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Paola Machado

Você perde o controle da dieta no jantar? Saiba evitar a compulsão noturna

Paola Machado

24/06/2019 04h00

Crédito: iStock

Comer à noite é essencial. Mas, assim como em qualquer hora do dia, é muito importante se alimentar com consciência em relação à qualidade e quantidade do prato, respeitando sempre o tempo suficiente para realizar o processo de digestão antes de dormir, que é mais ou menos de duas horas.

Entretanto, durante à noite é muito comum que as pessoas se alimentam por mérito, isto é, como um recompensa para os problemas ou o cansaço acumulado ao longo do dia. Sim, eu vejo muitas pessoas que conseguem manter uma alimentação saudável e consciente no café da manhã e no almoço, mas quando chegam em casa comem o que tiver, sem nem mesmo perceber. Essas atitudes impulsivas, inconscientes, compulsivas e até por merecimento podem desencadear o aumento do peso e excesso de gordura corporal, comprometendo a saúde.

Por esse motivo, darei algumas dicas que auxiliarão nas suas escolhas e ajudarão a criar um bom hábito alimentar noturno.

Identifique a causa

O primeiro ponto é descobrir por qual motivo você age dessa forma. Para isso, observe os seguintes pontos:

  1. Você tem grandes "buracos" na sua alimentação durante o dia? Entenda como "buracos" os intervalos entre as refeições. Ouço muitos relatos de pessoas que tomam café da manhã às 7h, almoçam às 13h e depois só vão jantar. Aí, à noite estão querendo comer o que não deve, impulsivamente. Não existe um intervalo certo entre as refeições, mas tente observar se não isso que está gerando um pico de fome inconsciente no final do dia.
  2. Você não come de manhã? Esse ponto costuma ser crucial. Em pessoas que "pulam" duas refeições (o café e o lanche) pela manhã e vão direto para o almoço a possibilidade de "inverter o dia pela noite" e comer sem pensar no jantar é muito maior.
  3. Você tem um trabalho estressante e não tem nenhuma válvula de escape? Entenda que o estresse constante libera cortisol, hormônio em nível elevado no organismo está associada à obesidade e acúmulo de gordura abdominal. Esse aumento de gordura abdominal, como já mostrei em um texto aqui da coluna, reduz a ação do córtex pré-frontal, responsável pela decisão. Por isso é tão importante termos momentos de distração com a prática de exercícios físicos.

Existem outros comportamentos que podem desenvolver o comer compulsivo de noite, como o hábito, tédio e distúrbios alimentares —a síndrome do comer noturno e o transtorno da compulsão alimentar periódica, por exemplo. Esses dois distúrbios são caracterizados por diferentes padrões e comportamentos alimentares, mas têm os mesmos efeitos negativos sobre a sua saúde.

Em ambos, as pessoas usam a comida para conter emoções como tristeza, raiva ou frustração, e frequentemente comem mesmo quando não estão com fome. Comedores compulsivos também tendem a comer quantidades muito grandes de comida de uma só vez e sentem-se fora de controle enquanto se alimento.

Pessoas com síndrome do comer durante à noite tendem a dormir muito mal e acordam à noite para comer, consumindo mais de 25% de suas calorias diárias no período noturno. Essas condições têm sido associadas à obesidade, depressão e problemas para dormir.

Identifique os gatilhos

Uma vez escrevi um texto sobre hábito e rotina. Existe um ciclo básico composto por:

  1. DEIXA — gatilho
  2. ROTINA — hábito
  3. RECOMPENSA

Identificar o que causa a deixa ou gatilho é imprescindível para detectar a causa do comer demais, pois você pode encontrar um padrão específico de eventos que desencadeie seu comportamento alimentar. Por exemplo, todos os dias você chega em casa de noite, cansado, senta-se para assistir televisão e pega uma barra de chocolate. Qual o gatilho? O cansaço. O hábito? A TV. A recompensa? O chocolate.

As pessoas buscam comida por vários motivos. Se você não está com fome e mesmo assim se encontra comendo à noite, pense no que desencadeou esse processo. Muitas vezes você vai descobrir que está usando comida para satisfazer uma necessidade que não é a fome.

Com a síndrome do comer durante a noite, todo o seu padrão alimentar pode ser adiado devido à sua falta de fome durante o dia. Uma forma eficaz de identificar a causa da sua alimentação noturna e as coisas que a desencadeiam é manter um diário de "alimento e humor".

Rastrear seus hábitos alimentares e de exercício junto com seus sentimentos ajudará você a identificar padrões, permitindo que trabalhe na quebra de qualquer ciclo negativo de comportamento.

