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Sutiã melhora autoestima de mastectomizadas: "Não me olhava no espelho"

Elizabeth Tremmel, de 58 anos, tirou uma das mamas em decorrência de um câncer - Divulgação
Elizabeth Tremmel, de 58 anos, tirou uma das mamas em decorrência de um câncer Imagem: Divulgação

Talyta Vespa

Da Universa

31/10/2018 04h00

Os espelhos se tornaram inimigos da advogada Elizabeth Tremmel, aos 56 anos, quando ela tirou um dos seios em decorrência de um câncer, descoberto em 2016. Até hoje, o caminho para o banho é percorrido de olhos fechados. A relação dela com a própria imagem só muda quando está com um sutiã específico que a faz se sentir confortável. “Minha autoestima estava no chão, mas estar com o sutiã certo me fez sentir bonita e sexy”, conta.

O caminho até a peça perfeita não foi rápido: a dificuldade de encontrar lingeries bonitas, sensuais, coloridas e confortáveis dificultou o processo de recuperação psicológica da advogada. Quando não machucava a cicatriz da mastectomia — a cirurgia é invasiva e os cortes chegam até a axila —, a lingerie era grande, bege e “de vovó”.

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“Os sutiãs especializados que encontrei para mulheres mastectomizadas são feios e apertados. As que não incomodam têm um decote gigante que deixa um buraco enorme, mesmo com a prótese móvel”, explica Elizabeth.

O poder da renda

Entre idas e vindas às lojas, Elizabeth provou um sutiã em uma rede de fast fashion que, apesar de ser bege, era confortável, tinha um decote razoável que não deixava um buraco muito grande e era rendado. “Experimentei nas lojas Marisa sem esperar muita coisa. Ficou ótimo, me senti feminina, linda, pela primeira vez. E a cicatriz estava protegida, sem dor”, conta.

O que parecia uma solução para o dia a dia de Elizabeth foi uma esperança que acabou mais rápido do que ela gostaria. “Voltei à loja na semana seguinte para comprar outros como aquele, mas estavam esgotados. Conversei com o gerente da loja e descobri que as peças não seriam mais fabricadas. Ao contar o quão importante foi aquele sutiã em minha vida, ele recomendou que eu mandasse um e-mail para a loja relatando toda a minha história. Para a gente, que tem depressão por causa de autoestima, é incrível como um detalhe pode fazer toda a diferença”, explica.

Lingerie e autoestima

Segundo a professora de consultoria de moda da Faap Manu Carvalho, a lingerie não é só um detalhe, mas uma peça essencial para a autoestima de qualquer mulher. “A gente sabe o poder que é vestir uma calcinha e um sutiã bonitos, se olhar no espelho e se admirar. Com uma mulher mastectomizada, a sensação deve ser a mesma. A lingerie é uma das principais peças do guarda-roupa e ela deve atender a todas as pessoas”.

Manu explica que a maior parte das lojas não cria sutiãs específicos para mulheres mastectomizadas porque o custo de produção seria superior ao lucro. Ainda assim, a especialista garante que pensar em mulheres que lutam contra o câncer deveria ser dever das marcas. “O cuidado com o público precisa ser pensado para todas. Como no caso da Elizabeth, não é necessário que seja um sutiã específico. Mas, as marcas deveriam criar uma peça que atendesse a todos os tipos de mulheres: que cuidasse da cicatriz, que tivesse um decote discreto, que fosse confortável e bonito ao mesmo tempo”, diz.

O pedido de Elizabeth gerou frutos para quem está na mesma situação que ela: parte do lucro obtido com todas as lingeries vendidas na loja no dia 20 de outubro foi investido na produção de 1.200 sutiãs iguais ao que a ajudou. As peças serão doadas para a Sociedade Brasileira de Mastologia, que ficará responsável pelo encaminhamento a vítimas do câncer de mama. A loja também tem a intenção de comercializar peças como essa, mas ainda não tem data definida para começar.

sutiã mastectomia - Divulgação - Divulgação
Modelo posa com sutiã desenvolvido para doação à Sociedade Brasileira de Mastologia
Imagem: Divulgação

Elizabeth está há dois anos esperando para fazer a reconstrução da mama pelo SUS. Quando o marido se aposentou, perdeu o plano de saúde que atendia a família. “A cirurgia do SUS me surpreendeu. Tive plano de saúde a vida inteira e sempre frequentei hospitais particulares, mas nunca fui tão bem cuidada como no público. Descobri o câncer de mama em janeiro de 2016, fiz a mastectomia em março e terminei a quimioterapia em novembro do mesmo ano. Foi rápido. Ainda não tive alta, faço acompanhamento com um oncologista. E, agora, estou à espera da reconstrução”.

Sem choro, nem vela

Mãe protetora, a advogada não queria ver os filhos, de 23 e 27 anos, sofrerem. “Não derramei uma lágrima durante o tratamento, fui pragmática. Pensava: ‘Eu tenho um câncer, então vou tratá-lo. Não quero ver minha família sofrendo por minha causa, vou enfrentar”, conta.

Os sutiãs, para Elizabeth, devem ser um apoio às mulheres que, como ela, não podem fazer a reconstrução logo de cara. “Algumas demoram meses, outras, anos. A mulher não pode se odiar enquanto a prótese fixa não chega. A lingerie é como um comprimido para a depressão. Se for bonita, te deixa mais bonita. Agora, se for um bege muito do feio, deprime ainda mais a mulher mastectomizada”.

“Eu durmo sem sutiã, mas quando acordo, a primeira coisa que faço é vesti-lo. A outra mama fica pendurada quando fico sem, ela cresceu muito desde a cirurgia. Quando visto a lingerie, me olho no espelho feliz. Sem ela, não sei nem o que é espelho”.

O que diz a lei

A lei 12.802/2013 obriga o SUS (Sistema Único de Saúde) a fazer a cirurgia plástica reparadora da mama logo em seguida à retirada do câncer, quando houver condições médicas. Se a reconstrução não puder acontecer imediatamente, a paciente deverá ser encaminhada para acompanhamento clínico e, assim que tiver condições de saúde favoráveis, realizar a cirurgia.

Na prática, é diferente. Segundo dados da SBM (Sociedade Brasileira de Mastologia), apenas 29,3% das mulheres que fizeram mastectomia entre 2008 e 2014 tiveram a mama reconstruída. Apesar de não haver dados mais recentes, o presidente da SBM de São Paulo, João Bosco, garante que o número caiu para, em média, 20%. A espera acaba sendo gigante.

"Não adianta ter lei se o SUS estiver subfinanciado. Não há salas específicas para a realização do procedimento, nem dinheiro, nem próteses. Hoje, quem faz as cirurgias de oncoplastia no SUS são os mastologistas, uma vez que não há cirurgiões plásticos o suficiente", explica Bosco. 

O especialista explica que a cirurgia prevista na lei não é apenas a de reconstrução, mas, também, a de reparação de qualquer dano estético causado à mama. "Se eu tirar um tumor de dois centímetros de um seio, não precisarei retirar a mama, mas, sim, um pedaço dela. Esse procedimento causa um dano estético à mulher. O seio é o órgão feminino mais importante em termos de feminilidade e sexualidade. Se o ovário for deformado, ninguém vai saber. Agora, se mexo na mama, mexo com a integridade do feminino. Por isso, a cirurgia é destinada a toda mulher que teve sua mama abordada para a retirada de um câncer".