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Dinamarca inova ao não classificar mais transexualidade como doença mental

A ideia do pais é desestigmatizar condição, muitas vezes considerada como transtorno - Getty Images
A ideia do pais é desestigmatizar condição, muitas vezes considerada como transtorno Imagem: Getty Images

Melissa Diniz

Do UOL

06/01/2017 16h55

A Dinamarca se tornou o primeiro país do mundo a não mais classificar a transexualidade como doença mental. A medida, adotada pelo parlamento, tem o objetivo de desestigmatizar os transgêneros, evitando que sejam associados a palavras como transtorno, distúrbio ou disforia. As informações são da revista “Scientific American”

A partir de agora, os médicos dinamarqueses usarão um código próprio, válido apenas para o país, no qual a condição não mais aparece como diagnóstico, o que, para os defensores dos direitos da comunidade LGBT da Dinamarca, criava uma série de problemas, inclusive para conseguir empregos. Os ativistas também esperam que a mudança diminua o tempo de espera para cirurgias de redesignação de gênero, que pode levar de dois a dez anos no pais.

Diagnóstico facilita tratamento

Para o psiquiatra Saulo Ciasca, do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), a tendência mundial é “despatologizar” a transexualidade, da mesma forma como aconteceu com a homossexualidade na década de 1970. No entanto, o médico considera que o diagnóstico correto é fundamental para que os pacientes possam ser conduzidos ao tratamento necessário.

“O Brasil e muitos outros países do mundo são totalmente dependentes dos diagnósticos, principalmente no sistema público de saúde, do contrário, como receitar terapia hormonal ou encaminhar esses pacientes para cirurgia?”, questiona.

Dois códigos

Ciasca explica que existem dois códigos internacionais de transtornos mentais. Um deles é a CID (Classificação Internacional de Doenças), bastante usada no Brasil e na Europa, que está na décima versão, porém bastante desatualizada em relação a questões que envolvem a sexualidade. A versão atual ainda traz a palavra transexualismo, porém o sufixo “ismo” deixou de ser usado nos termos que se referem à sexualidade exatamente porque tende a designar doenças. 

Mas a psiquiatria, afirma o especialista, segue o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria), que está na 5ª versão e é mais moderno. “Na quarta versão, havia o termo transtorno de identidade de gênero, mais global. Na nova, mudaram para disforia de gênero, o que foi bastante relevante, uma vez que passou a considerar somente as pessoas que experimentam algum tipo de sofrimento por não terem uma conformidade de gênero.”

Identificação necessária

Esse sofrimento pode acontecer por fatores diversos, como a não-aceitação do próprio corpo ou por questões sociais, e não revela a existência de doença, mas pede tratamento adequado, diz Ciasca. “Muitos dos pacientes que passam pelo ambulatório experimentam grande melhora após passarem pela psicoterapia, pois conseguem compreender-se e aceitar-se melhor, mas nem todos precisam da cirurgia. Aliás, fazer a operação não é o ponto principal para a saúde dessas pessoas.”

O médico explica que a triagem e o diagnóstico ajudam, inclusive, a diferenciar os transexuais de pessoas com outras condições e a somente encaminhar para a cirurgia os casos em que é realmente haja indicação. “Não se trata de um procedimento estético, mas, sim, de uma cirurgia arriscada e que pode até dar errado. É preciso levar em conta, inclusive, o grau de certeza da própria pessoa, sem precipitação.”

Ciasca explica que a esquizofrenia e o transtorno dismórfico corporal também podem se apresentar como não-conformidade de gênero. “Há ainda casos de pessoas com transtorno de personalidade borderline que ficam confusas a ponto que quererem fazer uma cirurgia de redesignação de gênero. Por isso o diagnóstico é tão importante”.