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Paola Machado

Não existe reeducação alimentar para alguém que não tem educação alimentar

Paola Machado

16/09/2019 04h00

Crédito: iStock

Esses dias uma pessoa chegou para mim e falou que queria fazer uma "reeducação alimentar". Eu pensei: "Como reeducar se não tivemos educação alimentar de base?"

Não quero generalizar, mesmo porque algumas pessoas sabem se alimentar bem e de forma natural. Porém, a grande maioria não sabe o que é comer bem, não por conta de falta de informação e, sim, devido aos conceitos de base.

Estudei muitos anos sobre o paradoxo francês. Um estudioso chamado Samuel Black em 1819 notou uma correlação entre a alimentação dos franceses e a saúde deles. Dados de 2016 apontaram que a expectativa de vida dos franceses é de cerca de 82 anos. Mesmo com o crescente aumento da obesidade em todo o mundo, inclusive na França  — que nos últimos 15 anos dobrou o número de obesos —, o país segue com a população com o peso mais saudável na Europa, por qual motivo será? O aumento de peso vem crescente em todo o mundo e posso elencar aqui diversos fatores (incluindo genética e ambiente obesogênico), mas o que gostaria de falar dessa questão é que, independentemente de genética e ambiente, a educação alimentar de base dessa população tem uma influência gigante sobre o estilo de vida das pessoas. Desde pequenos eles sabem comer, estruturam suas porções em pequenas quantidades e ordem (salada, prato principal e sobremesa), dedicam o tempo à mesa –sim, é sagrado o tempo de preparo e para comer com a família.

Quem nunca pensou que era uma grande bobeira a salada que vem no cardápio de restaurante? Então, temos o hábito de chegar em qualquer lugar, morrendo de fome, sentar à mesa e escolher a comida com os olhos, com a barriga, não com consciência. Assim escolhemos um grande prato e damos um belo de um estopim no nosso corpo.

É isso que fazemos. Não preparamos nosso corpo para o que está por vir. Apesar de ele tentar se organizar por dentro, você chega e dá um turbilhão de energia de uma vez, e causa um grande furacão no seu organismo.

Não sabemos comer. Quando vejo — e já compartilhei aqui com vocês — os pratos que utilizamos como base alimentar penso: "Será que as pessoas entendem o por que de tudo isso? Qual alimento tem que pegar antes?". Para educarmos temos que entender que a alimentação não é uma grande frescura, muito menos uma grande chatice. Você pode fazer tudo, porém saber o porque de tudo o que está fazendo.

Preciso comer de 3 em 3 horas?

Tem uma discussão gigante sobre de quanto em quanto tempo precisamos de fato comer (de 3 em 3 horas, 4 em 4 horas ou quando estiver com vontade). O fato é você precisa ter uma distribuição durante o dia para que não queira comer a mesa quando se sentar para comer. Quando estipulam um tempo X, é porque você tem um período do dia que está acordado e precisa de energia para isso. Nosso corpo é uma grande curva e precisamos distribuir o gasto e consumo de forma equilibrada e equacionada ao longo do dia. O que você não pode fazer é não comer o dia todo e chegar às 20h em casa, sem ter comido nada o dia todo, e falar: "Agora mereço comer o que eu quiser!". Não é assim. Alimentação não é merecimento, pois seu corpo precisa da energia para sobreviver e não porque você merece.

