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Paola Machado

O álcool atrapalha o desempenho no exercício e o ganho de músculo

Paola Machado

11/05/2018 04h00

Crédito: iStock

Não é segredo para ninguém que atletas amadores e até profissionais consomem álcool. Um dos exemplos mais clássicos é do ex-jogador de futebol Sócrates, um dos destaques da seleção brasileira de 1982. O craque, que  teve cirrose hepática devido à bebida e faleceu em 2011, declarou em entrevistas que tomava uns drinques esporadicamente enquanto competia, mas nunca foi dependente. "O álcool era para conviver com parte da loucura dessa sociedade que a gente vive", afirmou.

Nunca vamos saber de fato o quanto o álcool afetou o desempenho de Sócrates em campo, mas ele teve um efeito em longo prazo na saúde do atleta. E você, que treina regularmente e também gosta de tomar uma cervejinha com os amigos para relaxar, já parou para pensar o que a substância causa no seu organismo e nos resultados da atividade física?

Os prejuízos do álcool para o treino e a saúde

Cronicamente, o uso de bebidas alcoólicas (etanol) tem grande potencial para provocar lesões nos diversos sistemas do organismo, como:

  • Redução das funções do sistema imunológico (defesa do corpo);
  • Problemas no sistema gastrointestinal, como câncer, gastrite, úlcera, hepatite e cirrose;
  • Problemas no sistema cardiovascular, como miocardiopatias e hipertensão arterial sistêmica;
  • Problemas no sistema endócrino, como distúrbios no metabolismo de carboidratos e lipídeos.

Se utilizado antes ou durante a realização do exercício, o álcool, devido a sua ação inibitória do sistema nervoso central, promove uma diminuição das atividades neuronais, afetando principalmente a coordenação motora, o tempo de reação, a agilidade e o processos de decisão. Isso tudo vai provocar uma redução no desempenho físico.

Por afetar o metabolismo dos carboidratos e lipídeos, o álcool poderá levar a uma fadiga precoce no treino, pois há uma diminuição da quantidade de energia disponível para a manutenção da intensidade e/ou duração da atividade.

No período de recuperação pós-exercício, o álcool pode afetar os estoques de glicogênio, reduzindo a performance do praticante no treino seguinte.

Além disso, o álcool promove a diminuição ou até mesmo inibição da fase REM (rapid eyes moviment) do sono, na qual ocorrem os sonhos. A ausência desse estágio do sono pode levar a uma inadequada recuperação e descanso do organismo, pois o sono REM está muito associado com a consolidação de memória, melhora da parte cognitiva e física do organismo.

O álcool também prejudica a hipertrofia muscular

O período entre a primeira e a oitava hora após um treino de musculação é tido como crítico no sentido de reverter os "distúrbios" ou alterações da homeostase geradas pelo esforço, no sentido de promover adaptação ao treinamento físico.

Diversos estudos têm sido realizados na tentativa de otimizar estratégias nutricionais nos momentos pós-treino em busca da melhor resposta hipertrófica.

Eles demonstram que existe uma elevação na taxa de síntese proteica –necessária para hipertrofia — de forma distinta entre iniciantes e treinados após uma sessão de musculação. Os pesquisadores caracterizam esta elevação de síntese proteica pós-treino como "momento anabólico" que necessita da oferta adequada de nutrientes para otimizar e aproveitar da melhor maneira possível este "momento" que, de acordo com os autores, atinge pico de quatro horas pós-treino para indivíduos treinados e pico duplo, de quatro e 16 horas pós-treino, para indivíduos destreinados.

 

Um estudo realizado por Parr, et al nos explica bastante a questão da ingesta de bebida alcoólica e sua relação com a hipertrofia muscular. Os resultados  demonstraram que tanto a sinalização da proteína considerada chave na sinalização intracelular envolvendo síntese proteica (mTOR) quanto a taxa de síntese proteica miofibrilar, que quando aumentada contribui cronicamente para desenvolvimento da hipertrofia, foram prejudicadas durante a fase inicial de recuperação –até oito horas — nas situações que houve ingesta de bebida alcoólica.

Estes resultados foram mais evidentes com uma redução de 37% na taxa de síntese proteica miofibrilar quando o álcool foi consumido na ausência da ingesta de proteínas pós-exercício. Mesmo quando a proteína foi ingerida pós-exercício, o álcool provocou uma redução de 27% na síntese proteica miofibrilar, prejudicando a resposta anabólica muscular.

As estratégias suplementares do estudo para o "momento anabólico" (até 8 horas pós-treino) foram as seguintes:

  • Grupo proteína: 25 g de whey protein isolado imediatamente e quatro horas após o treino + suco de laranja de 30 em 30 minutos.
  • Grupo proteína + álcool: 25 g de whey protein isolado imediatamente e quatro horas após o treino + 60 ml de vodca com suco de laranja de 30 em 30 minutos, por 6 vezes.
  • Grupo carboidrato + álcool: 25 g de maltodextrina + 60 ml de vodca com suco de laranja de 30 em 30 minutos, por 6 vezes.

Mesmo que o estudo tenha analisado um período de oito horas após o exercício, é importante ressaltar que o processo de recuperação muscular pode perdurar até 24 a 48 horas depois do treino. Portanto, não pense que você está liberado para treinar de manhã e beber à noite, pois já vai ter passado mais de oito horas entre a atividade física e a ida ao bar.

Referências:
– Areta, J.L.; et al. (2013). Timing and distribution of protein ingestion during prolonged recovery from resistance exercise alters myofibrillar protein synthesis. J Physiol 591: 2319–2331.
– Levitt, D.E.; et al. Effect of alcohol after muscle-damaging resistance exercise on muscular performance recovery and inflammatory capacity in women.European Journal of Applied Physiology. Vol: 117 Nro: 6 Págs: 1195 – 1206 Data: 01/06/2017.
– Burd, N.A.; et al. (2013). Exercise training and protein metabolism: influences of contraction, protein intake, and sex-based differences. J Appl Physiol (1985). May;106(5):1692-701.
– Suter, P.M.; et al. The effect of exercise, alcohol or both combined on health and physical performance. International Journal of Obesity. Vol: 32 Nro: Suppl. 6 Págs: S48 – S52 Data: 01/12/2008.
– Barnes, M.J.; et al. Post-exercise alcohol ingestion exacerbates eccentric-exercise induced losses in performance. European Journal of Applied Physiology. Vol: 108 Nro: 5 Págs: 1009 – 1014 Data: 01/03/2010.
– Parr, E.B.; et al. (2014). Alcohol ingestion impairs maximal post-exercise rates of myofibrillar protein synthesis following a single bout of concurrent training. PLoS One. Feb 12;9(2).

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.