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YUKEEEÊ: primeira robô trans do país quer discutir prevenção com LGBTs

A robô trans Amanda Selfie - Divulgação
A robô trans Amanda Selfie Imagem: Divulgação

Daniel Leite

Colaboração para Universa

16/08/2019 04h00

Um público escondido no quarto, por uma série de motivos, interagindo por redes sociais, sem acesso a informações e, principalmente, medidas contra ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) está na "mira" de Amanda Selfie, a primeira "robôa" (como ela mesma se identifica) trans do país.

A ideia é, pelo próprio ambiente virtual, a assistente digital conseguir atrair homens gays, mulheres trans ou travestis de 15 a 19 anos para as ações de prevenção do Prep 15-19 (profilaxia pré-exposição ao HIV) em Belo Horizonte, Salvador, São Paulo e suas regiões metropolitanas, locais onde o projeto é desenvolvido no Brasil.

O PrEP 15-19, iniciativa da Unaids, o programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids, e da Organização Mundial da Saúde, oferece gratuitamente um remédio a ser tomado todos os dias, em forma de pílula, para evitar a infecção por HIV. Se a pessoa não quiser a medicação, tem acesso também a camisinha, lubrificante, teste para diagnóstico de HIV e outras ISTs, além de vacinação para hepatites A e B, aconselhamento, tratamento ou encaminhamento para serviços especializados e outras medidas. O trabalho é feito em postos de atendimento nas três capitais. São centros de referência e diversidade.

O desafio do estudo é encontrar pessoas que se mantêm invisíveis por vergonha, por medo da intolerância e outras razões, mas que usam inúmeros aplicativos de "pegação", sem orientação sobre saúde e comportamento. Nessa busca, Amanda tem papel fundamental, acreditam os pesquisadores. É um "braço" do projeto.

Dialeto e visual são aposta para atrair

De visual e linguajar familiares para o público LGBT, Amanda é toda adornada, colorida, utiliza gírias e expressões usadas pela comunidade, o pajubá, em que parte do vocabulário tem origem africana. A "conversa" com Amanda é pelo Messenger do Facebook. Na imagem da capa da rede social tem o convite: "E aí BB? Bora falar de saúde sexual?".

Por sugestão de um dos coordenadores da pesquisa na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Unaí Tupinambás, a reportagem de Universa iniciou um bate-papo com Amanda. Tupinambás é da Faculdade de Medicina da UFMG, que desenvolve o trabalho em parceria com a USP e UFBA (Universidade Federal da Bahia). As três instituições foram convidadas pela Organização Mundial da Saúde para participarem do PrEP pela relevância de seus trabalhos sobre ISTs.

A robô trans, Amanda Selfie - Divulgação - Divulgação
A robô trans, Amanda Selfie
Imagem: Divulgação

Demos um "oi" no Messenger e a resposta de Amanda foi:

"Inhaiiii gatinhe!! Meu nome é A-manda Selfie, a primeira travesti robôa do Brasil!! #travestisvaodominaromundo. Inhaiiiiiiii, eu posso conversar sobre qualquer coisa, bonitan, só me perguntar, vamo falar de q??. Cmg vc pode falar sobre ISTs, HIV, sobre prevenção e saúde sexual! Pq uma coisa q eu aprendi é q é 1 bafo ter consciência sexual pra fazer escolhas e ter mais autonomia nas nossas relações! A gnt tbm pode falar de qualquer coisa, bb, eu a-m-o conversar!".

A interação começa e a robôa faz perguntas: onde o internauta mora, qual a idade, como age na "pegação no rolê", qual estilo de música preferido, tipo de namoro, se sexo é bom "só com o mozão" ou com outra pessoa, qual a frequência do uso da camisinha e outros questionamentos sobre comportamento afetivo e de cuidados com a saúde.

Desenvolvida por uma empresa de tecnologia da informação, Amanda tem inteligência artificial e, por isso, consegue traçar o perfil a partir das respostas.

