Topo

Paola Machado

Mascar chiclete atrapalha seu emagrecimento?

Paola Machado

15/03/2019 04h00

Crédito: iStock

Um novo paciente chegou no meu consultório mascando chiclete. Ele tem quase 100 kg, masca chiclete o dia todo para controlar sua ansiedade –parou de fumar tem quase 2 anos – e levantou uma questão: "Ok, vou mudar meu estilo de vida, mas posso mascar o chiclete para diminuir minha fome e emagrecer?".

Antes de responder a essa questão tão controversa, vou esclarecer alguns pontos.

O chiclete é uma goma suave e um tanto emborrachada e elástica, que foi projetada para ser mastigada –mas não engolida.

As receitas podem variar entre as marcas, mas todas as gomas de mascar têm os seguintes ingredientes básicos:

  • Goma É a base não digerível e emborrachada usada para o aspecto mastigável. São utilizados compostos petroquímicos, como a borracha de butadieno estireno (SRN), borracha butílica (IIR), cera de parafina ou cera de petróleo. O aspecto elástico dá-se pelo poliacetato de vinila (PVA). Também pode ser utilizado enchimentos como carbonato de cálcio, que são utilizados para dar textura, e amaciadores, usados para reter a umidade e evitar o endurecimento, aqui são incluídos ceras como parafina ou óleos vegetais.
  • Conservantes Estes são adicionados para prolongar a vida de prateleira. A escolha mais popular é um composto orgânico chamado hidroxitolueno butilado (BHT).
  • Edulocrantes São utilizados desde açúcares comuns até adoçantes sintéticos. Os mais populares incluem açúcar de cana, açúcar de beterraba, xarope de glicose e xarope de milho. Gomas sem açúcar utilizam adoçantes como xilitol, sucralose, aspartame, sorbitol.
  • Corantes São utilizados os aprovados e liberados para uso alimentar.
  • Aromatizantes Adicionado para dar um sabor desejado, eles podem ser naturais ou sintéticos.
  • Aditivos Podem utilizar compostos ácidos (ácido cítrico), substâncias induzem à sensação de queimação da pimenta (canela) e formulações que dão estouros na boca.

A maioria dos fabricantes de chicletes mantém suas receitas exatas em segredo, por isso, quando você vai procurar no rótulo o que realmente compõem o produto, se depara com "goma base", que refere-se à combinação específica de goma, resina, preenchimento, amaciantes e conservantes. Todos os ingredientes utilizados no processamento da goma de mascar têm de ser "de qualidade alimentar" e classificados como adequados para consumo humano.

Os ingredientes no chiclete são seguros?

Em geral, a goma de mascar é considerada segura. No entanto, algumas marcas de chicletes contêm pequenas quantidades de ingredientes controversos. Mesmo nesses casos, os valores são geralmente muito menores do que os considerados como causadores de riscos à saúde. Muitas gomas contêm compostos que estão omitidos na formulação da "goma base" que acabamos não sabendo o que de fato está lá.

O hidroxitolueno butilado (BHT), por exemplo, é um antioxidante que é adicionado a muitos alimentos processados como conservante. Isso impede que as gorduras tornem-se rançosas.

Seu uso é controverso, pois alguns estudos em animais demonstraram que altas doses podem causar câncer. No entanto, os resultados são mistos e outros estudos não encontraram esse efeito. No geral, existem poucos estudos em humanos, portanto seus efeitos sobre as pessoas são relativamente desconhecidos. No entanto, em doses baixas de cerca de 0,11 mg por quilo de peso corporal — 0,25 mg por kg –, o BHT é considerado seguro pela FDA e pela EFSA.

Já o dióxido de titânio é um aditivo alimentar comum usado para clarear produtos e dar a eles uma textura suave. Alguns estudos associaram doses muito altas de dióxido de titânio a danos no sistema nervoso em ratos. No entanto, estudos forneceram resultados mistos e seus efeitos em humanos são relativamente desconhecidos.

No momento, a quantidade e o tipo de dióxido de titânio que as pessoas estão expostas nos alimentos são considerados seguros. No entanto, mais pesquisas são necessárias para determinar o limite de consumo seguro.

Um estudo mostrou que a exposição crônica e frequente a esse composto diminui a capacidade de absorção da superfície das células intestinais chamadas microvilosidades. Com menos microvilosidades, a barreira intestinal torna-se enfraquecida, o metabolismo diminui e alguns nutrientes –ferro, zinco e ácidos graxos, especificamente – ficam mais difíceis de absorver.

