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"Me disseram que era proibido": por que é tão difícil fazer uma laqueadura?

Mulheres relatam que médicos passam informações distorcidas sobre a esterilização - iStockphoto/Getty Images
Mulheres relatam que médicos passam informações distorcidas sobre a esterilização Imagem: iStockphoto/Getty Images

Jacqueline Elise

Da Universa

13/01/2019 04h00

Catiuscia Viega, de 28 anos, está em um momento delicado de sua vida. Natural de Rio Grande (RS), a dona de casa tem três filhos e uma profunda depressão pós-parto que surgiu logo após o nascimento do terceiro bebê. Ela passou a tomar remédios controlados para sua condição, mas não imaginava que eles pudessem cortar o efeito da pílula anticoncepcional. Hoje, ela está grávida de três meses da quarta criança e desesperada para conseguir uma solução definitiva para não ter mais filhos.

"Queria fazer a laqueadura e pedi o encaminhamento pelo posto de saúde onde me consulto, mas me disseram no pré-natal que eu não poderia fazer porque essa cirurgia estava proibida por lei há dois anos", relata. Catiuscia, que teve seus três filhos por cesárea, teme passar por isso novamente e não resistir ao parto, ou de correr o risco de engravidar novamente. "Vou deixar quatro crianças no mundo para criar? Nem queria ter mais, mas como já engravidei, eu vou criar. Só não quero ter outro depois deste que estou esperando".

A esteticista paulista Amanda Gonçalves Costa, 28 anos, também encontrou entraves para conseguir a esterilização. Mãe de um menino de quatro anos e separada do pai da criança, ela procurou, na rede particular, um médico que pudesse realizar o procedimento, mas também foi rejeitada. "O médico disse que eu não poderia mais fazer a laqueadura, que eu teria que gerar outro filho para conseguir, e que é lei. Já fui em outros médicos e todos dizem que eu preciso ter dois filhos. Fiquei tão desanimada que nem tentei mais, nem no sistema público de saúde", relembra.

O artigo 10 da lei de número 9.263, de 1996, diz que "homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos" podem solicitar a esterilização. Porém, ainda é difícil que o procedimento seja feito, especialmente em mulheres.

Como funciona o processo?

A Dra. Flávia Fairbanks, ginecologista e obstetra e Coordenadora de Ginecologia do ProSex (Projeto Sexualidade), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, explica o que acontece quando uma mulher ou casal solicitam a laqueadura.

"De acordo com a lei, a pessoa precisa ter um acordo com o parceiro só em caso de relacionamento estável e união civil. A princípio, ela precisa ter, pelo menos, 25 anos de idade ou dois filhos vivos, desde que o segundo filho não seja aquele que está para nascer, o que impede que a laqueadura seja feita na hora do parto. Ela pode ser feita no terceiro parto, mas não no segundo", conta.

A médica ginecologista e obstetra e professora da Faculdade de Medicina da USP e do Centro Universitário São Camilo, Dra. Patrícia Gonçalves, detalha que, se a mulher se enquadra na lei e quer optar pela esterilização voluntária, precisa, primeiro, passar por uma equipe multidisciplinar para ver se esta é a melhor opção. "Existem vários meios de contracepção antes de chegar na ligação das trompas. Elas passam por uma aula com elucidações e ensinamentos para conhecer os outros métodos, têm consultas com psicólogos e encontros com assistentes sociais até chegar ao ginecologista para liberação do procedimento". Do início do acompanhamento à cirurgia são, no mínimo 60 dias de aguardo.

Arrependimento é maior motivo para desencorajar mulheres

As especialistas explicam que há uma tendência a evitar que a laqueadura seja feita, por ser considerada um método irreversível, e os relatos de arrependimento são frequentes.

"No Brasil, o maior motivo é a troca de parceiros: a mulher tem filhos com um companheiro, faz uma laqueadura, troca de marido e, neste novo relacionamento, quer ter mais uma criança", explica a Dra. Fairbanks. Ela diz que, mesmo com todas as orientações sobre alternativas de contracepção, os índices de arrependimento "não são pequenos".

Meu caso se encaixa na lei: o que fazer?

Gonçalves afirma que, pessoalmente, não aconselha a realização de uma laqueadura, mas ressalta que, se o caso é amparado pela lei e um especialista se recusa a dar início ao procedimento, a mulher deve procurar quem a atenda.

"No caso do Sistema Único de Saúde, ela deve procurar a Assistência Social na Unidade Básica de Saúde, para ser orientada e encaminhada para onde se realiza o procedimento". Falando especificamente do caso das entrevistadas, ela crê que "falaram de uma forma totalmente errada para elas, seja por preguiça de explicar ou outro motivo".

Fairbanks garante que "não é comum" os médicos orientarem os pacientes de forma distorcida com relação à lei, e que o profissional "tem o dever de apresentar todos os métodos disponíveis, sem interferência de convicções pessoais".