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Paola Machado

"Comedor" cuidadoso ou inconsciente: saiba seu perfil ao se alimentar

Paola Machado

03/10/2019 04h00

Crédito: iStock

Todos nós temos uma voz interior que muitas vezes nos orienta ou nos deixa na dúvida sobre alguma atitude a tomar, inclusive na hora de se alimentar. Para muitos, isso é intuição, autoconhecimento ou "olhar interno". O nome não importa. O que de fato é unânime para desenvolver esta percepção é uma sintonia com a comida e também com o seu corpo para que consiga identificar as suas reais necessidades.

Se você quer aprimorar esta habilidade, o primeiro passo é despir-se de qualquer tipo de preconceito ou de julgamento, além de desconstruir os arquétipos ou os preconceitos. Comece do zero.

Este assunto é um grande desafio e vem ganhando cada vez mais espaço nas mídias, congressos, textos científicos e redes sociais. Estou falando do Comer Intuitivo, termo validado em 1995, caracterizado pela escuta intrínseca do seu corpo, considerando que ele 'sabe' a quantidade e o tipo de alimento a ser consumido para manter a saúde nutricional e um peso adequado. Este conceito, às vezes, é chamado de sabedoria corporal.

São três os pilares que sustentam este princípio: permissão incondicional para comer, comer para atender as necessidades fisiológicas e não emocionais e apoiar-se nos sinais de fome e saciedade, para saber quando e como comer. Veja abaixo:

  1. Permissão incondicional para comer: podemos resumir este pilar partindo do princípio de que o ato de comer é uma necessidade que deve ser respeitada e cumprida, além de ser feita sem julgamentos, sentimento de culpa ou pensamentos dicotômicos, classificando os alimentos em permitidos e proibidos, saudáveis e prejudiciais, bons ou ruins, entre tantas outras "categorias".
  2. Comer para atender as necessidades fisiológicas: os alimentos devem suprir as nossas necessidades orgânicas, mas não as afetivas ou emocionais. Ou seja, não devemos nos deixar levar pelo impulso de uma sensação de raiva, ansiedade, alegria ou qualquer outro sentimento. Isto não quer dizer que não devamos aproveitar o momento das refeições, transformando-o em um período agradável e que nos traga boas memórias. Só não podemos nos deixar levar pelo descontrole alimentar, que muitas vezes tem como gatilho algum tipo de sentimento.
  3. Percepção do que é fome e saciedade: saber diferenciar estas duas sensações é fator determinante para ganhar autonomia e comer de forma consciente. A fome pode ser física, que traduz uma necessidade real e orgânica ou ainda a fome emocional, que tem como característica o comer mediado pela emoção. A saciedade é a sensação de plenitude induzida pelo tipo de alimento que comemos, tamanho das porções e pela efetividade com que mastigamos.

Que comedor você é?

Vários são os tipos de comedores que podemos ter, você sabe em qual se enquadra? Observe as classificações a seguir, lembrando que estamos falando de características, sem rotular em certo ou errado, apenas padrões de comportamentos que devemos identificar para buscar a melhoria contínua em nossas atitudes.

COMEDOR CUIDADOSO Sabe bastante sobre os conceitos de nutrição, monitora as quantidades e os tipos de alimentos, normalmente fazendo restrições e apresentando comportamento dicotômico com relação aos alimentos. Muito questionador, por vezes pode apresentar atitudes extremas sem necessidade.

PROFISSIONAL DA DIETA Já fez e conhece todas as dietas, seguiu todas as fórmulas "mágicas" e sempre tenta uma novidade ou algo que acabou de chegar para entar em forma. Mantém-se envolvido o tempo todo, sendo muitas vezes "escravizado" pela mentalidade dietética e acaba "cumprindo" a dieta e os exercícios por obrigação, não por prazer. Apresenta grande chance de desenvolver transtornos alimentares.

COMEDOR INCONSCIENTE Age por impulso, comendo por fome, por vontade ou muitas vezes sem saber. Tem um hábito beliscador e quase sempre ultrapassa os limites e se frustra profundamente. Dificilmente tem controle em eventos sociais ou festas.

COMEDOR INTUITIVO Sabe identificar os seus sinais internos, mantendo-se inalterado por estímulos externos ou interferências do meio ambiente. É bastante preparado, consciente e determinado a seguir as suas reais necessidades. Para pertencer a este grupo é necessário disponibilidade, motivação, determinação, treino, preparo e auto acolhimento.