Vale ressaltar que, mesmo com as controversas, a goma de mascar não tem sido associada a nenhum efeito sério para a saúde, mas os ingredientes adicionados a algumas marcas de goma de mascar são controversos.

O chiclete auxilia na perda de peso?

Temos a visão científica versus a visão clínica. Sempre falo aqui que o que é feito em um ambiente controlado muitas vezes não mostra o descontrole da nossa vida. Então, pesquisa é pesquisa; prática são outros quinhentos.

Diversos estudos mostram os benefícios do chiclete –todos citados nas referências. Um pequeno estudo descobriu que a goma de mascar após o almoço diminuiu a fome e reduziu os lanches no final do dia em cerca de 10%. Também existem algumas evidências de que a goma de mascar pode aumentar sua taxa metabólica. Outros estudos mostram que quando os participantes mascavam chiclete, eles queimavam cerca de 19% a mais de calorias do que quando não mascavam.

No entanto, os resultados gerais são bem controversos. Estudos relataram que a goma de mascar não afeta o apetite nem a ingestão de energia ao longo de um dia. Outro descobriu que pessoas que mascavam chiclete tinham menor probabilidade de comer lanches saudáveis como frutas.

Um estudo da Ohio State University descobriu que uma vez que essas pessoas cospem o chiclete, elas comem tanto quanto as pessoas que não mastigam. Em longo prazo, além de parecer que o chiclete seja uma ferramenta eficaz na perda de peso, pode levar também a deficiências nutricionais.

Nesse estudo as pessoas foram instruídas a mastigar chicletes antes de lanches e refeições por uma semana e anotar tudo o que comeram. Seus diários alimentares revelaram que, comparados a pessoas que não mascavam chicletes, eles comiam menos vezes ao dia, porém as refeições eram maiores e mais calóricas.

A razão pela qual eles comeram alimentos menos saudável pode ser parcialmente explicada por um segundo experimento, no qual as pessoas jogaram um jogo em que as vitórias foram recompensadas com tangerina e uvas e, para outro grupo, batatas fritas e chocolates. Participantes que haviam mastigado chiclete de hortelã ficavam desmotivados para vencer o jogo e comer as frutas. Essa diminuição da motivação, acreditam os pesquisadores, ocorreu porque o mentol na gengiva mexe com as papilas gustativas, fazendo com que frutas e legumes tenham um sabor amargo. Aqueles que mastigaram chicletes mais doces não sentiram essa repulsa às frutas, porém todos os grupos que mascaram chicletes aumentaram a fome.

No entanto, mais pesquisas são necessárias para determinar se a goma de mascar leva a uma diferença no peso da balança em longo prazo.

Agora vamos à visão prática

"Ciclo da frustração gástrica". A imagem ilustra a presença do chiclete na boca. O indivíduo passa pelo processo de mastigação e o processo de produção de saliva pelas glândulas salivares — princípio mediado pelo SNC. Assim ocorre o aumento da produção de suco gástrico, juntamente com o estímulo da saciedade. Porém, não há nenhum alimento para esse processo de digestão, sendo um ciclo "vazio".

Como sempre digo, temos que avaliar os estudos e levar para a prática. Vai do profissional seguir sua linha de pesquisa e opinião, principalmente quando o assunto tem tantos lado e é tão controverso.

De acordo com a nutricionista clínica e comportamental da Unifesp, Dra. Samantha Rhein, cada vez fica mais claro (por meio de evidências científicas) que só mudaremos o elevado grau de excesso de peso da população se adquirirmos hábitos de estilo de vida mais conscientes e saudáveis. "Então, por que devemos considerar a possibilidade de mascar um chiclete para conseguirmos alcançar um peso saudável?", questiona a nutricionista.

Estas gomas estimulam a mastigação e, consequentemente, a saciedade, uma vez que o ato de mastigar envia 'sinais' ao seu cérebro de que o alimento está chegando e o seu trato gastrointestinal deverá estar preparado para 'receber' esta refeição — ou pelo menos deveria –, objetivando iniciar sua digestão. No caso do chiclete isto não acontecerá e essa saciedade não será sustentável.

Não é somente a mastigação que garante a saciedade ou que ela se prolongue; a presença do alimento no estômago, a sua quantidade, densidade — teor de fibras, gorduras, açúcares e proteínas — e grau de digestibilidade contribuirão com a liberação de substâncias químicas que prolongarão esta sensação de saciação promovida pelo alimento e refeição.

