Topo

Morango

Os músicos que enfrentam a proibição de tocar no metrô - e se dão bem

Universa

30/11/2018 05h01

Shay (de preto, à direita) foi descoberta no metrô e convidada a se apresentar no Hora do Faro, da Record (Imagem: Reprodução)

Cantora e violonista desde criança, Shay Bueno, 22, começou a tocar no metrô para conseguir pagar o aluguel da casa em que morava. "No dia eu precisava de 50 reais, aí um amigo (o músico Ricardo Zuppo) me chamou pra tocar no metrô e em uma hora a gente conseguiu 120 reais. Foi surpreendente, eu não sabia que as pessoas gostavam, apoiavam a arte. Continuei por alguns dias e percebi que meu salário era bem menor do que o que eu ganhava no metrô. Foi quando abri mão do meu emprego e fiquei só como artista de rua", conta.

Do metrô pra TV

E foi assim, cantando e tocando com um violão emprestado, que ela chamou a atenção de uma produtora da Record que estava no mesmo vagão. Para Shay, o sonho de infância de ser uma artista reconhecida começava a se realizar: em alguns dias ela estaria no palco do Hora do Faro. "O programa foi ao ar dia 16 de setembro, depois de uma semana de gravações. Conheci as meninas do Rouge, o Rick Bonadio, e tive essa reafirmação do que eu queria, do sonho que eu sempre tive. Antes tocava no metrô com violão emprestado, hoje tenho dois violões, todo equipamento completo, que é muito caro e eu não tinha condições de comprar antes, e tenho fãs, pessoas que se identificaram com meu trabalho", comemora ela, que teve uma de suas composições, "Labirinto", produzida por Rick.

A visibilidade alcançada no programa de TV fez a agenda de shows bombar, mas Shay segue se apresentando no metrô também (Foto: Mag Fotografia)

Até 500 euros por dia

O músico paulistano Ricardo Zuppo tem 31 anos e toca na rua há três. Autodidata, ele já se apresentou em vagões de trens e metrôs de Portugal, Espanha e Itália. Na Europa, chegou a conseguir 500 euros (mais de 2 mil e 200 reais) em um único dia; aqui no Brasil, em um dia "ruim", volta pra casa com 60 reais.

"Aqui não é ruim, o problema é que tem muita gente que acha que você não trabalha, e na verdade a gente trabalha bastante", expõe Ricardo  (Foto: Arquivo Pessoal)

"Lá fora é diferente, faz parte da cultura a música na rua. Não só música, mas malabares, palhaços. A arte é muito mais aceita. Lá era proibido, como aqui, mas lá eles não te tiram da estação. Mas aqui não é ruim, o problema é que tem muita gente que acha que você não trabalha, e na verdade a gente trabalha bastante."

Os prazeres e os desafios dos músicos de rua

Multi-instrumentista, Jonatas Ramos, começou a tocar clarinete aos 11 anos de idade, na orquestra jovem de Barueri, a 30 quilômetros da capital paulista. "Com o tempo aprendi a tocar saxofone e flauta transversal. Ano passado iniciei o curso de Licenciatura em Música, mas tranquei este ano por motivos financeiros. Eu trabalhava em uma gráfica e não estava conseguindo conciliar o trabalho com a minha carreira musical, então saí da empresa e segui na música. Eu não me vejo trabalhando com outra coisa! Então em agosto decidi começar a tocar no metrô, pra conseguir pagar a faculdade, e foi onde me descobri", revela.

"Muitos me veem tocando no metrô e nem sabem o que é clarinete. Amo ver o sorriso nas pessoas, ver que elas gostaram do meu som, acho que essa é a melhor parte. Recebo muitas mensagens no Instagram, de pessoas agradecendo por alegrar o dia delas", diz Jonatas (Foto: Reprodução/Instagram)

Se a melhor parte do trabalho é o reconhecimento do público, a pior é a pressão dos seguranças do metrô. "Temos que ficar correndo deles, e isso de uma forma acaba nos deixando pra baixo, né?! Porém não desistimos."

'Vamos sair daqui!'

"Já aconteceu de eu estar sentado no banco do metrô da Sé, com o instrumento guardado, chegar um segurança e falar 'vamos!'. Aí respondi 'vamos aonde?' e ele rebateu 'vamos sair daqui!'. Expliquei que o meu instrumento estava guardado, eu nem ia tocar. Tem uns que xingam, é horrível".

"Colocaram música no metrô, nos alto-falantes, por causa dos músicos no metrô. Antes não tinha. E tem maquinistas que quando veem que tem músico no metrô aumentam o som pra atrapalhar a gente" (Imagem: Arquivo Pessoal)

O som ambiente foi implementado nas estações de metrô de São Paulo há quatro meses. Nos sites das companhias de trem e de metrô não há avisos sobre a proibição das apresentações dos artistas. Por telefone, os funcionários das duas empresas informaram que "não é permitido, como o comércio ambulante e pedintes, porque pode atrapalhar a viagem dos usuários".

A repressão em São Paulo não se repete no Rio de Janeiro, lembra Jonatas. "Eu e mais três amigos músicos viajamos até lá pra tocar no metrô e foi uma experiência incrível, porque os seguranças viam a gente e ficavam na deles. A gente podia tocar tranquilamente, sem se preocupar se os agentes estavam vindo. Foi muito bom!.. Seria muito legal se aqui fosse assim também."

Leia também:

Belas e escrachadas, elas são da nova geração de comediantes da internet

De vendedor a stripper: eles deixam profissões "certinhas" e focam no sexo

Elas fazem sucesso e ganham dinheiro postando receitas simples no Instagram

Sobre a autora

Ana Angélica Martins Marques, a Morango, é mineira de Uberlândia, jornalista, fotógrafa e DJ. É também autora do livro de contos Quebrando o Aquário. Passou pela décima edição do Big Brother Brasil e só foi eliminada porque transformou o temido quarto branco no maior cabaré que você respeita. É vegetariana e cuida de três filhos felinos: Lua, Dylan e Mike.

Sobre o blog

Um espaço para falar de amor, sexo, comportamento feminino e feminismo com leveza e humor. Tudo sob o olhar de uma mulher esperta, que gosta de mulheres tão espertas quanto ela!