Se você é uma pessoa que não tem regularidade ao se alimentar, come por impulso, fica irritado ou faz pré-julgamentos quando come algo que considera proibido, restringe os alimentos e por vezes come sozinho, sugiro que procure ajuda, pois talvez tenha o que chamamos de comer disfuncional. Mas saiba que comer acompanhado pode ser uma distração perigosa: uma citação feita por Wansisk (2001) considera que ao comermos acompanhado de uma pessoa o nosso consumo pode aumentar em média 35%, já se estivermos com 3 ou mais pessoas este aumento pode chegar em 75% e, acredite, ao fazermos refeições com 7 pessoas ou mais podemos aumentar em 96% o nosso volume de alimentos. Mas, calma, isto não quer dizer que a partir de agora você deve se retirar do mundo para fazer as refeições. Mas, sabendo desta condição, deverá ficar atento, buscando sempre o equilíbrio e as boas escolhas.

Como se tornar um comedor intuitivo 

Muitos estudos comprovam que comer de forma intuitiva traz inúmeros benefícios à saúde, como emagrecimento, redução de riscos cardiovasculares, melhora digestiva entre outros. Para começar a sentir os benefícios desta intenção, sugiro que conheça alguns dos princípios do comer intuitivo:

REJEITE A MENTALIDADE DIETÉTICA

Jogue fora os livros de dieta e artigos de revistas que oferecem falsas esperanças de perder peso de maneira rápida, fácil e permanente. Acredite: milagres não existem, muito menos fórmulas mágicas.

Aprenda que os insucessos recorrentes ao praticar estas dietas malucas não estão relacionados a uma incapacidade sua, e, sim, do método.

HONRE A FOME

Mantenha seu corpo alimentado biologicamente com energia e alimentos que te farão bem, evitando processados e ultraprocessados. Tenha disciplina e rotina alimentar para que não sinta fome excessiva. Aprenda a honrar o primeiro sinal biológico da fome e saiba preparar o terreno para restabelecer a confiança em você e na comida

DESAFIE A POLICIAL ALIMENTAR

Grite um "NÃO" alto com pensamentos em sua cabeça que declaram que você é "bom" por comer calorias mínimas ou "ruim" porque comeu um pedaço de bolo de chocolate. A Polícia Alimentar monitora as regras irracionais que a dieta criou. A delegacia fica no fundo da sua psique, e seu alto-falante grita palavras negativas, desencorajadoras, frases desesperadas e muita culpa. Corra destes modismos e caminhe em direção à Alimentação Intuitiva

DESCUBRA O FATOR SATISFAÇÃO

Todos temos um cérebro "metabólico" e um "cognitivo", este último gosta de comer, procura e anseia pelo alimento verdadeiramente desejado. Quando você come o que realmente deseja, em um ambiente convidativo e propício, o prazer que obtém será uma força poderosa para ajudá-lo a se sentir satisfeito e contente. Ao fornecer essa experiência, você descobrirá que é preciso muito menos comida para decidir que já teve "o suficiente".

LIDE COM EMOÇÕES SEM USAR A COMIDA

Busque caminhos que te confortem e que solucionem os seus problemas sem que estejam associados a alimentos. Sentimentos de ansiedade, solidão, tédio, raiva, desgosto são emoções que todos experimentamos ao longo da vida e que não serão solucionados por alimentos portanto, busque solução em outras estratégias e atitudes, pois certamente não se sentirá melhor se comer de forma descontrolada por impulso ou fome emocional.

PRATIQUE A NUTRIÇÃO GENTIL

Seja amoroso com você, compreendendo que é passível de equívocos e que pode sempre aprender e recomeçar buscando fazer o seu melhor para trilhar uma rajetória positiva e promissora com o alimento. Acolha-se!

*Colaboração da nutricionista comportamental e clínica na clínica 12 semanas Dra. Samantha Rhein (UNIFESP).

Referências:
–  M, Figueiredo. M, Timerman. F, Antonaccio. C. Nutrição Comportamental. Ed Manole, 2016.
– D, Damiani.D. Sinalização cerebral do apetite. Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2011 mar-abr; 9(2): 138-45.
– RD; Centis.E, Marzocchi.R; Ghoch. Mel, Marchesini.G. Major factors for facilitating change in behavioral strategies to reduce obesity. Psychology Research and Behaviour Management 2013: 6 101 – 110.
– Janet M. Warren, Nicola Smith and Margaret Ashwell. A structured literature review on the role of mindfulness, mindful eating and intuitive eating in changing eating behaviours: effectiveness and associated potential mechanisms. Nutrition Research Reviews (2017), 30, 272–283.
– N Van Dyke and EJ Drinkwater. Intuitive eating and health indicators. Public Health Nutrition: 17(8), 1757–1766.
– https://www.intuitiveeating.org

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.