Topo

Paola Machado

Por que é tão fácil engordar e tão difícil emagrecer?

Paola Machado

19/08/2019 04h00

Crédito: iStock

Como é cruel. Basta descuidar da alimentação por um ou dois meses e ganhamos o peso que demoramos um ano –ou até mais — para perder. Mas por que isso acontece?
Gerenciar o peso corporal é orquestrar uma complexa rede, que é nosso corpo. Por muitos anos nosso tecido adiposo — gordura corporal — foi considerado somente um reservatório de energia e responsável pela regulação térmica. Atualmente sabemos que ele é um órgão endócrino, capaz de secretar as chamadas adipocinas — que são hormônios que influenciam no nosso metabolismo.
Por isso que, quando se trata de gordura corporal e regulação do balanço energético do corpo, entramos em um emaranhado de questões.

Por que ganhamos peso?

Existem diversos mecanismos associados ao aumento de peso, sendo que algumas pessoas têm uma facilidade maior de ganhar peso que outras. Isso porque existe influência genética e ambiental. Quando falamos em engordar logo pensamos em balanço energético.
Eu digo sempre que somos um grande caixa e temos que fechar esse caixa diariamente. Nosso corpo tem uma necessidade basal, que é responsável para suprir nossas necessidades energéticas, e precisamos de um mínimo para sobreviver — é claro que quando o nutricionista elabora um plano alimentar de acordo com suas necessidades, esse cálculo é bem mais complexo. A TMB (taxa metabólica basal) tem como unidade de medida calorias por dia; ficando claro que temos que fechar esse caixa diariamente, não entre dias. Por isso, temos que entender que a balança consumo e gasto é diária, sendo que essas compensações e equilíbrios têm que acontecer dentro de um dia, não entre dias —como muitos fazem de querer comer tudo no final de semana e compensar na segunda.
Nosso organismo trabalha da mesma forma, independentemente se é segunda ou domingo. Ele não tem final de semana, feriados e muito menos tira férias, por isso que para ganhar peso é tão fácil, pois não precisamos de muito esforço para que isso aconteça, ou seja, é só comer mais e não fazer nada para gastar calorias que você engorda.
Além disso, temos fatores fisiológicos para que isso aconteça. 
Quando estamos no peso ideal, nosso corpo funciona de maneira harmonioza com relação aos hormônios que controlam o balanço energético (como a leptina e grelina), como toda ação nos nossos órgãos. Porém, é muito fácil desregular tudo isso e o ponto inicial para que tudo isso aconteça é desestabilizar nosso balanço.
Quando nos alimentamos, ocorre um aumento da glicose (açúcar) na corrente sanguínea e o corpo usa a insulina para estocar a glicose na forma de glicogênio nos hepatócitos fígado) e miócitos (músculos) –para que esse glicogênio seja usado no intervalo entre uma refeição e outra.
Após os depósitos hepático e muscular de glicose terem sido preenchidos, toda a glicose remanescente no sangue que não pode ser usada de forma imediata é armazenada como gordura corporal. 
Uma vez que esse crescimento dos adipócitos (células de gordura) se torna patológico, o seu metabolismo começa a agir de forma desordenada, fazendo que macrófagos se infiltrem nesse tecido, ocorra inflamação no hipotálamo (que não entende mais os sinais de saciedade), ocorra uma liberação de fatores relacionados à inflamação, aumento de colesterol, resistência à ação da insulina e resistência à leptina –responsável pela saciedade — e aí começa o grande processo patológico do excesso de gordura corporal.
Além do mais, o ganho de peso sempre está envolvido no "já que avacalhei no almoço, meu dia está perdido". Eu falo que quando entendemos que nosso organismo funciona por dia, e não entre dias, começamos a avaliar e ponderar mais nas nossas escolhas dentro de um mesmo dia.
Como disse no início do texto, tem pessoas com maior probabilidade de ganhar peso por conta de genética, alterações metabólicas/hormonais e patologias que favorecem que isso aconteça, se não foi por nada disso, ressalto que ganhar peso é fácil, pois o mau hábito é muito mais fácil de ser incluído do que um bom hábito.
Gatilhos de estresse — com aumento da produção de cortisol, desregulando todo o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, aumento do apetite e imunossupressão —, aumento do consumo de alimentos calóricos, sedentarismos; são maus hábitos muito fáceis de incluir em nossas vidas e virar regra. Diferentemente de controlar o estresse, comer bem e se movimentar, que muitos vêem  como uma grande chatice. 

Então por que é tão difícil emagrecer?

