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Bolo de SP não teve cotoveladas, mas despertou nostalgia de moradores

Natália Eiras

Do UOL

25/01/2017 15h25

Era um dia agradável para pegar um pedaço do bolo de aniversário de São Paulo. Residente do Bexiga há cinco anos, acompanhei muitas edições do tradicional bolo da região, que incluía guerra de comida e pancadaria, pela televisão, esperando ter a oportunidade de ser “grande” o bastante para um dia poder participar da festa. E nesta quarta-feira (25), quando a festa criada em 1986 foi resgatada pela comunidade, percebi que era a minha chance. 

Então era com entusiasmo de iniciante que cheguei à montagem do bolo, por volta das 10h30. Vários tipos de doces, doados pela comunidade ou por comerciantes da região, formavam a guloseima que deveria chegar aos 463 metros no aniversário de 463 anos da cidade. Enquanto pessoas da associação de moradores montavam a estrela, transeuntes acompanhavam a movimentação sentados no canteiro central da rua Rui Barbosa.

Fui "armada" com meu tupperware verde com tampa. Uma colega de redação havia falado de uma técnica para conseguir mais pedaços -- que estavam sendo aguardados pelos outros colegas de trabalho. "É preciso também apelar para a violência, não economize nas cotoveladas", ela me avisou, tendo como experiência outras coberturas da festa. Eu me sentia preparada.

O corte estava previsto para ao meio dia, porém, às 10h35, um carregamento de bolos prontos chegou e tomou boa parte do início do bolo. Foi preciso toda uma reorganização nos doces, para deixar a guloseima mais apresentável.

Não tinha nem 20 minutos de evento e eu já estava me sentindo mais um convidado da festa de aniversário de São Paulo, por mais que estivesse ali a trabalho. Isto porque eu e minha tupperware fomos entrevistadas por uma emissora de TV e eu já fazia coro na gritaria que os transeuntes faziam quando uma câmera era apontada para eles.

Na empolgação, eu percebi que estava me guardando demais para o bolo e o estômago começava a cobrar um café da manhã, então acabei dando um pulo até uma loja de conveniência ali perto. Foi quando, por volta das 11h30, vi o lugar encher e mais colegas com potes na mão.

Uma dupla me chamou atenção, os amigos Stella Miranda e Carlos Coelho. Os dois são moradores da região há cerca de 19 anos, mas nunca tinham ido acompanhar a festa. "Carlos foi quem me convenceu a vir", comentou Stella, dando risada e mostrando a tupperware dentro de sua bolsa.

Voltei a encostar ao meu lugar na grade, que estava sendo guardado por meu namorado. Encontrar um ponto de acesso já estava se tornando uma tarefa complicada, já que as pessoas estavam escolhendo seus lugares baseados nos sabores de bolo que estavam mais próximos. "Vou ficar aqui porque tem bolo de cenoura. Você vai querer aquele com cobertura branca?", vi uma senhora perguntando para a neta.

Comecei a bater papo com um outro morador do lugar que não quis dar entrevista. Ele me contou que já havia acompanhado pelo menos 10 bolos gigantes e sempre achava tudo uma bagunça. Ele sentia, no entanto, que com as grandes e com os funcionários cortando os bolos, tudo seria mais organizado.

Quando ele comentou isso, olhei para a mesa e vi os responsáveis partindo o bolo. Meu coração ficou em pedaços. Eu não ia acompanhar toda aquela bagunça que era conseguir uma fatia?

Enquanto um senhor usava a faca para partir os bolos, uma mulher de avental e touca passava pela mesa falando alto "Olha a chuva, olha a chuva". Era Marilene Pereira, que estava animada demais para deixar que o tempo estragasse tudo. "Não quero que molhe o bolo e nem a festa", comentou, sorrindo.

Às 11h40, uma garoa forte começou a cair no Bexiga. Os espectadores começaram a gritar. A apresentadora da festa disse que o corte, que havia sido adiado para às 12h10, seria adiantado. Alguns funcionários já começaram a distribuir os pedaços de bolo.

Na região onde tinham os doces prontos, os pacotes começaram a ser arremessados para a multidão que começou a se aglomerar ali. Onde eu estava não tinha ninguém distribuindo e as pessoas estavam começando a ficar impacientes. Senti a grade começar a ceder e avisei o segurança, que pediu para Marilene vir até o local e distribuir os pedaços.

“Marilene, me dá meu bolo”, brinquei com a funcionária. Ela, com cara de assustada diante da "empolgação" da multidão, me deu dois pedaços grandes e partiu em disparada para entregar para todo mundo que estava por ali. Eu estava feliz, tinha conseguido encher o meu pote. Encontro Stella e Carlos, nós comemoramos juntos e comemos um pedaço. Ele estava seco, mas tinha gosto de vitória.