Topo

Elas viram assédio e constrangimento em táxi e oferecem serviço pra garotas

Priscila Almeida, 36, faz transporte de ida e volta para mulheres em baladas e eventos. "Elas se sentem mais confortáveis" - Fernando Moraes/UOL
Priscila Almeida, 36, faz transporte de ida e volta para mulheres em baladas e eventos. "Elas se sentem mais confortáveis" Imagem: Fernando Moraes/UOL

Natália Eiras

Do UOL

24/01/2017 04h03

Motorista há seis meses, Adriana Lima, 41, tinha cinco anos quando um taxista mostrou as partes íntimas para ela enquanto a mãe ia em casa pegar um guarda-chuva. “Isto ficou gravado na minha cabeça, porque fiquei com muito medo”, conta a motorista particular em entrevista ao UOL. O acontecimento foi decisivo para que ela começasse a oferecer serviço de leva e traz para outras mulheres. “Foi um incentivo porque trabalho com muitas jovens”, diz.

Quando se é uma garota, ir para a balada pode ser uma aventura. E não exatamente apenas no bom sentido. Estar alcoolizada e pegar um táxi com uma pessoa desconhecida é um fator de risco para essas meninas. Pensando nisso, algumas mulheres, que já trabalham com aplicativos como Uber e Cabify, estão distribuindo seus cartões de visitas para passageiras para que elas solicitem seus serviços quando quiserem se sentir mais seguras.

Formada em Direito, Priscila Almeida, 36, trabalha como motorista há quatro meses. Dois deles, ela também oferece o serviço de “leva e traz” para a balada. “A ideia surgiu após eu conversar com uma passageira, que estava aliviada por estar sendo transportada por uma mulher porque já tinha passado pela situação de um motorista homem ficar olhando para ela pelo retrovisor”, explica.

Assim como um serviço de chofer, as clientes mandam mensagem para Adriana e Priscila e marcam horário e local onde serão buscadas. “Eu deixo elas no bar e a gente fecha uma estimativa do horário que elas querem me encontrar. Mas sempre podemos adiantar ou adiar a busca, mas peço para elas me avisarem 40 minutos antes, porque costumo ficar pegando corridas enquanto elas estão na balada”, explica Almeida, que trabalha todas as madrugadas de sexta-feira e sábado. Para fazer uma estimativa do preço do trajeto, o aplicativo Uber costuma ser usado. “Se ele estiver com preço dinâmico, jogo no Google”, complementa a motorista.

Como surgiu a ideia

Tanto Priscila como Adriana perceberam que havia um nicho de mercado quando as próprias passageiras perguntaram se elas faziam serviço particular. Porém, nem mesmo estando na frente do volante evita que as próprias motoristas recebam cantadas dos homens que usam seus serviços pelo Uber ou Cabify. “Eles chamam para sair, perguntam o meu telefone”, diz Priscila, conhecida como a Loira do Carro branco pelos colegas de volante. “Nunca aconteceu nada mais problemático, mas já tive que dar uma cortada mais clara”.

Por isso, o serviço exclusivo para as mulheres também é uma forma das próprias motoristas se sentirem mais seguras. “Porque tanto elas se sentiam mais à vontade, como eu também. Tinha mais papo, era mais leve. Era agradável para mim e para elas”, afirma Adriana. “Já ouvi tantos relatos de meninas que foram abusadas no táxi e até mesmo no Uber. Isto é uma falta de respeito com as mulheres”.

A professora Eliane Tavares, 43, já solicitou os serviços de Priscila Almeida quando foi a um show e percebeu que era como estar no carro com uma amiga. “Não tem assédio nenhum. Pelo contrário, eu me sinto à vontade de conversar sobre tudo. Com o homem não pode ficar conversando, falando”, opina a cliente.

Feminismo?

Apesar de oferecerem um trabalho muito aplaudido pela militância, ambas as profissionais não se consideram 100% feministas, mas concordam com uma parte do discurso delas. “Ainda vejo muita coisa à moda antiga”, diz Priscila. “Mas falo que sou pelo menos uns 70%, porque acho que as mulheres têm que ter os mesmos direitos que os homens, temos capacidade para exercermos as mesmas funções. Ainda ouço muita piada por ser mulher e dirigir, mas acho que é uma resposta dos homens por eles ainda não gostarem de ver a gente fazendo as mesmas coisas que eles. Eles estão, no entanto, se acostumando com isso”, fala a loira.

Levando em conta que as meninas costumam usar roupas mais reveladoras para ir à balada, Adriana Lima vai além. “Mulher pode vestir a roupa que quiser. Pode usar decote, short curto e o homem não pode fazer absolutamente nada. Ela pode estar até pelada e ele não pode tocar nela se não for consentido”, diz a motorista, que conta que está aprendendo muita coisa com a filha de 19 anos.

Além do trabalho, Adriana e Priscila têm outra em comum: a paixão pela direção e a vontade de quebrar padrões. “Quem disse que mulher não tem força? A mulher tem força para muitas coisas, muito mais do que um homem. A mulher consegue parir, o homem não”, fala Lima.