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'Pergunte o nome do meu bebê que morreu': o tabu da perda de um filho

Elle perdeu o pequeno Teddy, que morreu com três dias de vida - Arquivo Pessoal/BBC
Elle perdeu o pequeno Teddy, que morreu com três dias de vida Imagem: Arquivo Pessoal/BBC

Da BBC

15/09/2018 14h11

Elle Wright perdeu o filho, Teddy, logo depois que ele nasceu e quer mudar a percepção de que uma pessoa só possa ser considerada mãe ou pai se tiver um filho vivo.

"Meu filho Teddy faria três anos na próxima primavera (do hemisfério Norte), mas ele nunca chegou a sair do hospital — morreu com três dias de vida. Quando tudo aconteceu eu me vi catapultada em um clima maternal que eu nunca esperei sentir.

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Eu descobri a gestação em setembro de 2015, depois de 10 meses tentando engravidar. Eu me lembro de esperar o meu marido, Nico, voltar para a casa, para contar a novidade.

Eu coloquei o teste de gravidez que deu positivo nas mãos dele, e quando ele abriu os olhos pude ver sua expressão mudar completamente. Ele chorou de alegria. Nunca pensei que algo pudesse superar o sentimento de euforia do nosso casamento.

Nós esperamos até o primeiro ultrassom, com 12 semanas, para contar para as pessoas. Eu não conseguia acreditar até que vi nosso bebê na tela de computador do ultrassom, chutando e se mexendo, tão cheio de vida. 

Eu deixei meu marido no trabalho e ele me mandou uma mensagem de texto pouco depois: "Essa é a melhor manhã de segunda-feira da minha vida. Queria que todas as segundas trouxessem um sentimento tão bom." Seis meses depois, eu segurava meu bebê nos braços. Ele estava em silêncio, parecia tão pequeno.

teddy - Arquivo Pessoal/BBC - Arquivo Pessoal/BBC
Elle e o marido, Nico, com Teddy
Imagem: Arquivo Pessoal/BBC

Imediatamente, a parteira o tirou de mim. Fiquei lá para expelir a placenta, com a ansiedade crescendo dentro de mim. Mas, pouco depois, Nico apareceu, seguido por uma enfermeira sorridente que carregava meu filho. Ele estava envolto em toalhas e usava um capuz azul de marinheiro.

A enfermeira explicou que nosso bebê teve um "probleminha", mas que agora já estava estável e respirando. Com o chapeuzinho de tricô, ele parecia estar pronto até para uma excursão em alto-mar. Mal sabíamos que ele enfrentaria uma jornada bem diferente, depois de passar só 74 horas nessa Terra. Nós decidimos chamá-lo de Teddy. O nome todo dele seria Edward Constantine — esse segundo nome veio da nossa paixão pela Baía de Constantine, na costa de North Cornish, no Reino Unido.

Eu sonhava em ver Teddy dando os primeiros rumos ao surfe na nossa praia favorita. Teddy e eu fomos dormir naquela noite numa ala onde ficavam outros pais e bebês que precisavam de cuidados adicionais.

Mas, duas horas e meia depois, fui acordada por uma enfermeira sacudindo meu ombro. As palavras dela foram: "Eu tenho que levá-lo, ele está muito frio". Eu vi os bracinhos dele penderem para os lados quando ela o tirou do berço. Ele tinha parado de respirar e ninguém sabia havia quanto tempo.

Foram necessários 18 minutos para que ele fosse ressuscitado e, depois, soubemos que o dano da falta de oxigênio ao cérebro dele era irreversível. Teddy foi transferido para uma unidade de terapia intensiva em outro hospital.

Enquanto tudo isso acontecia, meu corpo se comportava como o de uma mãe. No dia em que soubemos que os aparelhos que mantinham Teddy vivo seriam desligados, o leite passou a sair do meu peito. Era a mãe natureza sendo cruel.

Eu não sei se serei capaz de descrever como me senti ao saber que ninguém poderia fazer nada por Teddy e que ele poderia morrer naquele dia. Senti como se o último suspiro estivesse sendo arrancado do meu peito, como se uma onda me puxasse para baixo e que eu não seria capaz de submergir por mais que eu gritasse, chutasse ou lutasse.

