Nada de Asilo

Novos modelos de moradia estimulam a vida em comunidade na terceira idade e dão um chega pra lá na solidão

Deborah Giannini Colaboração para o VivaBem
Carine Wallauer/UOL

Primeira cohousing para idosos do Brasil já está com inscrições encerradas

Imagine se seus vizinhos fossem seus melhores amigos e vocês pudessem fazer aula de ioga juntos pela manhã, participarem de um debate sobre filosofia à tarde e cozinharem juntos à noite. Tudo isso aos 80 anos. Partindo deste princípio, de morar sozinho, mas perto das pessoas com quem tem afinidade, a associação de professores da Unicamp, em Campinas, desenvolveu a Vila ConViver. Prevista para ser inaugurada em 2020, essa será a primeira cohousing para idosos do Brasil.

Segundo Bernadete Piazzon, 59 anos, membro do grupo de apoio da Vila ConViver e uma das 66 futuras moradoras do local, a ideia surgiu após alguns docentes, que viviam sozinhos, ficarem desassistidos na velhice. “A associação de professores criou um grupo de estudo que escolheu a cohousing como melhor modelo de moradia.” A Vila ConViver é destinada a docentes e funcionários com mais de 50 anos e já está com inscrições encerradas. No entanto, a ideia é reproduzir o modelo.

Em São Paulo, a Vila dos Idosos, gerida pela Secretaria Municipal de Habitação e Cohab-SP, foi inaugurada em 2007, também pensando nessa tendência de estimular a vida em comunidade na terceira idade. Trata-se de uma locação social para pessoas de baixa renda, com quitinetes privadas e pontos coletivos, onde é possível viver em privacidade e socializar quando desejar. 

Enquanto a Vila dos Idosos é gerida pela Secretaria, que seleciona quem poderá morar lá, uma cohousing é criada por um grupo com alguma afinidade e administrada coletivamente.

Vila dos Idosos estimula o convívio entre os moradores

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"Pavor de asilo": para idosos, liberdade de ir e vir é fundamental

Antes da Vila dos Idosos, Ruy Almeida (foto), 80, chegou a morar em uma instituição de longa permanência para idosos (ILPI) por dois anos. “Prefiro muito mais aqui. A gente entra e sai e ninguém pergunta nada ou nos controla. Tenho liberdade de ir e vir.”

Foi lá que ele conheceu sua namorada, Lia Loureiro, 78. Ela também diz que não consegue nem pensar na hipótese de morar em uma casa de repouso: “Tenho pavor”.

Projeto de Héctor  Vigliecca, arquiteto que é referência em habitação social, a Vila dos Idosos estimula o convívio: ali há horta, espelho d’água onde os moradores costumam tomar banho de sol e lavanderia coletiva. Lá, o idoso pode morar sozinho ou com até uma pessoa. No momento, há 200 moradores. 

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A pessoa tem que se reconhecer onde vive. Quando o idoso é levado para um instituto de longa permanência sem desejar, é difícil que se sinta em casa e pertencente àquele lugar. É preciso que haja cumplicidade em qualquer decisão.

Maria Luisa Bestetti, professora de Gerontologia da USP

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Cohousing resgata valores tribais, como a divisão de tarefas e cuidados

Cohousing, abreviação de collaborative housing (casa colaborativa, em tradução livre para o português), é um tipo de moradia organizada por um grupo de pessoas com afinidades ou interesses comuns. Neste modelo, cada um mora em sua própria casa, para preservar a privacidade, mas compartilha espaços comuns, além de decisões administrativas e econômicas.

É diferente de um condomínio, em que você dificilmente conhece seus vizinhos. O modelo tem a intenção de criar uma comunidade para conviver, algo inspirado nas tribos. O conceito surgiu na década de 1970, na Dinamarca, e foi popularizado pelo arquiteto norte-americano Charles Durrett.

