Roupa para gorda: onde tem?

Os problemas que as mulheres gordas enfrentam e as saídas que encontram para se vestir bem

Elisa Soupin Colaboração para Universa André Rodrigues/UOL

Pode falar que a roupa é para gorda?

Há alguns anos, tudo o que se via nas vitrines eram manequins magérrimos, com cinturas inspiradas na Barbie. A magreza dos bonecos era tanta que as roupas precisavam ser presas com alfinetes para tornar o caimento mais atraente.

Podemos dizer que esse quadro mudou. Hoje as vitrines de lojas populares trazem manequins "reais", com barriga grande e quadris largos -- um passo na direção da aceitação do corpo como ele é, e não de um padrão inatingível. Afinal, a cintura da Barbie não é sequer compatível com nossa estrutura óssea.

A moda plus size virou uma indústria com modelo, marcas e eventos próprios, que movimenta bastante dinheiro e contempla a mulher que antes não sentia que podia comprar roupas bonitas.

Mas como a mulher gorda sente essa mudança? E compra roupa hoje? Ficou mais fácil? Falamos com algumas delas que contam seus truques para se vestir bem. Spoiler: não ligar para o que os outros pensam é a primeira lição da felicidade!

E outra: deixar de evitar o adjetivo "gorda", como se fosse uma característica negativa, pode ajudar a ter mais sucesso na hora de comprar roupas. Se ajudar a perder a vergonha, já é meio caminho andado. É preciso que a sociedade entenda, de uma vez por todas: algumas mulheres são gordas, outras são magras, há altas e baixas. E essas são só características.

André Rodrigues/UOL
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A Miss Plus Size que não entra nas roupas Plus Size

Joelma Alves, de 33 anos, sempre teve quadril largo. "Com 11 anos, eu já vestia 40. Minhas amigas estavam no 34, 36". Um pouco mais velha, foi passista de escola de samba, mas, depois da gravidez de sua filha, que hoje tem 7 anos, engordou 30 kg que não conseguiu mais perder.

"Fiquei muito pra baixo, tinha vergonha de sair de casa, de ir pros lugares, de encontrar as minhas amigas. Praia então? Nem pensar", relembra ela.

Com muito apoio do marido, Joelma quis fazer uma sessão de fotos para se reencontrar com sua beleza. Gostou do resultado e, aí, veio um teste para fazer um ensaio de catálogo de uma loja plus size. "Foi meu primeiro contato com a moda. Parece que, ali, eu me encontrei. A partir daquilo, surgiu a ideia de participar de um concurso, o Diva Brasil Plus Size. Ganhei o primeiro lugar, no fim de 2017".

De lá pra cá, Joelma já modelou pra várias lojas, mas conta que, muitas vezes, há truques para que as roupas sirvam nela. É isso mesmo que você leu: tem roupa plus size que não serve nem na modelo que você vai achar linda no catálogo. Então, quando for sua vez de entrar no provador, não sofra. Está tudo bem com seu corpo e tudo mal com a modelagem das marcas.

André Rodrigues/UOL André Rodrigues/UOL

Quando tem uma peça que não serve, que está claramente pequena, muitas vezes, a marca manda 'estourar' a roupa, rasgam atrás, tiram o zíper, prendem com fita crepe e fazem a foto de frente ou de lado, em um ângulo que pareça que está servindo, quando, na verdade, não está

Joelma Alves

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A gorda fora do padrão plus size

A história é ainda mais grave para Larissa Alves, de 29 anos. "Tenho uma feira de roupa plus size e, mesmo lá, é difícil achar roupa para mim", conta a empresária. Ela tem quase 1,80 de altura, veste manequim 60, tem 170cm de quadril e calça 42/43. Seu corpo e suas medidas são bem diferentes dos que aparecem em catálogos de lojas plus size, em que reinam mulheres cheinhas, mas quase sempre com pouca barriga e medidas bem proporcionais, estilo violão.

Nas grades dessas lojas, os tamanhos costumam contemplar corpos até o manequim 54 no máximo, deixando Larissa e outra grande parte do mercado gordo de fora.

"Quando as roupas são maiores, muitas vezes parecem uma toalha de mesa, tem uma modelagem sem estilo. Outra questão é: agora, está na moda o discurso inclusivo, falar que veste mais de 60. Mas experimentei uma roupa de uma dessas lojas e o manequim 64 tem 140 de quadril. Isso não é um 64! A marca não é inclusiva de verdade", afirma.

Com sua proximidade e influência no mercado, Larissa tenta mudar esse panorama que só atende alguns tipos de corpos. "Oito das marcas que participam do bazar hoje já têm modelos maiores. Eu me ofereço como modelo de prova para ajudar nisso. No mercado plus size, muitas variáveis têm que ser consideradas para haver um caimento legal. Os corpos são diferentes, alguns com seios maiores, barriga muito acentuada ou quadril mais largo. Nem todas as gordas têm o mesmo tipo de corpo, e isso precisa ser levado em consideração", ela diz.

A empresária tem vontade de expandir a feira para englobar outros produtos.

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"Ainda falta muita coisa. Acessórios, por exemplo, são difíceis de achar, como cordões e anéis, que adoro, mas não uso porque não encontro do meu tamanho. Calçados mais largos também ainda são escassos. Além de toalha, cadeira e mobília reforçados e confortáveis para pessoas gordas",

Larissa Alves

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A gorda que faz as próprias roupas

E mesmo que a roupa sirva, e quando não tem a ver com seu estilo?

Cansada de não encontrar roupas que combinavam com ela, a estilista Natália Moretz'son, de 28 anos, começou a fazer as próprias peças, durante a faculdade de moda.

