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Estupro vindo de um conhecido, como o de Giselle Iltié, é maioria dos casos

Leitores questionaram se era possível ser estuprada pelo companheiro, como aconteceu com a atriz - Raphael Castello/AgNews
Leitores questionaram se era possível ser estuprada pelo companheiro, como aconteceu com a atriz Imagem: Raphael Castello/AgNews

Thamires Andrade

Do UOL

14/01/2017 04h04

Nessa semana, a atriz Giselle Itié revelou à revista "Glamour" que foi estuprada por um namorado quando tinha 17 anos. No depoimento, a atriz escreveu: "fui estuprada pelo último homem que eu poderia imaginar". Muitos internautas fizeram comentários na matéria do tipo: "Estuprada pelo namorado? Que história estranha!". O que pouca gente sabe é que, segundo dados do Ipea, 70% dos estupros são cometidos justamente por pessoas conhecidas, como parentes, namorados ou amigos da vítima.

De acordo com Daniela Pedroso, chefe de psicologia do Serviço de Aborto Legal do Hospital Pérola Byington, em São Paulo, as pessoas realmente sentem estranheza ao ver uma notícia de estupro vindo de namorado ou marido. "As pessoas não conseguem acreditar, pois ainda existe aquela mentalidade de que a mulher deve servir o homem. Se eles namoram, ela precisa ter relação sempre que ele quiser, não importa o desejo dela. E aí cai na falácia de que marido ou namorado não estupram", explica.

Estupro é sempre cometido na rua por um desconhecido?

Daniela explica que há dois perfis distintos do crime. Um geralmente acontece com mulheres adultas e adolescentes que é quando elas são violentadas na rua –indo ou voltando do trabalho/escola— por um desconhecido. E o outro que tem como alvo crianças e adolescentes, que acontece no âmbito doméstico, geralmente com alguém conhecido, como foi o caso de Giselle.

Ou seja, aquela imagem de que o estuprador é, na verdade, uma pessoa louca que não faz parte do convívio social cai por terra. “O agressor sexual é um homem acima de qualquer suspeita. Em alguns casos, a pessoa até tem uma profissão que a deixa mais perto de crianças e adolescentes. Teve um caso de um médico hebiatra que sedava e abusava dos adolescentes no consultório. Quem vai imaginar que um médico é capaz de fazer uma coisa dessa?”, questiona.

Culpabilização da vítima

Se a mulher que é estuprada por um desconhecido já se sente culpada e com medo, Daniela destaca que a mulher que é abusada pelo parceiro é ainda mais desacreditada em seu testemunho. "As pessoas não acreditam, pois não acham que isso é possível de acontecer. Elas pensam 'ah, ela estava lá por que quis', 'estava lá por que era namorado dela' e isso é culpabilizar a vítima pelo que aconteceu", diz.

A chefe de psicologia do Serviço de Aborto Legal do Hospital Pérola Byington fala que o pior é que essa cultura impede que a própria vítima identifique que foi violentada. "Se a mulher foi 'criada' com a ideia de que ela tem obrigação de servir o homem sexualmente, ela vai demorar muito para entender que está sofrendo violência doméstica, que não é obrigada a fazer nada e que pode, sim, ter sido estuprada", fala.

Cultura do estupro

E por que as pessoas não têm essa percepção de que um parceiro pode abusar da companheira? Na opinião de Daniela, isso é um reflexo da perpetuação da cultura machista. “O caso da garota que foi estuprada por 33 rapazes ficou muito claro todos esses preconceitos que existem em relação a mulher. As pessoas procuram os antecedentes da vítima para jogar a culpa do que aconteceu nela. Na nossa sociedade, as mulheres ainda são vistas como objeto sexual”, diz.

Na época que esse caso citado por Daniela veio à tona, o UOL conversou com especialistas sobre o que fazer e o que não fazer ao saber de casos de estupro. E todos foram categóricos ao explicar a importância de nunca questionar o comportamento da vítima. Não importa o comportamento que a pessoa tenha, nada anula o fato de que ela foi vítima de um crime.