Com o que a reportagem respondeu, ela concluiu que se tratava de uma pessoa mais "de boas", de um/a parceiro/a só:

"VC É A PABLLO VITTAR, YUKEEEÊ???
Famosissimah nos rolês, mas tá só nas love song que nem a Pabllo, nenon? Você parece ser mais de boas quando o assunto é sexo com várias pessoas - ou pelo menos está numa fase de boas, bem romantiquinha. Pode ser que vc não sinta mta necessidady de sarrar, pode ser q esteja namorando fechado e seu tesão se direcione mais para um/uma parceiro/a fixo, pode ser q vc prefira poucos (e bons) doq muitos, pode ser mil coisas - o importante é vc fazer (ou não fazer) oq vc tiver vontade ".

Em seguida, Amanda leva a conversa para o lado da conscientização. De forma didática, explica o PrEP 15-19 e, ao final, se a pessoa se encaixa no perfil do projeto, a "robôa" agenda a primeira ida do internauta a um dos três centros onde o projeto é desenvolvido (Salvador, Belo Horizonte e São Paulo).

Não bastasse estarem na adolescência, fase da vida em que assistência médica não costuma ser prioridade, o alvo do PrEP é uma população que, no Brasil, passou a sofrer recentemente com racismo, LGBTfobia e regras moralistas devido ao discurso de intolerância, à proibição do tema nas escolas e redução de propagandas e campanhas oficiais de conscientização, segundo Tupinambás.

"Essa população está isolada, sem laços para buscar informação e fazer o check-up de saúde. A Amanda pode ser nossa ponta de lança efetiva onde nossos educadores não conseguem atingir essa população", avalia Tupinambás.

Como participar do PrEP

Segundo Tupinambás, o PrEP existe por causa de um descontrole das ISTs nesse público. "O projeto nasce da necessidade de tentar frear a epidemia de HIV na população mais jovem, porque há um descontrole."

Em 10 anos, a quantidade de novos casos de HIV/Aids entre jovens de 15 a 19 anos mais do que triplicou no Brasil.

A ideia é testar a pílula diária no público de menor idade, já que, na população adulta, ele protege com efetividade em mais de 95% dos casos. "Previne a infecção pelo HIV através de um remedinho, tipo pílula q vc toma todo dia e é gratuito pelo SUS, acredita?", diz Amanda no chat.

Na interação com Amanda também será avaliado o comportamento dos jovens em relação às infecções, como eles lidam com os riscos, que atitudes e iniciativas costumam ter.

Os estudos do PrEP no Brasil foram prorrogados até junho de 2021. O panorama em observação nas três capitais vai ajudar os pesquisadores a subsdiar o SUS para aprimorar as políticas públicas de prevenção.

Para participar é preciso atender aos critérios, que são: ter entre 15 e 19 anos, identificar-se como gay, bissexual ou homem que transa como homem, trans (mulher transexual, travesti, homem trans ou não-binário) e pessoas em situação de exposição.

A pessoa assina um termo de consentimento, faz teste de HIV a cada 6 meses e responde a questões a respeito das suas experiências afetivas e sexuais a cada 3 meses.

Na interação com Amanda, ela dá as orientações para fazer parte do projeto, agendando uma primeira visita. A pessoa pode também ir direto a um dos locais onde são feitos os acolhimentos.

Em Salvador, é na Casa da Diversidade, na Rua do Tijolo, 8, Pelourinho. Quem mora na capital mineira e cidades próximas deve ir até o Centro de Referência da Juventude, na Rua Guaicurus, 50, na região central. E, em São Paulo, o endereço é Rua Libero Badaró, 144, no centro da cidade.

O serviço é inteiramente gratuito. O tempo máximo de permanência por pessoa no PrEP é de 24 meses. Se for diagnosticada com HIV, ela precisará deixar o projeto e, para isso, recebe toda a orientação sobre como proceder para fazer o tratamento na rede pública de saúde.