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Modelos da terceira idade, ponte entre gerações na Coreia do Sul

Choi Soon-hwa e suas colegas durante uma aula de modelo em Seul - AFP
Choi Soon-hwa e suas colegas durante uma aula de modelo em Seul Imagem: AFP

10/07/2019 08h53

Cinco anos atrás, Choi Soon-hwa trabalhava 20 horas por dia em um hospital. Agora, aos 75 anos, ela desfila nas passarelas, tornando-se um símbolo em uma Coreia do Sul onde os conflitos intergeracionais aumentam.

De cabelo grisalho e porte imponente, Choi Soon-hwa é uma das poucas modelos da terceira idade que causam sensação nas redes sociais e no mundo da moda.

"Acho que este trabalho na minha idade é um milagre", conta à AFP. "É como se fizesse um gol aos 45 do segundo tempo".

Choi é a modelo profissional mais idosa no país. Antes trabalhava como auxiliar de enfermagem em um hospital, e às vezes não tinha nenhum dia de descanso semanal.

"Conseguir almoçar era difícil. O estresse era enorme. Era como se tivesse dentro de mim um vulcão que ameaçava entrar em erupção", acrescenta. Na época, tinha muitas dívidas e seus rendimentos eram destinados a cobri-las.

Em um país onde 45% das pessoas da terceira idade vivem em uma pobreza relativa, Choi decidiu mudar de vida quando viu um anúncio publicitário na televisão sobre modelos de sua idade.

Formou-se no curso e foi contratada pela agência The Show Project.

No hospital - lembra - pintava o cabelo de preto porque os pacientes não queriam que o pessoal "parecesse velho". Não faz mais isso, porque os estilistas locais apreciam os fios grisalhos.

"Algo singular"

"Ela tem algo singular, qualidades diferentes (...) que correspondiam à originalidade que tento alcançar através das minhas roupas", explica Kim Hee-jin, estilista de 32 anos.

"Faço roupas para pessoas de vinte e poucos ou de trinta e poucos anos", conta a estilista, que contratou Choi no ano passado para um desfile durante a Semana de Moda de Seul. A modelo vestia uma jaqueta acolchoada violeta por cima de um vestido justo com uma mensagem obscena em inglês e meia-calça estampada.

No Ocidente as marcas tendem a recorrer a modelos mais representativos da sociedade. Algumas pessoas como Jacky O'Shaughnessy, Jan de Villeneuve ou Maye Musk (a mãe de Elon Musk) vivem um grande sucesso profissional em uma idade avançada.

Antes de chegar aonde está, Choi vivenciou a pobreza. Na Coreia do Sul, as pessoas mais velhas viveram durante o domínio colonial japonês, a guerra da Coreia, a miséria do pós-guerra e a crise financeira asiática de 1997.

Choi Soon-hwa  - AFP - AFP
Imagem: AFP

"Este país era muito pobre quando eu era jovem", lembra Choi. Admirava as roupas usadas pelos órfãos que recebiam doações dos Estados Unidos. Mais tarde, quando seu marido a abandonou, teve que criar seus dois filhos sozinha. "Quando era mãe solteira vesti as mesmas roupas durante 20 anos".

Choi trabalha para uma indústria da moda que fatura cerca de 36,6 bilhões de dólares na Coreia do Sul.

Os sul-coreanos de mais de 60 anos gastam em média 32,5 dólares por mês com roupas e sapatos, mas os jovens de entre 20 e 30 gastam três vezes mais.

"Inseto aposentado"

Choi e outras modelos de sua idade conseguiram seduzir a juventude, estabelecendo um vínculo entre gerações que têm cada vez menos em comum, tanto política como socialmente.

O modelo Kim Chil-doo tem 75.000 seguidores no Instagram. "Você é o Sean Connery sul-coreano", escreveu-lhe um fã. "Quando for velho, quero ser tão descolado quando você".

Park Mak-rye, de 72 anos, causa sensação no YouTube com mais de 400.000 admiradores. Publica vídeos sobre suas viagens e dá conselhos de maquiagem.

Um êxito surpreendente em um país onde avança a fobia "antivelhos". A Coreia do Sul possui uma das taxas de natalidade mais baixas do mundo e vive uma crise demográfica.

São usados termos pejorativos para designar os idosos, como "teulttakchung", que significa "inseto de dentadura postiça" ou "yeongeumchung", ou seja, "inseto aposentado".

Segundo um estudo da Comissão de Direitos Humanos sul-coreana, mais da metade das pessoas de entre 19 e 39 anos teme que as medidas de estímulo ao emprego para idades avançadas reduzam as oportunidades para os jovens.

Michael Hurt, sociólogo da Universidade de Seul, afirma que para a maioria das pessoas de certa idade a ideia de ter uma carreira de modelo "é algo impensável". "Sequer estão cientes de que é possível ser glamouroso, abrir uma conta nas redes sociais e fotografar sua vida".