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Paola Machado

Pais obesos ao engravidar colocam o peso e a saúde do filho em risco

Paola Machado

07/10/2019 04h00

Crédito: iStock

A obesidade é uma patologia inflamatória, multifatorial, degenerativa e crônica. 

A obesidade nunca pode ser vista como solução. Ela é um grande problema –muito, muito sério. Tornar-se obeso e se aceitar nessa condição é um pulo para uma grande avalanche de problemas de saúde. Por isso, falar de obesidade, de transtornos alimentares, compulsões e dependência deve ser visto como ajuda e nunca como desrespeito. Você pode ser feliz e ao mesmo tempo dar ao seu corpo carinho e cuidado. Você pode se aceitar, porém aceitar que a obesidade é uma patologia e cuidar dela como tal. Você pode e deve enfrentar tudo isso, por você.

Eu não me canso de falar sobre isso e quero que as pessoas entendam que a obesidade é de fato uma doença mais complexa do que imaginam.

Existe obeso saudável? É uma questão que vai muito além, mas adianto que trabalho há 13 anos com essa patologia e nesses anos não me deparei com casos saudáveis. Sempre encontramos pelo menos um problema associado ao excesso de gordura corporal. Às vezes, aparece com exames bioquímicos alterados, outras vezes em exames de imagem, outras com problemas comportamentais e/ou psicológicos, outros com problemas de mobilidade, articulares e ósseos.

Se mesmo assim você fala: "Ok, quero ser assim e ponto, não vou emagrecer". Quero que entendam a gravidade dessa patologia e o quanto a pessoa pode penalizar suas futuras gerações por isso. E reforço que não estou discutindo questões de respeito ao próximo. Temos que respeitar qualquer pessoa, independentemente do seu padrão — esses dias postei uma foto e disseram: "Credo, que magra!"; "Afe, só tá osso". Da mesma forma que já vi pessoas que gostam de estar mais fortes/hipertrofiadas e as pessoas xingarem sem filtro algum. Independentemente de qualquer coisa, temos que ter respeito. Porém, essa não é a questão central do texto, pois aqui discuto ciência.

Obesidade de pais para filho

Já existem evidências científicas de que uma pessoa que utiliza drogas, medicamentos, álcool e desencadeia gatilhos para vícios, pode passar geneticamente esses problemas aos filhos. A  obesidade também pode levar a um fenômeno que chamamos de programação fetal. Quando apresentei minha qualificação do doutorado, passei brevemente sobre esse tema, porém, em uma aula da semana passada com a Profa. Dra. Luciana Pisani, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que realiza trabalhos relacionados à programação fetal, esse assunto voltou em questão e fiquei surpresa com algumas questões relevantes.

Nunca fomos tão informados com relação à obesidade e nunca tivemos tantos obesos. Da mesma forma que em 2000 discutia-se a preocupação tremenda com relação a desnutrição e, quase 20 anos depois, já discutimos a preocupação no extremo oposto.

O que então está acontecendo? Tem a questão alimentar? Sim. Tem a questão da inatividade? Sim. Porém, tem uma questão maior: pais obesos estão passando essa expressão genética para novas gerações.

As condições ambientais no período fetal influenciam na programação metabólica, ou seja, o ambiente da mãe gestante e o estilo de vida é capaz de influenciar na saúde do bebê. Os pais (pai e mãe) têm influência genética no momento da fecundação na formação da feto e a mãe tem a importância de passar os nutrientes adequados para a saúde daquele bebê. A doutora em ciências e pesquisadora em programação fetal e nutricionista Dra. Laís Vales Mennitti, da Unifesp reforça que "um fenômeno biológico caracterizado por respostas adaptativas do feto a condições ambientais adversas durante períodos iniciais da vida (por exemplo, gestação e lactação). Autores revelam que os períodos de gestação e lactação, juntamente aos períodos que englobam a pré-concepção e concepção, são considerados críticos para o desenvolvimento dos descendentes."

Por isso, aquela história de "eu estou grávida e posso comer por dois" ou "estou grávida e posso comer o que eu quiser, depois corro atrás" são pensamentos de um só lado, só focando na estética e saúde da mãe, esquecendo que o bebê está compartilhando de tudo isso.

