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Ter amigo gay ou negro não te livra de ser preconceituoso; saiba por quê

Carolina Prado e Simone Cunha

Colaboração para Universa

03/12/2018 04h00

Piadinha maldosa, olhar torto, comentário pejorativo denunciam que o preconceito nosso de cada dia está ali, instalado.

E não adianta justificar com um “não sou racista, tenho até amigo negro”, ou tentar demonstrar que aceita a diversidade alegando que não tem nada contra os gays, pois tem alguém na família “nessas condições”. Para vencer o preconceito é preciso, em primeiro lugar, reconhecê-lo.

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“Infelizmente, ter negros e gays como amigos ou parentes não faz com que o preconceito e a discriminação se dissolvam no ar”, alerta Anhamona de Brito, doutora em Difusão do Conhecimento pela Universidade Federal da Bahia e ativista de Direitos Humanos, que já atuou como Superintendente de Direitos Humanos do Governo da Bahia (SUDH /SJDHDS).

Segundo os especialistas, não é preciso ter amigo ou parente negro ou homossexual para garantir um posicionamento livre de preconceitos dessa ordem. A questão central é justamente enxergar o preconceito como uma violência e coibi-lo, nas mais diversas situações do dia a dia, nos outros e em si mesmo.

Para a escritora Kenia Maria, defensora dos Direitos das Mulheres Negras da ONU Mulheres, no Brasil, o debate sobre o assunto tem sido frequente. “Não se comete violência sem perceber, e racismo é violência. Para resolver o problema, temos de nos responsabilizar pelos nossos atos”, afirma.

O mesmo vale em relação ao público LGBT que, segundo a professora Zilda Marcia Gricoli Ioko, do Departamento de História da USP, ainda é bastante rejeitado, mesmo por aqueles que se dizem próximos. Ela é uma das fundadoras do DIVERSITAS (Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos) e faz pesquisas para um projeto sobre Diversidades de Gênero. Durante seu trabalho, tem observado que, mesmo no ambiente familiar, essa aceitação ainda é superficial.

“Reconhecer alguém da família não representa uma verdadeira transformação, muitas vezes a rejeição se mantém”, afirma.

Cara a cara com o preconceito

O preconceito não é uniforme e homogêneo. Portanto, ele pode se apresentar de muitas formas: algumas mais visíveis e ostensivas e outras, silenciosas. “O cenário percebido na última eleição nos surpreendeu em relação à imagem que tínhamos de nós mesmos. Foi um susto para o Brasil perceber-se mais racista e homofóbico do que imaginávamos, e isso nos convoca para uma reflexão mais profunda”, diz o psicanalista Christian Ingo Lenz Dunker, professor Titular do Instituto de Psicologia da USP.

Ainda assim, Dunker demonstra otimismo, pois considera que as conquistas feitas não serão perdidas. “Acredito que o melhor caminho é humanizar as relações e continuar promovendo o debate, para mostrar que as atitudes de preconceito não estão corretas”, fala. Na prática, embora se assuma como verdadeiro o discurso da cordialidade do brasileiro e de seu acolhimento às diferenças, existem diversas construções discriminatórias permeando as nossas relações sociais. “Os indicadores relativos às violências no Brasil mostram como o preconceito é um importante motor dessas ocorrências”, diz Kenia.

E existe cura para o preconceito? “Sim, mas estamos no processo de pesquisa, por enquanto obtendo apenas tratamento”, fala Dunker. Ele diz que um bom começo é confrontar pontos de vista para gerar reflexão. O psicanalista diz que o próprio conflito de gerações pode ser muito saudável para se avançar nesse sentido: “O choque ocorre com alguém querido – um filho, um neto – e sentir-se questionado moralmente pode ajudar nessa transformação”.  

Tem que rebater, sim!

Para viabilizar a reflexão e o debate, além de posicionar-se, também é essencial reagir diante de um comentário ofensivo e preconceituoso. “É fundamental mostrar que, se o comentário discrimina e machuca, não pode ser considerado brincadeira”, afirma Zilda.

Outras estratégias são elevar o nível cultural dentro da família e das instituições, qualificar os argumentos para defender os pontos de vista que promovam o respeito às diferenças e, claro, ajudar a disseminar informação correta. “Os debates precisam ser mais lúcidos, responsáveis e maduros”, diz Kenia.

Tudo o que não pode ser feito é fingir que o preconceito não existe. “Uma autoanálise franca pode servir para desmascararmos (ao menos na escala individual), o perfil preconceituoso que tentamos esconder. É importante enfrentar e perceber como isso pode estar naturalmente arraigado em nosso comportamento”, sugere Anhamona. Para a defensora, essa onda de estímulo ao preconceito somente irá recuar a partir de uma tomada de consciência sobre os prejuízos que advêm dela. “Preconceito e discriminação promovem um retrocesso, que somente será corrigido por meio do empenho coletivo”, afirma.