Quando passamos por algum estresse — aqui incluo ficar longas horas sem comer ou fazer grandes "buracos" alimentares no nosso dia, isto é, aqueles momentos que pensamos "não vou parar de trabalhar para comer agora" — nosso corpo emite um grande alerta e com ele várias respostas hormonais, com consequente ativações do sistema neuroendócrino. Uma das reações de gatilhos é uma reação que chamamos de "lutar ou fugir". Sabe aquela história da mãe que conseguiu quebrar uma porta com a mão quando viu que a filha estava presa? Ela agiu inconscientemente. Da mesma forma que nunca saberemos como iremos reagir a um assalto, por exemplo. Nesses momentos de alerta ou estresse extremo, desviamos a informação da consciência para inconsciência. Por isso que quando ficamos horas sem comer e chegamos morrendo de fome, comemos um monte e depois pensamos "por que comi isso?". Temos que sempre trazer o pensamento para a consciência. Como rompemos isso? Com perguntas que até parecem bestas, porém são eficazes, como "como estou me sentindo?", "como me sentirei depois", "será que preciso disso agora?". Traga os questionamentos para a consciência.

A reação de luta ou fuga te prepara para uma ação imediata, sem pensar. O sinal visual vai da retina para o tálamo, onde é traduzida a linguagem do cérebro. A maior parte da mensagem segue para o córtex visual, onde é analisada e avaliada em busca do significado da resposta adequada; quando estamos agindo emocionalmente, um sinal vai para a amígdala ativar centros emocionais. Mas uma parte menor do sinal original desvia direto do tálamo para a amígdala, numa transmissão mais rápida, permitindo uma resposta pronta — inconsciente e bem menos precisa. Assim, a amígdala dispara uma resposta emocional antes que os centros corticais tenham entendido plenamente o que se passa.

Entendido isso, você também entenderá o porque comer a salada antes. Tem a questão nutricional, mas o mais importante é você romper o ímpeto daquela fome impulsiva. Quando você ingere um prato bem grande e completo de salada antes de qualquer refeição, você libera todos os hormônios responsáveis pela saciedade e também dá ao seu corpo uma grande quantidade de fibras. Isso fará com que o seu grande prato de arroz, feijão, carne e batatas vire um prato menor, com escolhas mais conscientes e aproveitando melhor a refeição.

Coma devagar

Mastigar devagar nada mais é do que digerir melhor o alimento, produzir a resposta hormonal necessária e, acima de tudo, ter o tempo de refeição suficiente para que seu cérebro processe a saciedade —o que, cientificamente falando, demora cerca de 20 minutos. Por isso que pessoas que comem muito rápido tendem a comer mais.

Se você tem filhos, comece a explicar o porque dessas questão. Não fale "Coma mais devagar". Primeiro você deve ser exemplo, comer devagar na frente dele. Assim você poderá educar de base essa criança, esse adolescente, permitir de fato que ela tenha uma educação alimentar. Explicar o porque de cada ação. Trazer para a prática. Pense na questão de higiene: "Escove os dentes, porque senão terá cárie". Sempre explicamos, contextualizamos. Só que a alimentação simplesmente falamos "Coma, você precisa comer, coma devagar". Nem nós sabemos o porque dessas questões. Explique. Eduque. Pesquise. Entenda.

Só teremos reeducação alimentar quando, de fato, formos educados.

Referências para leitura:
– Law, Malcolm; Wald, Nicholas (29 de maio de 1999). «Why heart disease mortality is low in France: the time lag explanation». BMJ : British Medical Journal. 318 (7196): 1471–1480. ISSN 0959-8138. PMID 10346778.
– Livro Inteligência Emocional — a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente de Daniel Goleman. Editora Objetiva.
– Artaud-Wild, S. M.; Connor, S. L.; Sexton, G.; Connor, W. E. (Dezembro 1993). «Differences in coronary mortality can be explained by differences in cholesterol and saturated fat intakes in 40 countries but not in France and Finland. A paradox». Circulation. 88 (6): 2771–2779. ISSN 0009-7322. PMID 8252690.
– Livro MindSet, a nova psicologia do sucesso de Carol Dweck. Editora Objetiva.
– Biagi, Marco; Alberto A. E. (15 de junho de 2015). «Wine, alcohol and pills: What future for the French paradox?». Life Sciences. 131: 19–22. doi:10.1016/j.lfs.2015.02.024

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.