De acordo com Minnitti "a programação fetal é desencadeada por respostas adaptativas do feto/recém-nascido a condições maternas inapropriadas, sendo que, as consequências dessa programação dependem do tempo, grau e duração da exposição". No primeiro trimestre da gestação ocorre o anabolismo fetal e no terceiro o catabolismo, aumentando a transferência de nutrientes e promovendo o crescimento fetal. Antes acreditavam que somente a glicose e aminoácidos atravessavam a placenta, hoje sabe-se que os lipídios também são capazes de atravessar.

O epigenoma é o conjunto de modificações químicas que ocorrem no próprio gemia e na cromatina. O código epigenético dá instruções ao genoma de quando e onde osso genes devem ser expressos. Por isso, a alimentação da gestante afeta padrões epigenéticos, como a transcrição ou o silenciamento estabelecido precocemente e mantidos durante a vida. Essas marcas epigenéticas no útero podem aumentar a suscetibilidade a doenças no bebê quando adulto, como obesidade, intolerância à glicose, diabetes tipo II e doenças relacionadas a essa condição como aterosclerose e problemas cardiovasculares.

Por esse motivo, pais obesos têm mais probabilidade de terem filhos obesos. A pesquisadora reforça que "a obesidade pode ser considerada uma doença transgeracional, ou seja, pode ser transmitida de geração para geração. Dessa forma, mães e pais obesos apresentam maior probabilidade de gerar filhos que desenvolvam obesidade e doenças associadas à obesidade ao longo da vida. Esse cenário torna-se ainda mais preocupante ao observarmos o aumento crescente na incidência da obesidade no Brasil e no mundo em todos os grupos populacionais, inclusive entre homens e mulheres em idade reprodutiva."

Nossa alimentação, nosso estilo de vida e a adiposidade — excesso de gordura corporal — pode influenciar na expressão genética dos bebês. Antes que debatam temas ideológicos, reforço que não são as mulheres só e somente influenciadoras desse processo. Os homens são responsáveis por cerca de 50% dessa programação. Então, os pais devem estar saudáveis para que as novas gerações estejam cada vez melhores.

Por muitos anos, discutiu-se apenas a influência da mãe na programação fetal e na predisposição ao desenvolvimento de doenças metabólicas nos descendentes ao longo da vida. No entanto, estudos recentes têm também evidenciado a influência da dieta do pai no fenótipo metabólico dos filhos.

A pesquisa de Mennitti mostra que o papel materno na programação fetal é facilmente visualizado ao compreender que a mãe é responsável pelo fornecimento de todos os substratos necessários para o crescimento e desenvolvimento dos filhos durante a gestação (nutrientes maternos atravessam a placenta) e aleitamento materno exclusivo (nutrientes maternos compõem o leite materno). Dessa forma, é evidente a participação do estado nutricional e da composição da dieta materna no fenótipo dos descendentes. 

A influência patena na programação fetal é atribuída a anormalidades na função e composição molecular das células reprodutoras masculinas. Estudos recentes em animais e humanos revelam que o estilo de vida e o estado nutricional do homem podem afetar a espermatogênese, a motilidade e a integridade do DNA do espermatozoide, a composição do fluído seminal e os níveis de hormônios sexuais. No contexto da programação fetal, a presença de espermatozoides anormais, no momento da concepção, pode ser associada a prejuízos nos processos de fertilização e implantação, no desenvolvimento embrionário e na saúde do embrião, que, em conjunto, podem levar ao aparecimento de desordens metabólicas ao longo da vida dos filhos, como por exemplo, resistência à insulina, intolerância à glicose e aumento da adiposidade. 

Assim, o estilo de vida e o estado nutricional do pai podem modificar negativamente suas células reprodutoras. Espermatozoides com funções e composição molecular anormais, no momento da concepção, podem levar a alterações no desenvolvimento e na saúde do embrião que contribuem com o aumento da predisposição dos filhos ao desenvolvimento de desordens metabólicas ao longo da vida, como por exemplo, resistência à insulina, intolerância à glicose e aumento da adiposidade.

