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Falando sobre morte, jovens escritores compõem primeira mesa da Flip 2012; conheça-os

Ana Okada

Do UOL, em São Paulo

05/07/2012 06h00

A primeira mesa de escritores da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) deste ano, realizada entre 4 e 8 de julho, recebe três jovens premiados escritores da nova geração para falar sobre a morte. O assunto atravessa os últimos livros dos brasileiros Altair Martins, André de Leones e Carlos de Brito e Mello.

Além da "morte", em comum eles têm os prêmios que já receberam com seus textos: em 1994 e 1999, Altair, 37, ganhou o Prêmio Guimarães Rosa, da Radio France Internationale, e foi finalista dos prêmios Jabuti e Açorianos. André, 32, já havia ganhado um prêmio em Goiás e nem cogitava participar do Prêmio Sesc em 2006, até que a insistência de um amigo o levou a se inscrever e ele acabou vencendo na premiação. O primeiro romance de Carlos, 38, "A Passagem Tensa dos Corpos", foi finalista dos prêmios São Paulo, Jabuti e Portugal Telecom, em 2010.

A mesa "Escritas da Finitude" ocorre no dia 5 de julho, às 10h. Conheça um pouco mais sobre os três escritores a seguir.

  • Livro mais recente de Carlos de Brito e Mello é "A Passagem Tensa dos Corpos", da Companhia das Letras

Carlos de Brito e Mello sobre 1º livro, aos 10 anos: "Foi a melhor parte das férias"

O mineiro Carlos de Brito e Mello estudou jornalismo, mas diz que já tinha "a literatura como projeto antes disso", escrevendo esporadicamente poesias e contos. Seu primeiro livro, lembra-se, não foi lançado por nenhuma editora: ele o escreveu nas férias escolares, aos dez anos, como dever de casa. "Achei aquilo sensacional, foi a melhor parte das férias", conta.

O livro da infância virou lição para a vida de escritor, tempos depois: "Quando estou escrevendo alguma coisa e percebo que fiquei careta demais, que o prazer foi embora, que aquele texto não está me dizendo nada, me lembro daquelas férias, daquele livro --que se chamou 'Sequestro na Cidade Maravilhosa'; meu pai o datilografou e nós dois cuidamos da encadernação, manual, com linha e tudo-- e procuro outro caminho", diz.

Ainda na faculdade, ele ganhou o prêmio Casa da América Latina no concurso Guimarães Rosa com o conto "A Cunhada". Depois, deu um tempo da literatura e fez mestrado, viajou e pintou, até retomar contos que já tinha escrito e reuni-los em "O Cadáver Ri dos Seus Despojos", de 2007. Em 2008, publicaria "A Passagem Tensa dos Corpos", parte de um projeto premiado no Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura. O livro trata de uma família que mantém o pai, morto, preso à cadeira da mesa da sala de jantar. Enquanto isso, uma espécie de "recenseador de mortos" espera que os familiares resolvam enterrar o defunto.

Por enquanto, Carlos diz que não chega "nem ao menos perto" da possibilidade de ganhar a vida só com literatura --ele é professor de comunicação e artes no Centro Universitário UNA, em Belo Horizonte-- e diz que lançar livro numa editora pequena não é difícil, o desafio é chegar a grandes editoras. "As editoras [grandes] têm linhas editoriais e podem recusar o que não se encaixe nessa linha, ainda que, para isso, tenham de recusar obras de qualidade."

  • "Enquanto Água", da Record, de 2011, é o livro mais recente de Altair Martins

Altair Martins: "Falar sobre a morte é um prato cheio"

Para o gaúcho Altair Martins, falar sobre a morte como elemento literário é "um prato cheio". "Se escrevemos, é porque matamos a língua existente, e é porque tentamos escapar do fim. A morte é uma das razões da literatura", diz. Seu segundo livro, "A Parede no Escuro", de 2009, conta, é sobre o fim de sentido nas relações humanas atuais. No romance, o pai de Maria do Céu é atropelado e morre, enquanto o pai do atropelador está em estado grave no hospital.

Martins conta que começou a escrever porque sentiu a "necessidade de ser leviano". Uma de suas inspirações foi sua mãe, "que nunca recontava [uma história] sem que aumentasse um ponto". Na faculdade de letras, fez seus primeiros textos, aos 18 anos. Os contos que escreveu entre os 18 e os 23 foram parar no livro "Como se Moesse Ferro", um livro que o autor define como "imaturo", mas foi finalista dos prêmios Jabuti e Açorianos.

Atualmente, o escritor vive de literatura, mas não exatamente da sua: ele dá aulas de literatura no ensino regular e, "entre um intervalo e outro", arquiteta suas histórias. "O dia inteiro penso na minha narrativa. Entre uma insulina e a necessidade de correr para queimar glicose, faço meu escritório", diz.

Para ele, hoje há um "excesso de escritores para pouco leitor". "Lamento que tudo tenha se tornado dependente de um sistema cultural. Quando digo sistema, falo de negócio. Há uma ordem que não prima pela essência do literário, que é a leitura: há prêmios nos quais as indicações são “espontâneas”, jurados que não leem, imprensa que só divulga amigos. Do que tenho lido, há grandes autores que não recebem o destaque devido", diz.

  • André de Leones lançou recentemente "Dentes Negros", da Rocco

André de Leones: "Minhas primeiras tentativas resultaram muito ruins"

O escritor André de Leones conta que começou a escrever os primeiros poemas e contos por volta dos 15 anos e aos 21 fez sua primeira narrativa mais longa. "Essas primeiras tentativas resultaram muito ruins, claro", conta. Mas faz a ressalva: "Por meio delas, fui aprendendo a estruturar uma narrativa, pensar a forma. Nesse sentido, foi e é imprescindível ler. Ler muito, e sempre, desde os clássicos até os contemporâneos. Não há nada mais importante para um escritor."

Alguns de seus autores preferidos são Thomas Pynchon, Philip Roth, Dalton Trevisan, James Joyce, W. G. Sebald e Graciliano Ramos. "Eles me inspiram a escrever na medida em que, cada um à sua maneira, sugerem inúmeras possibilidades para se criar e desenvolver narrativas. De resto, ler e escrever são baitas maneiras de experimentar a alteridade, de chegar ao outro", diz.

O primeiro livro de André, "Hoje está um dia morto", foi publicado depois que ele ganhou o Prêmio Sesc de Literatura, em 2005. Por conta do prêmio, o escritor não teve que passar pelas dificuldades que os autores novos enfrentam ao tentar publicar seus livros. "Se eu tiver de dar um conselho para um estreante que procura inserção no mercado editorial, é esse, participar de prêmios, concursos, fazer com que seu trabalho seja apreciado."

"Dentes Negros", seu livro mais recente, trata de uma doença misteriosa que dizima boa parte da população brasileira. Apesar do tema, ele diz não ser "um entusiasta da morbidez": "Como Jacques Lacan disse certa vez, você faz muito bem em crer que vai morrer. Logo, acho importante abordar o tema literariamente", diz.


Festa Literária Internacional de Paraty - Mesa 1
Quando: quinta (5), às 10h
Onde: em Paraty, no Rio de Janeiro