A nutricionista clínica e pesquisadora da UNIFESP, Dra. Deborah Masquio, também pontua "que mascar chiclete não deve ser considerada uma estratégia para melhorar a saúde ou promover o emagrecimento. A maioria dos chicletes contém açúcares e aditivos químicos que não nutrem o organismo. Além disto, o ato de mascar chiclete , mesmo que sem açúcar, inicia o processo de digestão, aumentando a secreção de ácido clorídrico ,que pode ser prejudicial para a parede do estômago causando gastrite, azia e desconfortos."

A Dra. Samantha Rhein reforça que "ao prospectarmos resultados de pesquisas científicas sobre o consumo a médio e longo prazo de aditivos alimentares — conservantes, corantes –, notaremos que existe uma relação direta com maior risco para desenvolver alguns tipos de cânceres — estômago e intestino –, além de alergias e intolerâncias alimentares."

Temos que considerar também que tipo de aprendizado e autonomia tiramos de qualquer experiência ou tratamento. Toda vez que você tiver fome terá que utilizar uma 'muleta' chamada goma de mascar, em vez de desenvolver alternativas centradas e que dependam apenas de você? Onde fica a mudança consistente de estilo de vida e comportamento alimentar? Neste caso ela certamente não existiu.

A melhor estratégia para o emagrecimento seria o ajuste de horários, tipos de alimentos e tamanho das porções; e não estratégias controversas.

