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Idealizado por Amsterdã, bordel gerenciado por prostitutas vira problema

Turistas passeiam por um beco lotado no distrito da Luz Vermelha em Amsterdã - Jasper Juinen/The New York Times
Turistas passeiam por um beco lotado no distrito da Luz Vermelha em Amsterdã Imagem: Jasper Juinen/The New York Times

Imane Rachidi

Da EFE, em Amsterdã

12/01/2019 12h32

Um bordel de Amsterdã gerenciado pelas próprias trabalhadoras sexuais parecia o "projeto ideal" para acabar com os agenciadores, mas 18 meses depois, esse plano mostrou ser "um fracasso e ambicioso demais", explicou neste sábado à Agência Efe a jurista e investigadora holandesa Corinne Dettmeijer.

"As ambições eram grandes demais, a ideia em si também não era muito realista desde o princípio. O município 'abandonou' as trabalhadoras sexuais. É necessário um pouco mais de apoio, de presença, de vigilância. Não digo um controle total público", acrescentou a ex-relatora nacional sobre a Tráfico Humano e Prostituição Forçada.

Em um relatório independente elaborado por Dettmeijer a pedido da Prefeitura de Amsterdã, a jurista classificou este experimento municipal de "uma ideia inviável" e pediu que seus investidores o "salvem" para evitar que a situação resulte em "consequências problemáticas para o resto" do Bairro Vermelho (Red Light District).

A gestão de "um negócio de prostituição segura e financeiramente sólido" só pelas trabalhadoras sexuais parecia "ideal" quando em 2017 a Câmara Municipal aceitou iniciar o primeiro "bordel municipal" do mundo controlado por uma fundação formada por prostitutas, My Red Light, em Amsterdã.

Este projeto consiste em 14 vitrines distribuídas em três edifícios no coração do Bairro Vermelho, adquiridas pela Câmara Municipal para a fundação deste negócio, que durante o último ano e meio foi utilizado majoritariamente por trabalhadoras sexuais búlgaras.

As queixas sobre o progresso do projeto foram persistentes desde o momento de sua implementação porque, como lembrou a investigadora, a Câmara Municipal lançou a bola e deixou o comando com três trabalhadoras sexuais que "não são capazes de conduzir tudo de forma adequada".

Uma vez iniciado, a Câmara Municipal abandonou seu papel de "fundadora e partidária" da ideia e "se afastou bruscamente" da gestão porque esperava que fosse uma "empresa modelo" desde o princípio. "Por isso que também desempenhou um papel no desenvolvimento dos problemas", acrescenta.

A situação financeira do bordel "é insustentável", as vitrines quase não têm clientes durante o dia, houve pelo menos quatro vítimas de tráfico de mulheres que trabalharam no local e vários casos de abusos que não foram denunciados adequadamente à junta diretória, o que se traduziu em uma multa de 25 mil euros.

Se a Junta pagasse esta multa, o negócio seria totalmente arruinado, embora a investigadora indique que o bordel requer de uma intervenção de pessoas que realizaram empréstimos se quiserem evitar um fechamento iminente.

No relatório, Dettmeijer afirmou que os gerentes pensaram que poderiam negociar as estritas regras aplicadas a toda a indústria para não se responsabilizar pelos erros cometidos, enquanto um porta-voz da Câmara Municipal insistiu que devem cumprir as mesmas regras do que o resto.

Em maio, a prefeita de Amsterdã, Femke Halsema - da esquerda verde Groenlinks - pediu esta investigação para decidir se dá uma segunda oportunidade ao My Red Light, muda de localização ou opta por seu fechamento total.

"Quem diz A, também diz B. Este projeto pode seguir adiante, mas com um enfoque mais empresarial, sem pretender que as trabalhadoras sexuais façam tudo. É preciso nomear um novo funcionários para que se encarregue da administração", recomendou Dettmeijer.

Lyle Muns, trabalhador sexual e membro da junta supervisora do My Red Light, considera "positivo" este relatório porque propõe mudanças políticas em relação aos "procedimentos de sinalização em casos de suspeitas de tráfico humano", mas também evidencia "a importância de que as funcionárias se sentirem bem, que estejam envolvidas no projeto".

Além disso, lembrou à Efe que este projeto enfrentou problemas financeiros desde o primeiro dia porque o Bairro Vermelho "em geral está perdendo clientes", mas assegurou que a prefeita é a favor de fazer as mudanças recomendados pela investigadora.

Os operadores das vitrines de prostituição no resto do distrito não apoiam a ideia de a Câmara Municipal intervir nas contas deste bordel porque consideram uma "concorrência desleal" e criticam a recomendação de não cobrar a multa de 25 mil euros a este negócio porque "é burlar as leis".

"Acredito que o município nunca devia ter começado com isso. Agora o único que posso propor é baixar as expectativas e recorrer a outros apoios estatais ao projeto. Talvez em dois anos nos demos conta de que a minha recomendação também não funciona, mas é preciso tentar", conclui Dettmeijer.