Quando queremos emagrecer achamos que podemos fazer isso em um dia, por isso procuramos meios fáceis para que isso aconteça e essa não é a melhor das estratégias. Quando estamos com um excesso de gordura corporal temos que entender o que está acontecendo e o que deve ser feito para reduzir essa quantidade de gordura.
Não adianta, temos que nos movimentar e nos alimentar melhor para reduzir o percentual de gordura corporal. Mas isso não acontece de um dia para o outro e é necessário ter muita motivação para começar e estabelecer bons hábitos.
O que as pessoas têm que entender é que emagrecer não é para um momento, é para vida. O reganho é prejudicial para saúde e pode aumentar de 1% a 2% de adipócitos que antes não existiam. 
Sabe-se que a gordura produz e secreta uma proteína com função importante para a termogênese chamada irisina. A irisina é uma grande conexão dos músculos e tecdo adiposo. Isto se deve ao fato de que a sua secreção abundante no músculo promove um diálogo entre ele e o tecido adiposo, aumentando a termogênese. Isso aumenta nosso discurso do quão é importante se movimentar.
As vezes só focamos na gordura e começamos a remar contra a maré — porque nos incomodamos com o que vemos. Quando começamos a focar na nossa musculatura, de fato começamos a melhorar todos os parâmetros, aumentamos e melhoramos a qualidade das fibras musculares, aceleramos nosso metabolismo e, por fim, auxiliamos no processo de redução de composição corporal de gordura.
Por que é difícil emagrecer? Porque não somos um grande padrão. Porque precisamos construir um bom hábito. Porque quando construímos maus hábitos desregulamos todo nosso metabolismo. Você já parou para pensar como é fácil bagunçar a casa e como é difícil organizar? Bagunçamos a casa em um minuto e precisamos de dias para reorganizá-la. É essa grande loucura que fazemos com nosso corpo quando tomamos algumas decisões. E quanto mais tempo demoramos para organizar a casa, mais bagunçada ela fica.
Referências:
– Dâmaso A R. Obesidade, 2 ed. Editora Guanabara Koogan, 2009.
– Dâmaso A R. Nutrição e Exercício Físico na Prevenção de Doenças. 2 ed. Editora Guanabara Koogan, 2011.
– Prentice, A.M.; et al. Physiological Responses to Slimming. Volume 50, Issue 2 August 1991 , pp. 441-458.
– Dokken, B.B.; et al. The Physiology of Body Weight Regulation: Are We Too Efficient for Our Own Good? Diabetes Spectrum 2007 Jul; 20(3): 166-170.
– Delahanty LM, Pan Q, Jablonski KA, Aroda VR, Watson KE, Bray GA, Kahn SE, Florez JC, Perreault L, Franks PW; Effects of weight loss, weight cycling, and weight loss maintenance on diabetes incidence and change in cardiometabolic traits in the Diabetes Prevention Program. Diabetes Care. 2014 Oct;37(10):2738-45. doi: 10.2337/dc14-0018. Epub 2014 Jul 14.
– Friedman MA1, Schwartz MB, Brownell KD. Differential relation of psychological functioning with the history and experience of weight cycling. J Consult Clin Psychol. 1998 Aug;66 (4):646-50.
– Heini A. Contraindications to weight reduction. Ther Umsch. 2000 Aug;57(8):537-41. Mello, M E, 2011. ABESO http://www.abeso.org.br/pdf/Obesidade%20e%20 gestacao.pdf
– Sørensen TI. Weight loss causes increased mortality: pros. Institute of Medicine (IOM-2009)- http:// iom.edu/~/media/Files/Report%20Files/2009/
– Strohacker K1, McFarlin BK. Influence of obesity, physical inactivity, and weight cycling on chronic inflammation. Front Biosci (Elite Ed). 2010 Jan 1;2:98-104.
– van de Sande-Lee S, Velloso LA. [Hypothalamic dysfunction in obesity. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2012 Aug;56(6):341-50. Review.
– Victoria L. Stevens, Eric J. Jacobs, Juzhong Sun, Alpa V. Patel, Marjorie L. McCullough, Lauren R. Teras, Susan M. Gapstur.Weight Cycling and Mortality in a Large Prospective US Study. American Journal of Epidemiology. 2012;175(8):785-792.
– Birketvedt GS, Florholmen J, Sundsfjord J, Osterud B, Dinges D, Bilker W, et al. Behavioral and neuroendocrine characteristics of the night-eating syndrome. JAMA. 1999 Aug 18. 282(7):657-63.
– Hamdy O. The role of adipose tissue as an endocrine gland. Curr Diab Rep. 2005 Oct. 5(5):317-9.
– Harrell CS. Gillespie CF. Neigh GN. Energetic Stress: The reciprocal relationship between energy availability and the stress response. Physiol Behav. 2015 Oct 9 pii: S0031-9384(15)30139-6. doi: 10.1016/j.physbeh.2015.10.009.
– Martinelli CE, Keogh JM, Greenfield JR, Henning E, van der Klaauw AA, Blackwood A, et al. Obesity due to melanocortin 4 receptor (MC4R) deficiency is associated with increased linear growth and final height, fasting hyperinsulinemia, and incompletely suppressed growth hormone secretion. J Clin Endocrinol Metab. 2011 Jan. 96(1):E181-8.
– Shapiro A, Mu W, Roncal C, Cheng KY, Johnson RJ, Scarpace PJ (November 2008). Fructose-induced leptin resistance exacerbates weight gain in response to subsequent high-fat feeding. Am. J. Physiol. Regul. Integr. Comp. Physiol. 295 (5): R12370-75.
– Stachowiak G. Pertynski T. Pertynska-Marczewska M. Metabolic Disorders in Menopause. Prz Menopauzalny. 2015 Mar;14(1):59-64.
– Taheri S, Lin L, Austin D, Young T, Mignot E (Dec 2004). "Short sleep duration is associated with reduced leptin, elevated ghrelin, and increased body mass index". PLoS Medicine 1 (3): e62. doi:10.1371/journal.pmed.0010062

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.