Referências:
– "Acute and chronic effects of gum chewing on food reinforcement and energy intake". Eating Behaviors.
– Williams, G.M.; et al. Safety assessment of butylated hydroxyanisole and butylated hydroxytoluene as antioxidant food additives. Food Chem Toxicol. 1999 Sep-Oct;37(9-10):1027-38.
– Ito N.; et al. Carcinogenicity and modification of the carcinogenic response by BHA, BHT, and other antioxidants. Crit Rev Toxicol. 1985;15(2):109-50.
– Hocman, G. Chemoprevention of cancer: phenolic antioxidants (BHT, BHA). Int J Biochem. 1988;20(7):639-51.
– Scientific Opinion on the re‐evaluation of butylated hydroxytoluene BHT (E 321) as a food additive.EFSA Panel on Food Additives and Nutrient Sources added to Food (ANS). 2012.
– Hu, R.; et al. Neurotoxicological effects and the impairment of spatial recognition memory in mice caused by exposure to TiO2 nanoparticles. Biomaterials. 2010 Nov;31(31):8043-50. doi: 10.1016/j.biomaterials.2010.07.011. Epub 2010 Aug 7.
– Cui, Y.; et al. Signaling pathway of inflammatory responses in the mouse liver caused by TiO2 nanoparticles. J Biomed Mater Res A. 2011 Jan;96(1):221-9. doi: 10.1002/jbm.a.32976. Epub 2010 Nov 9.
– Fabian, E.; et al. Tissue distribution and toxicity of intravenously administered titanium dioxide nanoparticles in rats. Arch Toxicol. 2008 Mar;82(3):151-7. Epub 2007 Nov 14.
– Tada-Oikawa, S.; et al. Titanium Dioxide Particle Type and Concentration Influence the Inflammatory Response in Caco-2 Cells. Int J Mol Sci. 2016 Apr 16;17(4):576. doi: 10.3390/ijms17040576.
– Opinion of the Scientific Panel on food additives, flavourings, processing aids and materials in contact with food (AFC) on Titanium dioxide. 2005.
– Boris Jovanović. Critical Review of Public Health Regulations of Titanium Dioxide, a Human Food Additive. Integr Environ Assess Manag. 2015 Jan; 11(1): 10–20.
– Matej Skocaj; et al. Titanium dioxide in our everyday life; is it safe? Radiol Oncol. 2011 Dec; 45(4): 227–247.
– Marinovich M.; et al. Aspartame, low-calorie sweeteners and disease: regulatory safety and epidemiological issues. Food Chem Toxicol. 2013 Oct;60:109-15. doi: 10.1016/j.fct.2013.07.040. Epub 2013 Jul 23.
– Magnuson BA; et al. Aspartame: a safety evaluation based on current use levels, regulations, and toxicological and epidemiological studies. Crit Rev Toxicol. 2007;37(8):629-727.
– Weihrauch, MR; et al. Artificial sweeteners–do they bear a carcinogenic risk? Ann Oncol. 2004 Oct;15(10):1460-5.
– Olivier B.; et al. Review of the nutritional benefits and risks related to intense sweeteners. Arch Public Health. 2015 Oct 1;73:41. doi: 10.1186/s13690-015-0092-x. eCollection 2015.
– Koehler SM; et al. The effect of aspartame on migraine headache. Headache. 1988 Feb;28(1):10-4.
– Sathyapalan T; et al. Aspartame sensitivity? A double blind randomised crossover study. PLoS One. 2015 Mar 18;10(3):e0116212. doi: 10.1371/journal.pone.0116212. eCollection 2015.
– Butchko HH; et al. Aspartame: review of safety. Regul Toxicol Pharmacol. 2002 Apr;35(2 Pt 2):S1-93.
– Xu J; et al. The effect of gum chewing on blood GLP-1 concentration in fasted, healthy, non-obese men. Endocrine. 2015 Sep;50(1):93-8. doi: 10.1007/s12020-015-0566-1. Epub 2015 Mar 11.
– Hetherington MM; et al. Short-term effects of chewing gum on snack intake and appetite. Appetite. 2007 May;48(3):397-401. Epub 2006 Nov 21.
– Hetherington MM; et al. Effects of chewing gum on short-term appetite regulation in moderately restrained eaters. Appetite. 2011 Oct;57(2):475-82. doi: 10.1016/j.appet.2011.06.008. Epub 2011 Jun 28.
– Park E; et al. Short-term effects of chewing gum on satiety and afternoon snack intake in healthy weight and obese women. Physiol Behav. 2016 May 15;159:64-71. doi: 10.1016/j.physbeh.2016.03.002. Epub 2016 Mar 3.
– Mattes RD; et al. Oral processing effort, appetite and acute energy intake in lean and obese adults. Physiol Behav. 2013 Aug 15;120:173-81. doi: 10.1016/j.physbeh.2013.08.013. Epub 2013 Aug 15.
– Julis RA; et al. Influence of sweetened chewing gum on appetite, meal patterning and energy intake. Appetite. 2007 Mar;48(2):167-75. Epub 2006 Oct 13.
– Shikany JM; et al. Randomized controlled trial of chewing gum for weight loss. Obesity (Silver Spring). 2012 Mar;20(3):547-52. doi: 10.1038/oby.2011.336. Epub 2011 Nov 10.
– Swoboda C; et al. Acute and chronic effects of gum chewing on food reinforcement and energy intake. Eat Behav. 2013 Apr;14(2):149-56. doi: 10.1016/j.eatbeh.2013.01.011. Epub 2013 Feb 13.
– Kresge DL; et al. Chewing gum increases energy expenditure before and after controlled breakfasts. Appl Physiol Nutr Metab. 2015 Apr;40(4):401-6. doi: 10.1139/apnm-2014-0232. Epub 2014 Dec 18.
– Levine J; et al. The energy expended in chewing gum. N Engl J Med. 1999 Dec 30;341(27):2100.
– Saussele T. Diarrhea. Diarrhea and loss of weight from use of chewing gum. Med Monatsschr Pharm. 2008 Apr;31(4):158.
– Bray GA. Dietary sugar and body weight: have we reached a crisis in the epidemic of obesity and diabetes?: health be damned! Pour on the sugar. Diabetes Care. 2014 Apr;37(4):950-6. doi: 10.2337/dc13-2085.
– Marcelo V. Aun; et al. Aditivos em alimentos. Artigo de revisão. Rev. bras. alerg. imunopatol. – Vol. 34. N° 5, 2011.
– Zhongyuan Guo; et al. Titanium dioxide nanoparticle ingestion alters nutrient absorption in an in vitro model of the small intestine. NanoImpact. Volume 5, January 2017, Pages 70-82.
– Dawn Jackson Blatner, RD, American Dietetic Association spokeswoman; author, The Flexitarian Diet.
– JUNIOR, J. F. S.; BEZERRA, J. E. F.; LEDERMAN, I. E.; MOURA, R. J. M.; O sapotizeiro no Brasil, Rev. Bras. Frutic., Vol. 36, Nº 1, pag. 86-99 2.
– Nutraceuticals World – Brazilian Market for Gum and Sweets on the Upswing 3 APOLINÁRIO, R. M. C.; MOARES, R. B.; MOTTA, A. R.; Mastigação e dietas alimentares para redução de peso, Rev. CEFAC, Vol. 10, Nº 2, pag. 191-199 4.
– Guyton & Hall. Tratado de Fisiologia Medica. Elsevier, 12 ed.

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.