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Transtorno de escoriação: doença faz pacientes terem prazer ao se cutucar

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Imagem: iStock

Bárbara Therrie

Colaboração para o VivaBem

11/12/2017 04h15

“No início, eu usava apenas a unha. Hoje em dia, utilizo todo objeto pontiagudo que estiver ao meu alcance: estilete, tesoura, alicate, pinça, agulha. Eu simplesmente tenho que arranjar um jeito de arrancar aquele pelo encravado na perna, aquela espinha no rosto ou qualquer coisa que esteja me incomodando, independentemente das consequências”.

O relato é da arquiteta *Maria Carolina, de 32 anos, portadora do transtorno de escoriação, doença caracterizada pelo hábito repetitivo e sem controle de cutucar a pele. “Os pacientes que sofrem desse transtorno tentam evitar ou interromper os episódios, mas não conseguem. Eles costumam se beliscar, escoriar, espremer ou coçar a pele usando a unha, os dentes ou objetos”, explica Elen de Oliveira, psiquiatra e uma das coordenadoras da equipe do transtorno de escoriação do Programa Ambulatorial dos Transtornos dos Impulsos (PRO-AMITI), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.

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“Não há uma causa exata da doença, mas alguns estudos sugerem que os portadores são perfeccionistas, têm dificuldade em planejar tarefas, tendem a criar metas irreais e possuem uma expectativa de produtividade o tempo todo”, comenta Daniel Gulassa, psicólogo e também coordenador da equipe que trata o transtorno no PRO-AMITI. Outro aspecto comum a essas pessoas é que elas não conseguem lidar com as próprias emoções, sendo o comportamento repetitivo uma tentativa frustrada de regular sentimentos negativos. Os gatilhos para as crises são: estresse, tédio, ansiedade, insatisfação com a aparência e solidão.

Há portadores que se cutucam até dormindo

Ao se cutucar, alguns pacientes relatam dor, mas a sensação principal é a de alívio e prazer, seguida de arrependimento. Alguns iniciam a escoriação de forma consciente e chegam a ficar mais de duas horas no processo. Outros não se dão conta e se cutucam quando estão lendo, assistindo TV ou até dormindo, afirmam os especialistas.

“Meus pais notam quando eu me tranco no banheiro. Eles sabem que esse é o momento que eu entro no meu ‘mundo paralelo de arrancar tudo que acho que está errado’. Gostaria que as pessoas não julgassem e entendessem que não é de propósito, não é algo que eu consiga controlar”, desabafa *Maria Carolina, que já ficou com as unhas inflamadas e sangrando pela compulsão em cutucar as cutículas dos pés e das mãos.

“Preciso maquiar minhas pernas por causa das manchas”

As lesões provocadas na pele podem evoluir para úlceras, infecções e cicatrizes, e levam a maioria dos portadores a gastar tempo e dinheiro na tentativa de cobrir os machucados. Isso inclui o uso de curativos, cosméticos, acessórios e maquiagem. Alguns chegam a se submeter a procedimentos dermatológicos ou a cirurgias corretivas. “Preciso maquiar minha perna por causa das manchas toda vez que uso shorts, saias e vestidos. Tenho vergonha de usar essas roupas”, diz *Maria Carolina.

Os prejuízos decorrentes do transtorno de escoriação são inúmeros, de acordo com a médica Elen. Na vida afetiva, muitos evitam ter relações íntimas. No trabalho, esses indivíduos afirmam não conseguirem crescer profissionalmente. Na vida social, eles se esquivam de eventos a fim de fugir da curiosidade e do julgamento das pessoas em relação ao seu comportamento e a suas feridas.

Diagnóstico

Segundo estudos, a doença se inicia na adolescência e acomete predominantemente o gênero feminino, com uma incidência de 1 a 5% da população geral. Para ser diagnosticado, é preciso preencher os cinco critérios indicados no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). São eles: beliscar a pele resultando em lesão visível; tentar e não conseguir cessar a escoriação; sofrer ou ter alguma área social da vida prejudicada decorrente do ato de beliscar; o comportamento não deve ocorrer devido aos efeitos fisiológicos de alguma substância, como o uso de cocaína, ou por outra condição médica; e por último, a ação de beliscar não pode ser em decorrência de outro transtorno mental, na intenção de causar mal a si mesmo na autolesão não suicida ou por um delírio causado por um quadro psicótico.

Tratamento

De acordo com o psicólogo Daniel, o tratamento mais indicado para o transtorno é a psicoterapia associada ou não a medicamentos. Nela, o portador aprende a lidar com os sintomas do comportamento escoriativo e também passa a observar como ele se relaciona com suas emoções e seu corpo. “Não trabalhamos com a ideia de cura, mas de controle, pois o indivíduo pode reconquistar uma vida sem os prejuízos que a doença acarreta”, conclui.

* O nome foi trocado a pedido da entrevistada.

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