O adeus

Teddy nasceu em 16 de maio de 2016 e morreu no dia 19 de maio, de uma síndrome metabólica rara chamada 3 methylglutaric aciduria (3MGA). Significa que tudo era venenoso para ele, mesmo o ar que respirou assim que nasceu. Meu corpo o estava mantendo vivo, motivo pelo qual eu pude conhecer Teddy, carregá-lo, sentir o cheiro dele e sentir o calor da sua pele na minha, ainda que brevemente.

As horas que se estenderam até o nosso último adeus pareciam transcorrer em câmera lenta. Nós finalmente pudemos tirá-lo do leito e niná-lo. Os avós dele o seguraram pela primeira vez e nós tiramos as únicas fotos como uma família de três - Teddy, Nico e eu.

Quando a hora chegou, eu sentei no sofá, rodeada por Nico e minha mãe. A enfermeira parou de bombear ar nos pulmões de Teddy, retirou os esparadrapos que estavam ao redor da boquinha dele, e o entregou para nós.

Finalmente, ele estava livre daqueles fios e daquelas máquinas barulhentas. Enquanto Teddy dava os últimos suspiros, nós líamos a ele uma história chamada "Adivinhe o tanto que a gente te ama". Eu me perdia nas palavras enquanto tentava memorizar cada detalhe do rostinho perfeito dele, em formato de coração, e do peso dele nos meus braços.

Quando ele parou de respirar, eu não senti medo. Eu queria que ele se sentisse seguro e soubesse o quanto eu o amava. É o que uma mãe faz, não é? Esquece-se dos próprios sentimentos, para proteger os de seus filhos. Mas eu acho que senti meu coração fisicamente se partir naquele momento. Pelo menos, essa é a única forma que eu consigo descrever o sentimento.

Após essa perda repentina, eu me senti dormente tanto física quanto emocionalmente. "Esse tipo de coisa acontece com outras pessoas", eu me lembro de pensar. Mandei algumas poucas mensagens a alguns amigos explicando que tivemos que dar adeus a Teddy.

Eu não conseguia dizer "ele morreu", ou "ele está morto". Levou alguns meses para que eu pudesse dizer ou escrever essas palavras: "Teddy morreu". Ao chegar em casa nos deparamos com um carrinho de bebê no corredor e um berço no nosso quarto. Nico os escondeu atrás de uma porta, em outra parte da casa.

Eu não conseguia chegar perto de lá. Constantemente me lembrava do que estava faltando na minha vida. Uma vida para a qual eu levei nove meses me preparando. O telefone da casa e nossos celulares pareciam não parar de tocar. As melhores mensagens que recebi na época foram as de amigos que simplesmente diziam: "Eu estou aqui para você, se precisar, e quero que saiba que eu te amo".

Eram pessoas que não cobravam resposta e que eu sabia que estariam lá para mim quando eu estivesse pronta para encarar o mundo. Seis dias depois de Teddy morrer, recebemos a visita de uma parteira que designada pelo sistema de saúde britânico para visitar as mães que perderam os bebês.

Antes de ela chegar eu me forcei a tomar um banho, me vestir e usar maquiagem. Eu a cumprimentei com um sorriso na porta e perguntei se ela queria uma xícara de chá. Ela deve ter achado que eu tinha ficado louca.

Logo eu percebi que não seria muito útil falar com ela sobre Teddy. Ela nem se deu ao trabalho de aprender o nome dele. Ele era só mais um bebê que nunca chegou a ir do hospital para casa.

Eu fui buscar fotos dele, para mostrar quem ele era. Ela parecia querer que eu apenas sentasse e chorasse, mas eu já tinha feito isso por seis dias seguidos e estava exausta.

Ela queria que a gente se enquadrasse num manual do luto. Eu, educadamente, me neguei a vê-la novamente. Depois, recebi um telefonema da secretária do meu obstetra perguntando se eu queria marcar uma consulta para discutir o parto do meu bebê — no Reino Unido quem costuma fazer o parto é uma parteira. O médico interfere em caso de complicação durante o procedimento.