No Brasil, ele é disseminado pela arquiteta Lilian Lubochinski, estudiosa do assunto desde os anos 1980. Ela, que tem 69 anos, está, inclusive, formando um grupo para criar (e morar) em uma cohousing na capital paulista. "Tem um termo que eu gosto muito que é o neo-tribal. A gente está recuperando uma dimensão tribal de fazer as coisas juntos, de dividir o cuidado."

Vizinhos a gente já tem. O desafio dos co-lares para idosos não é colocar um monte de velho morando um ao lado do outro. As pessoas querem viver perto de quem elas têm vínculo afetivo.

Lilian Lubochinski, arquiteta, uma das maiores estudiosas de cohousing no Brasil

Três modelos de cohousing pelo mundo

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Suécia

O Färdknäppen é um prédio com intuito de criar uma comunidade em Estocolmo. Os 43 apartamentos não são exclusivamente para idosos e o ambiente promove encontros para cozinhar e compartilhar refeições, cuidar dos jardins, fazer trabalhos domésticos e lazer na biblioteca ou sala de marcenaria.

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Califórnia

Este conjunto nos EUA aceita pessoas com mais de 50 anos desde 2012. A ideia é equilibrar a vida pessoal com o coletivo, em um espaço compartilhado que conta com cozinha gourmet, sala de estar, lavanderia e quarto de hóspedes. Existem casais, solteiros e idosos e a interação frequente entre os vizinhos.

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Canadá

Esta opção em Vancouver conta com 19 casas, além de um projeto cheio de elementos ambientais para deixar a comunidade sustentável --como material de construção reciclado, reciclagem e até reaproveitamento da água. A proposta do espaço é encorajar um senso de comunidade e conexões entre os moradores.

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Medicina concorda: envelhecer rodeado de amigos faz bem para saúde

  • Contato social e diabetes

    Um estudo da revista Proceedings of the National Academy of Sciences mostrou que o baixo índice de integração social está associado a níveis mais altos de proteínas C reativa, ligada à pressão alta, diabetes e maior massa corporal.

  • Solidão aumenta risco de demência

    Outro bom motivo para se cercar de pessoas é a sua saúde mental. Uma pesquisa publicada no Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry mostrou que quem vive sozinho tem 42% mais risco de desenvolver demência.

Jorge Araújo/Folhapress Jorge Araújo/Folhapress

República de idosos também é opção de moradia na velhice

Principal diferença entre cohousing e república está na privacidade

Enquanto na cohousing as pessoas dispõem de moradias individuais e compartilham áreas comuns, na república o grupo habita a mesma casa. Ambos os modelos propõem redução de custos e convívio e são alternativas de moradia para idosos com autonomia física e mental.

A República de Idosos de Santos (foto), no litoral de São Paulo, é pioneira no Brasil. Inaugurada em 1996, conta hoje com três unidades geridas pela prefeitura da cidade. Elas são mistas e têm em média 5 moradores cada --com idades entre 65 e 89 anos.

Entre os pré-requisitos para morar lá, estão dispor de autonomia física e psíquica e ter renda até dois salários mínimos. O custo é de R$ 170 e inclui água, luz e aluguel. Os moradores dividem tarefas, inclusive domésticas.

A perda de autonomia do idoso é um impeditivo para viver na república, já que ele é encaminhado para uma ILPI (Instituições de Longa Permanência para Idosos), conveniadas da Secretaria Municipal de Assistência Social. Mas não para morar em uma cohousing. 

Enquanto os idosos estiveram ativos, ficam em suas casas [na cohousing]. Ao passarem para um estágio que necessitem de cuidados intensivos, a ideia é que morem em uma casa comum com cuidadores compartilhados.
Bernadete Piazzon, uma das idealizadoras da Vila ConViver

Ela ainda conta que as reuniões para estabelecer local do terreno e custos da primeira cohousing do Brasil estão em andamento, mas provavelmente não será um valor simbólico, como o da Vila dos Idosos ou da República.

E aí, já começou a planejar onde irá passar a sua velhice?

Carine Wallauer/UOL Carine Wallauer/UOL

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