E um questionamento é: como evitar essa programação fetal? Os pais conseguem ter algum tipo de prevenção? Mennitti pontua que "a programação fetal pode ser prevenida com a manutenção de um estado nutricional favorável e com a adoção de um estilo de vida saudável pela mãe e pai, uma vez que a nutrição e o nível de atividade física são uns dos principais fatores que determinam o estado de saúde do indivíduo. Nesse sentido, é importante ponderarmos que os filhos, inevitavelmente, apresentarão o mesmo estilo de vida da família. Dessa forma, é extremamente relevante nos atentarmos ao padrão alimentar adotado pela família, a composição da dieta e o estado nutricional dos pais quando falamos de programação fetal e prevenção de doenças metabólicas ao longo da vida."

E os filhos quando nascem com essa programação? Conseguem modificar com novos hábitos? "Parcialmente.  A programação fetal pode tanto afetar permanentemente a estrutura e função de órgãos e tecidos quanto alterar a expressão de genes. Quando a programação fetal altera o número de células, o processo de diferenciação celular, a distribuição dos tipos celulares e a estrutura dos órgãos, as consequências nos descendentes podem ser consideradas permanentes.  Entretanto, as alterações desencadeadas pela programação fetal na expressão de genes, relacionados a respostas obesogênicas, podem ser modificáveis com a adoção de hábitos alimentares saudáveis e prática de exercício físico."

Antes e durante os períodos de gestação e lactação, a mãe deve sempre priorizar a qualidade da sua alimentação, não focando, exclusivamente, na quantidade de nutrientes consumida. É sugerido o consumo de alimentos que sejam ricos nutricionalmente (frutas, verduras, legumes, cereais integrais) e deve-se evitar, principalmente, o consumo de alimentos nutricionalmente pobres como os industrializados, que muitas vezes são ricos em gorduras (saturadas e trans), açúcares, conservantes, aromatizantes, aditivos químicos e sódio.

Mennitti reforça que "os hábitos alimentares da população mundial sofreram alterações importantes nos últimos anos. Pesquisas mostram que o padrão alimentar da população brasileira é caracterizado (IBGE, 2015; Costa Louzada et al., 2015):

  • Pelo aumento na presença de produtos ultraprocessados;
  • Por altos teores de açúcares consumidos por meio de refrigerantes, sucos artificiais e biscoitos recheados;
  • Pelo aumento na densidade energética da dieta;
  • Pelo aumento no consumo de gordura saturada e trans;
  • Pela baixa ingestão de fibras devido à diminuição no consumo de feijão, frutas, verduras e legumes."

Nesse sentido, torna-se evidente a importância da adoção de um estilo de vida saudável pela população.

Referências:
– Barker DJP. In utero programming of chronic disease. Clin Sci (Lond) 1998; 95(2):115-28.
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– Costa Louzada ML, Martins AP, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Cannon G, Monteiro CA. Ultra-processed foods and the nutritional dietary profile in Brazil. Rev Saude Publica 2015; 49:38.
– Dabelea D, Crume T. Maternal environment and the transgenerational cycle of obesity and diabetes. Diabetes 2011; 60(7):1849-55.
– Godfrey KM. Maternal regulation of fetal development and health in adult life. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 1998; 78(2):141-50.
– Godfrey KM. The role of the placenta in fetal programming – a review. Placenta 2002; 23 Suppl A:S20-7.
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– Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Ciclos de vida: Brasil e Grandes Regiões. Rio de Janeiro: IBGE, 2015.
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– Mennitti LV, Oliveira JL, Morais CA, Estadella D, Oyama LM, Oller do Nascimento CM, Pisani LP. Type of fatty acids in maternal diets during pregnancy and/or lactation and metabolic consequences of the offspring. J Nutr Biochem 2015; 26(2):99-111.
– Morley R, Dwyer T. Fetal origins of adult disease? Clin Exp Pharmacol Physiol 2001; 28(11):962-6.
– Portha B, Grandjean V, Movassat J. Mother or Father: Who Is in the Front Line? Mechanisms Underlying the Non-Genomic Transmission of Obesity/Diabetes via the Maternal or the Paternal Line. Nutrients 2019; 11(2). pii: E233.

Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.