"Eu tive meu bebê na semana passada e ele... ele morreu", eu consegui murmurar. Silêncio do outro lado da linha, seguido por um pedido truncado de desculpas.

Uma carta chegou alguns dias depois dizendo: "Eu sinto muito pelo infeliz resultado da sua gravidez". Teddy aparentemente tinha se tornado um "infeliz resultado", em vez de uma pessoa, meu filho. A ideia de ver pessoas ou de contar a pessoas o que acontecera me fazia passar mal. Eu fiquei reclusa por seis semanas, vendo apenas a família e alguns amigos mais próximos. Uma pessoa que eu quis encontrar era uma outra grávida que eu conheci na aula de ioga e que teve o filho no mesmo hospital um dia depois.

Saímos para tomar um café e eu conheci a sua linda recém-nascida. Eu senti uma pontada de inveja, mas me contive. Eu não queria ser essa pessoa. Ela foi generosa e paciente. Conversamos sobre as nossas experiências ao longo das últimas semanas, experiências muito diferentes uma da outra.

Eu chorei muito, mas tentei ao máximo não ser uma nuvem negra de emoções. Uma comediante, Lou Conran, que teve que interromper uma gravidez na 22ª semana de gestação, fez uma apresentação sobre essa experiência para o festival de Edimburgo, esperando que isso fosse encorajar outras pessoas a falar sobre um tema que costuma ser envolto numa cortina de silêncio.

Fui conversar com ela, e ela me perguntou: "Quando você vai voltar ao trabalho, então?". Quando pensava que estava conversando com alguém que pudesse entender o que eu passei, eu percebi que não era o caso. Não nos encontramos novamente, embora a tenha visto seis semanas depois, num dia quente de agosto, quando eu passeava no parque com meu cachorro pug.

Ela estava no meio de um grupo de mães felizes com bebês no colo. Eu respirei fundo e me forcei a ir até lá dizer "oi". Na hora que me viu, ela virou as costas pra mim e se endereçou ao grupo de mães. "Essa é a Elle, de quem eu estava falando para vocês", a ouvi dizer, quando ela pensava que eu estava longe o suficiente para não escutar.

Eu pude sentir os olhares delas queimando a parte de trás da minha cabeça. Eu senti como se eu tivesse sido chutada para fora do "Clube das Mamães". Como se falassem 'Você não pode se sentar com a gente porque seu bebê morreu'. Eu chorei no caminho para a casa.

Então, eu encontrei amigos que eu nunca pensei que precisasse. Por acaso, eu vi no Instagram o post de uma mãe de luto, Michelle. Michelle tinha uma filha, Orla, que nasceu morta em maio. Quando li as postagens dela percebi que, assim como eu, ela também estava planejando novas rotas para os lugares que frequentava, evitando locais com carrinhos e mulheres grávidas, e que usava óculos o tempo todo para esconder as lágrimas. Eu pensei, "Graças a Deus, eu não estou só."

O grupo de WhatsApp que 'salvou' Elle

Nós trocamos mensagens de solidariedade e ela me disse que estava iniciando um grupo de apoio no WhatsApp para mulheres que perderam bebês. Michelle me disse os nomes das outras mães do grupo e se assegurou de que eu as achasse no Instagram, para seguir também.

Eu queria dar rosto aos nomes, entender as histórias delas e saber o nome dos bebês. O grupo se chamava "Mulheres Guerreiras", e essas mães me salvaram no momento mais difícil.

Uma delas era Jess. Ela e a mulher, Natalie, tiveram o primeiro filho em janeiro daquele ano. Leo nasceu morto. Também conheci Aimee, cuja filha Phoebe morreu durante o trabalho de parto no mesmo mês. Emma teve uma filha, Florence, que também morreu durante o trabalho de parto em janeiro.

E tem o Sam. O filho dela, Guy, nasceu morto em novembro do ano anterior. Jess, Nat, Michelle, Aimee, Sam e Elle, As Mulheres Guerreiras. Eu havia encontrado a minha tribo.