Planeje sua rotina

Quanto mais o tempo passa, percebo que o grande erro das pessoas é não organizar a rotina previamente. As pessoas simplesmente acordam e deixam o dia levar. Por isso, faça o seguinte:

  • Mantenha uma rotina de horário para acordar. Os celulares atuais têm um dispositivo que você programa o horário para se deitar (o aparelho desliga) e acordar. Existem algumas bands e apps para celular com função de despertar no melhor momento do seu sono para isso. Se o seu despertador está para tocar às 7h, o acessório analisa o melhor horário para despertar entre às 6h30 e 7h, de acordo com a sua frequência cardíaca.
  • Após acordar, tenha uma rotina estabelecida. Escove seus dentes, tome seu banho e sente se para tomar seu café da manhã.
  • Leve os seus lanches intermediários, que podem ser frutas, cereais, iogurtes, lancinhos saudáveis etc. Mas não deixe de levar. Eu digo sempre que o pão integral na chapa com queijo branco da padaria é bem mais gostoso, porque é a mesma chama que fazem um x-salada bacon.
  • Estabeleça onde será seu almoço e jantar e quais serão suas escolhas.
  • Leve com você sua roupa de treino ou já a deixe separada em casa.

Quando estabelecemos uma rotina, a probabilidade de seguirmos à risca é muito maior.

Busque suporte emocional

Se você acha que pode ter síndrome de comer noturno ou transtorno da compulsão alimentar periódica, talvez seja melhor procurar ajuda profissional, pois um profissional pode identificar seus gatilhos e implementar um plano de tratamento.

Esses planos muitas vezes usam a terapia cognitivo-comportamental (TCC), que tem-se mostrado eficiente para tratar muitos transtornos alimentares. A criação de uma rede de apoio emocional também ajudará você a encontrar maneiras de gerenciar emoções negativas que, de outra forma, levariam à geladeira.

Utilize técnicas de relaxamento

Ansiedade e estresse são duas das razões mais comuns pelas quais as pessoas comem quando não estão com fome. Existe a ansiedade e estresse patológico —tratável com medicamentos controlados —, porém não adianta nada tratar a patologia se não tratar o hábito e o comportamento ansioso e estressante. Uma vez que você entende que seu comportamento tornou-se um hábito, você pensará duas vezes antes de controlar suas emoções com a alimentação.

Se você perceber que come quando está ansioso ou estressado, tente encontrar outra maneira de extravasar as emoções negativas e relaxar. Uma pesquisa mostrou que técnicas de relaxamento podem ajudar a controlar distúrbios alimentares. As técnicas de relaxamento que você pode considerar úteis incluem exercícios respiratórios (aprenda aqui técnicas de respiração que ajudam a relaxar), meditação, banhos quentes, posturas de ioga, exercícios leves ou mesmo alongamentos.

Ingira alimentos regularmente durante o dia

Comer demais à noite tem sido associado a padrões alimentares desregrados durante o dia, que podem ser categorizados como desordens alimentares.

Alimentar-se em intervalos regulares ao longo do dia, de acordo com os padrões alimentares "normais", pode ajudar a manter a glicemia estável. Também pode auxiliar a prevenir sentimentos compulsivos de fome e até cansaço, irritabilidade ou a percepção de falta de comida, o que pode levar a uma compulsão.

Quando você fica realmente com fome, é mais provável que faça escolhas erradas e procure por comidas gordurosas e com alto teor de açúcar. Estudos constatam que aqueles com horário regular de refeições têm melhor controle do apetite. A melhor frequência alimentar para controlar a fome e a quantidade de comida consumida deve ser ajustada de acordo com as necessidades individuais.

Incluir fontes de proteínas nas refeições pode ajudar a reduzir sua fome. Isso também pode auxiliar você a se sentir mais satisfeito durante o dia e evitar comportamentos compulsivos de noite. Um estudo descobriu que comer refeições com alto teor proteico reduziu os desejos em 60% e a fome noturna.

Alguns alimentos contribuirão com o prolongamento da sensação de saciedade: pão e biscoitos verdadeiramente integrais (leia o rótulo), aveia, gérmen de trigo, castanha, avelã, nozes, pistache, banana, abacate ou avocado. Eles possuem nutrientes como zinco, magnésio, fibra alimentar, vitamina do complexo B que atuam como reguladores da síntese e metabolismo de serotonina, que favorece a sensação de bem-estar, melhor controle emocional e provavelmente alimentar;

Não tenha em casa alimentos que geram a compulsão

Se nos seus períodos compulsivos você opta por alimentos com alto teor de gordura e açúcar, não os tenha em casa. Obviamente, se o acesso a essas comidas for mais difícil, a possibilidade de atacá-los será muito menor. Preencha sua casa com alimentos saudáveis ​​que você goste, para comer quando tiver vontade. Os bons alimentos para lanches disponíveis se você tiver fome incluem frutas, iogurte natural, cereais, oleaginosas etc.

Distraia-se

Se você come por causa da preocupação ou do tédio,encontre algo que gosta de fazer à noite para ocupar a mente. Ter um passatempo ou planejar atividades noturnas pode ajudar a evitar lanches descuidados durante a madrugada.

Se, mesmo assim, não conseguir controlar esse comportamento, procure um médico para auxiliar você da melhor forma.

*Qualquer dúvida ou comentário pode ser enviado para o meu Instagram : @machado_paola

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Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.