Antidepressivos na gravidez aumentam a chance de autismo nos bebês? Psiquiatra esclarece as principais dúvidas

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 17/11/2016 às 11:47
Mulheres que precisam usar antidepressivos não devem abandonar o tratamento durante a gestação, diz psiquiatra (Foto: Igo Bione/Divulgação)
Mulheres que precisam usar antidepressivos não devem abandonar o tratamento durante a gestação, diz psiquiatra (Foto: Igo Bione/Divulgação) FOTO: Mulheres que precisam usar antidepressivos não devem abandonar o tratamento durante a gestação, diz psiquiatra (Foto: Igo Bione/Divulgação)

SÃO PAULO - A pergunta que dá título a esta reportagem foi tema de uma palestra ministrada na quarta-feira (16), primeiro dia do 34º Congresso Brasileiro de Psiquiatria (CBP), evento que segue até o próximo sábado (19) na capital paulista. É um questionamento que tem inquietado não apenas médicos (ginecologistas, obstetras, pediatras, psiquiatras e neurologistas), mas também gestantes que precisam seguir um tratamento medicamentoso para tratar a depressão, transtorno psiquiátrico que acomete de 7% a 12% das mulheres grávidas. Recentemente, um estudo canadense publicado no periódico científico Journal of the American Medical Association (JAMA) Pediatrics mostrou que a utilização de antidepressivos na gestação, especialmente os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (SSRIs, na sigla em inglês), pode aumentar em até 87% as chances de aparecimento de distúrbios do espectro autista nos filhos.

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"Chegou-se a esse percentual com base nas crianças avaliadas por médicos de família. Eles levantaram a suspeita de autismo e encaminharam para psiquiatras ou neuropsiquiatras. Após se analisar o grupo com diagnóstico confirmado do distúrbio, percebeu-se que o percentual não foi significativo", comentou Amaury Cantilino, membro da Comissão de Estudos e Pesquisa da Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Durante a mesa-redonda do CBP sobre o assunto, Amaury fez várias reflexões sobre o tema e ressaltou que, apesar dos resultados do estudo canadense, as mulheres que precisam usar antidepressivos não devem abandonar o tratamento durante a gestação. Confira os destaques:

RISCOS

Se uma pessoa tem um transtorno psíquico, como a depressão, há uma chance maior de seus filhos desenvolverem também um distúrbio desse tipo e que não será necessariamente o mesmo da mãe. "Alguns dos genes que levam à depressão determinam vulnerabilidade nos filhos também para outros transtornos", diz Amaury.

"Provavelmente, não é o antidepressivo que provoca autismo, mas precisar de um tratamento para depressão. Ou seja, fatores outros ligados à própria depressão devem aumentar a chance de autismo", acredita Amaury Cantilino (Foto: ABP/Divulgação) "Provavelmente, não é o antidepressivo que provoca autismo, mas precisar de um tratamento para depressão. Ou seja, fatores outros ligados à própria depressão devem aumentar a chance de autismo", acredita Amaury Cantilino (Foto: ABP/Divulgação)

GENÉTICA

Autismo é um dos distúrbios estudados (também) pela psiquiatria que mais têm relação com a genética. "Ela tem um peso de 80% no desenvolvimento do autismo", salienta o médico, ao destacar que o autismo pode ter relação com a herdabilidade de fatores genéticos relacionados à depressão, e não exclusivamente com o uso de antidepressivos na gestação.

NOVO ESTUDO

O psiquiatra mencionou um estudo inglês, publicado em janeiro deste ano, que não identificou associação entre a utilização de antidepressivos na gravidez e autismo nos bebês. "Curiosamente, foi encontrada relação entre psicoterapia na gravidez e autismo. Provavelmente, não é o antidepressivo que pode provocar autismo, mas precisar de um tratamento para depressão. Ou seja, fatores outros ligados à própria depressão devem aumentar a chance de autismo", acredita Amaury.

USO DOS ANTIDEPRESSIVOS

Para Amaury, mulheres que precisam usar antidepressivos não devem abandonar o tratamento durante a gestação. "Aquelas que têm depressão precisam ser tratadas. Na gravidez, apenas mulheres com quadros moderados a graves devem usar antidepressivos. Para os casos leves de depressão, recomenda-se apenas psicoterapia. O antidepressivo não deveria ser interrompido por causa desta preocupação (chance de bebê desenvolver autismo), mas outros riscos devem ser discutidos com as pacientes", reforça o psiquiatra.

PÓS-PARTO

Amaury ainda chama a atenção para a depressão pós-parto, que tem como principal fator de risco a depressão na gravidez. "Essa é uma das maiores preocupações, já que esse transtorno após o parto está associado a possíveis comprometimentos afetivos e cognitivos na criança", salienta o psiquiatra, ao acender o alerta para mais um motivo que justifica a necessidade do tratamento da depressão (também) na gestação.

A jornalista viajou a convite da Associação Brasileira de Psiquiatria