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Teste de DNA doméstico investiga paternidade anonimamente; mas é ético?

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Imagem: Getty Images

Letícia Rós e Carolina Prado

Colaboração para Universa

18/09/2018 04h00

Dois anos depois de se casar, Rita*, 30, auxiliar de saúde bucal, teve um caso extraconjugal que não durou mais do que dois encontros. Algumas semanas mais tarde, porém, ela descobriu que estava grávida. Na época, seis anos atrás, teve dúvida sobre a paternidade, mas silenciou os próprios questionamentos por falta de coragem para lidar com a delicadeza da situação. Até que, no início deste ano, decidiu acabar com aquela angústia. “Comecei a procurar na internet algum laboratório que fizesse teste de paternidade e encontrei um kit que é enviado pelos Correios. Com ele, eu poderia fazer o exame de forma anônima”, explica.

Diferentemente de um teste realizado presencialmente, esses contratados pela internet não exigem nome ou qualquer outra informação que possibilite a identificação das pessoas envolvidas. Uma caixa discreta chega em casa com escovas, que deverão ser passadas na mucosa da boca das pessoas que serão testadas --no caso de Rita, o marido e a criança. As amostras de células da região, que aderem à escova, são enviadas de volta ao laboratório e o resultado sai pela internet. “O laudo ficou pronto em dez dias úteis e eu acessei por meio de um código de usuário e senha, que não tinha meu nome”, conta. 

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Segundo a doutora em Biologia Celular e do Desenvolvimento Lia Kubelka de Carlos Back, a eficácia dos kits de DNA domésticos pode ser comparada a dos exames feitos em laboratório. “A precisão é a mesma, a única diferença é que a coleta é feita em casa”, afirma. O laboratório de onde Rita comprou o kit assegura 99,9% de precisão do resultado.

O teste feito em casa, contudo, não tem valor jurídico em um processo de reconhecimento de paternidade. “Por que não leva o nome do interessado, apenas suas iniciais. Dessa forma, pode ser impugnado pela outra parte, sob o argumento de que não é certo de que o teste pertence àquela pessoa”, explica a advogada especialista em Direito de Família, Lidia Caldeira, professora da Unisuam, no Rio de Janeiro.

A questão ética

Sem querer expor o caso extraconjugal para o marido, Rita decidiu colher amostras de DNA dele, sem que soubesse a finalidade da ação. “Eu disse ao meu marido que faria um teste na boca dele, para verificar porque ele tem muitas aftas. Como eu trabalho com dentista, consegui fazer isso sem muito esforço. O material da minha filha eu coletei quando fui dar banho nela, sem ele ver”, conta.

O resultado de Rita apontou que a filha não é do marido. “Esperei alguns dias, tomei coragem e contei a verdade para ele. Foi terrível, nunca sofri tanto, não esperava ter que passar por isso. Ele me perdoou, aceitou minha filha e estamos nos entendendo novamente”, fala.

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A advogada de família explica que, mesmo o exame sendo feito apenas por curiosidade, só deve acontecer com o consentimento da pessoa que será testada para a coleta do material. “Somente à pessoa pertence seu corpo. Até mesmo nos processos de reconhecimento de paternidade poderá o pai se recusar a conceder material genético, acarretando para ele a presunção de paternidade, mas nunca ser obrigado a extrair sangue, por exemplo. Esta prática é invasiva ao direito à integridade física”, fala Caldeira.

Melissa*, 55, administradora de empresas, também adquiriu o kit de teste, mas não para ela. “Fiz o exame da minha neta, com o consentimento do pai, que é o meu filho, quando o bebê tinha pouco mais de um ano. A dúvida era somente minha, já que a moça engravidou três meses após o fim do noivado”, conta. Nesse caso, quem não soube da coleta de amostra foi a mãe do neto que, segundo Melissa, se recusou a fazer o teste em laboratório. “O exame confirmou a paternidade e houve um final feliz, porque é minha primeira neta e eu não conseguia mais conviver com aquela desconfiança. Por causa do sigilo absoluto que envolve o procedimento, ninguém saiu magoado da história”, fala.

O advogado do escritório Leça Nabarrete Borges e Chagas, em São Caetano do Sul (SP), Márcio Vinício Alves de Souza, explica que não há proibição legal de o exame de DNA ser realizado na ausência da mãe, como foi feito no caso de Melissa, porém, não significa que é ético”, fala. “A ética nada mais é do que uma reflexão sobre a moral. Tal atitude é considerada contrária à ética do ambiente familiar”, opina Souza.

*Os nomes foram alterados a pedido das entrevistadas