Elle encontrou acalento em grupo de mães que perderam bebês - Arquivo Pessoal/BBC - Arquivo Pessoal/BBC
Elle encontrou acalento em grupo de mães que perderam bebês
Imagem: Arquivo Pessoal/BBC

O grupo já existe há mais de dois anos. Chamamos os bebês de "A gangue". Nós nos lembramos dos aniversários deles, e escrevemos nome de todos eles na areia quando qualquer um de nós vai à praia.

Eu acho catártico escrever o nome do Teddy. Primeiro, escrevi em cartas para ele, no meu caderninho. Mas, então, isso se tornou tradição. Escrevia em todos os lugares: no vapor condensado das janelas, na areia das nossas praias preferidas, em qualquer lugar que me fizesse sentir mais próxima dele.

Quando Teddy morreu, eu me tornei uma mãe que precisava sobreviver sabendo que os meus dias jamais seriam preenchidos por suas risadas.

Eu costumava escrever o nome dele de formas diferentes no meu caderno. Eram linhas e linhas de "Teddy". Eu me via imaginando como ele teria assinado o nome quando tivesse idade para escrever.

Quando o primeiro Natal após a morte de Teddy se aproximava, eu passei a deliberar sobre como assinar os cartões de Natal. Eu sabia que precisava incluir nosso filho. Então, incluí um pequeno "T" dentro de uma estrela desenhada a mão, em cima das nossas assinaturas, no lado direito.

Continuo a fazer isso até hoje. Toda vez que eu faço um cartão, em incluo o pequeno "T", e eu me sinto orgulhosa de continuar a incluir Teddy na história da nossa família.

O que dizer para quem perdeu um bebê

Eu nunca quero que aquele T desapareça. Algumas das mulheres do nosso grupo de WhatsApp foram abençoadas com mais bebês. Eles preenchem as nossas vidas com a esperança de dias melhores. Mas essas gestações traziam preocupações e ansiedades novas para cada uma daquelas mulheres. Perder um bebê faz isso.

As Mulheres Guerreiras entendem isso. Elas não amenizam nem reduzem o entusiasmo nas congratulações ao receber a notícia. E, claro, nunca as parabenizamos como "mães de primeira viagem", porque sabemos que elas não são.
Há algo de tão horrível em perder um filho que a sociedade não tem nem um nome para isso. Se sua mulher morre, você é viúvo, se seus pais morrem, você é órfão. Perder um filho desafia a ordem natural das coisas e é uma perspectiva dolorosa demais.

Mas o que isso significa para pais e mães, como Nico e eu, que somos mãe e pai de uma criança que não está viva? Existem milhares de pais enlutados andando por aí sem serem reconhecidos e compreendidos pelo mundo ao redor deles.

Quando as pessoas me perguntam se eu tenho filhos, eu tenho que decidir se conto ou não que Teddy morreu. Eu me preocupo em contar, porque sei que isso vai fazer o interlocutor se sentir desconfortável.

Às vezes as pessoas dizem coisas como: "Não se preocupe. Você será uma mãe maravilhosa um dia." Eu sei que elas têm boa intenção, mas é muito insensível.

Imagina se eu contasse que meu marido morreu e a reação imediata fosse: "Não se preocupe, você vai se casar de novo e será uma grande esposa".

Muito frequentemente as pessoas simplesmente mudam de assunto para algo como a previsão do tempo. Mas não tem nada pior do que o silêncio. Quando conto que tenho um filho, mas que ele não chegou ir para casa, faz uma diferença enorme para o meu dia se a pessoa diz: "Eu sinto muito. Qual era o nome dele?".

Isso me faz sentir que a minha narrativa de mãe é válida e que Teddy foi uma pessoa que importava e que ainda importa. Depois que o Teddy morreu eu ouvi a frase: Você vai aprender a sentir o amor, mais que a perda." Para mim, é exatamente isso que dizer o nome dele nos permitiu.

Ao ouvir o nome Teddy, ao normalizá-lo e reconhecer a sua existência, estamos preenchendo o espaço cavernoso da perda com amor."