"Eu sempre fui gorda, mas, ao contrário da maioria, nunca tive problemas de autoestima. É como ser alto ou baixo, preto ou branco: uma característica. Nunca relacionei nenhuma rejeição de nenhum cara com ser gorda, sempre achei que eles estavam perdendo, porque me acho linda, maravilhosa", fala.

"Fiz muita pesquisa sobre o mercado plus para o TCC da faculdade e ele vem crescendo muito, melhorando, mas acho que vai para o mesmo lugar: roupas com estilo alternativo ou pin up. Eu curto o que defino como moda carioca, que são peças confortáveis, leves, com movimento, muita cor e muita estampa. E tenho dificuldade para achar peças desse tipo", conta.

Natália está, agora, trabalhando no lançamento da primeira coleção de sua marca Sou Atelier, para oferecer a outras mulheres o estilo que ama.

"Estou cuidando do desenvolvimento, com muita preocupação para que um mesmo tamanho 50 vista diferentes corpos, em um trabalho intenso de modelagem. Faço tudo: escolho e compro tecido, desenho a peça, trabalho a modelagem, faço a estampa e costuro".

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Dizem que você não pode deixar o braço, perna e barriga aparecendo. Falam que estampa não é bom porque aumenta. Pra mim, é completamente o oposto. Eu sou gorda! As pessoas estão vendo que eu sou gorda, eu vou me vestir pra enganar as pessoas? Pra tentar parecer menos gorda?! Não tenho que disfarçar nada. Tá tudo bem

Natália Moretz'son

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A gorda que garimpa roupas em lojas de magras

Se o mercado não ajuda... vamos ajudar o mercado: com manequim 54, a comunicóloga Mariana Rodrigues, de 31 anos, tem um guarda-roupa composto, em sua maioria, por peças de lojas regulares, que vestem do 36 ao 44. Ela gosta de garimpar nessas lojas peças com tendências de moda que demoram um pouco até chegar às marcas plus size.

"Há alguns anos, o strappy bra veio com tudo nas lojas regulares e, até a moda chegar para as mulheres gordas, levou quase duas estações. Além disso, eu gosto de algumas lojas de moda autoral, com estampas muito exclusivas, estilos muito próprios, um tipo de mercado que ainda não existe no plus", diz.

O hábito de achar roupas para gorda em lojas para magras acabou lhe rendendo um emprego. Ela foi procurada para ajudar no estilo de uma loja carioca depois de fazer um post em seu blog (o "Aquela Mari", dedicado a assuntos relacionados ao mundo gordo). No texto, ela contava vestir 54 e comprar roupas na marca.

"Eu vejo a coleção inteira e faço aposta nas peças que vão vender bastante para quem veste acima de 44 e que precisam vir com mais tamanho G. Também opino nas modelagens. Penso em peças mais amplas, tecidos mais leves e roupas com elástico, que são alguns detalhes que tornam as peças acessíveis para mais corpos gordos", explica.

O olhar da Mariana vem fazendo diferença, e o sucesso entre as gordas foi tanto que ela criou o perfil de instagram @tonoadoromari e um grupo de WhatsApp, com 150 participantes e lista de espera, que servem como um provador virtual para quem veste mais de 44. As integrantes experimentam as roupas, mandam fotos e suas medidas, para ajudar outras meninas gordas a verem como determinada peça veste.

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Fico muito feliz de ver meninas que antes tinham medo de entrar em uma loja agora comprando e sentindo que aquela roupa ali também é pra elas

Mariana Rodrigues

André Rodrigues/UOL

A gorda que conta a história

Quando a Universa me chamou para escrever sobre as dificuldades de mulheres plus size em encontrar roupas, achei que seria a matéria mais fácil da minha carreira no jornalismo. "É tudo que eu vivo, sei de tudo isso na pele", pensei. Sou um manequim 48/50 embaixo e 52 em cima. Já passei por todo tipo de perrengue para encontrar uma peça que fique legal: vergonha de entrar em lojas, ter que comprar pela internet porque não achava meu manequim em lojas físicas, peças que ficam boas em cima e sobram embaixo, ir a festas formais, então, eu até evito, porque achar uma roupa que eu goste é uma dor de cabeça tal que até perco a vontade.

Depois da empolgação inicial, veio o medo. Como jornalista, sei que a caixa de comentários pode ser um lugar cruel. Ficava pensando em todo o julgamento que viria, que poderia me abalar, me deixar mal.

Conversar com as mulheres que dividem comigo essa matéria mudou tudo. Primeiro porque me fez entender que, não, eu não sabia tudo sobre o assunto. Na verdade, sei bem pouco. Cada experiência relatada aqui é muito diferente da minha e, também, umas das outras.

Mais do que isso: a troca com cada uma delas me fez perceber que o medo do preconceito não faria com que ele deixasse de existir. Já a força de todas essas histórias poderia ajudar na construção de uma moda melhor, que faça mais mulheres se sentirem bem com quem são e abandonarem o tão famoso lema "quando eu emagrecer". Quase todo mundo que é gordo já teve essa frase no próprio repertório: "quando eu emagrecer, vou à praia", "quando eu emagrecer, vou usar decote nas costas", "quando eu emagrecer, vou cortar o cabelo curtinho", e por aí vai. Eu vou entoar outro lema: "Quando você ler essa matéria, tomara que você faça tudo que planeja hoje mesmo, sem emagrecer".

André Rodrigues/UOL André Rodrigues/UOL

Quando você ler essa matéria, tomara que você faça tudo que planeja hoje mesmo, sem emagrecer.

Elisa Soupin

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