos filhos, uma criança dificilmente será parecida com a outra. Para cada um deles, os pais terão de ser pais diferentes: mais rígidos, permissivos, amorosos, regrados... Porque o que dá certo com um, nem sempre surte o mesmo resultado com outro. "Quando a Nanda nasceu, eu e meu marido até que conseguimos seguir as ideias do que achávamos correto sobre alimentação, hora para televisão, uso de aparelhos eletrônicos, comer chocolate com menos de dois anos, etc. Porém, com o nosso filho mais novo… Acho que o cansaço e a experiência que adquirimos com a primeira, nos certificando de que crianças não são de vidro, nos fazem ser mais flexíveis com esse tipo de coisa. Digo até 'relaxados'. O Vinícius quase saiu do hospital com um tablet na mão, o que recentemente nos levou a uma conversa explicando quando ele poderia usar e brincar", relata Luciana Macini Ferrari, de 38 anos, mãe de Fernanda, 5, e Vinícius, 2.       

Mais cedo ou mais tarde, você acaba imitando seus pais

"Minha mãe tinha o hábito de dizer para mim, quando eu a questionava que todos os meus amigos tinham determinado objeto ou faziam tal coisa, que eu não era 'todo mundo'. Meu rosto ficava quente de tanta raiva com essa frase! E jurei que jamais e em momento nenhum diria isso a um filho meu. E, hoje, adivinha o que eu falo quando sou bombardeada por pedidos e mais pedidos?", conta Clarissa Bravo Marinho Braga, 39 anos, mãe de Bernardo, 9, e Henrique, 5. "Acredito que cada família vai fazendo aquilo que pode, dentro dos valores que determinam ser importantes para elas. Não vivemos num mundo dos sonhos, por que nossos filhos viveriam?", diz.