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"Quando a gente é mãe, banheiro vira espaço público", diz Miá Mello

Miá Mello na peça Mãe fora da caixa - Divulgação
Miá Mello na peça Mãe fora da caixa Imagem: Divulgação

Nathália Geraldo

De Universa

09/09/2019 04h00

Miá Mello está em cartaz com a peça "Mãe fora da caixa", no Rio de Janeiro, desde julho, e tem "tomado coragem" para falar de uma coisa muito real: nem toda experiência de maternidade é igual a que vemos nas redes sociais. Entre tantos rótulos, como o de mãe perfeita e o de mãe desconstruída, a atriz de 38 anos resolveu direcionar o olhar para um formato mais generoso e que tem ganhado força entre as mulheres quando o assunto é cuidar dos filhos: a maternidade possível.

Nesse balaio da vida real de quem não tem a mesma estrutura que as mães famosas do Instagram, medos, frustrações e a culpa de mãe viram parte das reflexões que Miá propõe no monólogo, que fica em cartaz até 3 de novembro na capital carioca e estreia em São Paulo em janeiro de 2020.

A peça foi inspirada no livro "Mãe Fora da Caixa" (2017), de Thaís Vilarinho, que começou a escrever sobre sua rotina com os filhos no blog de mesmo nome e, depois, editou a publicação.

Miá, na TV, no cinema e, agora, no teatro, segue no humor. Entre os trabalhos, fez a série do Multishow e os filmes "Meu Passado me Condena 1 e 2", ao lado de Fabio Porchat, o filme "Cilada.com" e dublou a personagem Alegria na animação "Divertida Mente". E é nesse tom bem-humorado que ela procura a identificação com a plateia e que conversou com Universa, falando em velocidade rápida e de forma sincera sobre a experiência de ser mãe de Antônio, 2 anos e 6 meses, e Nina, 10 anos.

O que é a caixa da "mãe fora da caixa"? Você se considera uma mãe fora dela?

Acho que a caixa são os rótulos de mãe e, às vezes, a gente permite esses rótulos. Ninguém nos amarra para entrar num molde de maternidade, mas, é claro, reconheço que há muita pressão para isso. Eu mesma não me considero fora da caixa. Eu tenho muito medo de que falem que não sou boa mãe, que questionem: "Por que que ela foi ter filho?".

Mas eu tô respirando fundo e tomando coragem porque acho que eu vou ser melhor se eu falar a verdade e vai ser melhor para os outros. Esse é meu objetivo. Mas você acha que eu não me cobro, não quero ficar num padrão para ser uma boa mãe? Se eu morasse na Dinamarca, tudo seria mais tranquilo, sem grandes preocupações...

Além do estereótipo de mãe perfeita, agora temos o de mãe sustentável, mãe desencanada, mãe que só usa fraldas de pano. Você se sente pressionada por esses padrões?

Com certeza. É claro que quem coloca fralda sem ser descartável no bebê e gosta disso vai querer falar para todo mundo. Mas eu confesso que sinto uma puta de uma angústia porque eu não uso no meu filho.

Quando tive minha primeira filha, tinha uma amiga que era o meu modelo de mãe. Ela lavava fralda, era incrível. Aí, uma vez, minha terapeuta me perguntou assim: "Miá, onde você mora, suas roupas secam?". Eu respondi: "Não, tô até pensando em comprar uma secadora". E ela me perguntou como eu ia querer lavar fralda. Então, o exemplo da minha amiga me perseguiu porque ela era muito perfeita. Mas ela tinha uma cozinheira, morava numa casa, tinha uma estrutura.

Miá Mello na peça Mãe fora da caixa - Divulgação - Divulgação
Miá faz monólogo sobre maternidade possível e abre para o público falar, ao final de cada sessão
Imagem: Divulgação

Como passou a refletir sobre isso?

A gente tem que entender a maternidade possível. É a que nos deixa mais tranquila. Porque a maternidade em si, a vida da mulher, já é uma coisa que tira a gente da tranquilidade. Por exemplo, eu não atendi sua ligação antes porque estava saindo para trabalhar e meu filho estava chegando da escola. Ele ficou péssimo porque eu estava saindo. Saí com ele chorando no colo do pai, com o coração na mão. A gente já carrega muita coisa para administrar, culpas intrínsecas, que não tem nem como tirar. Então, vou fazer tudo para alertar as mães de que, se for possível fazer tudo que se propõe, muito bom, se não for, muito bom também.

A peça se passa no banheiro. Para algumas mães, até esse lugar de privacidade perde sentido. É isso?

Sim, banheiro vira um espaço público! Uma vez, fiz a besteira de trancar a porta e parecia que ia acabar o mundo. Nunca mais. A minha mais velha ainda entende um pouco. Mas, ainda assim, ela entra no banheiro e faz a cara de "esqueci!". Há dez anos que eu falo isso pra ela.

O que quero mostrar é que nem no banheiro a mãe tem paz. Tem uma cena da peça que mostra isso, e é muito comum. Mas, entre um momento e outro, a personagem está lá num refúgio, quer dizer, que a gente tenta fazer de refúgio, mas não é.

Você foi mãe há dez anos e teve o segundo filho oito anos depois. Qual foi a principal diferença que você sentiu entre as vivências da maternidade?

A principal é que eu não sabia o que era rede de apoio, que agora é uma palavra muito latente, pulsante para mim. Tanto que eu sempre falo que as redes de apoio me salvaram no Rio de Janeiro, com o segundo filho, porque a gente não tinha os pais lá, nem eu nem meu marido [os dois são de São Paulo]. Se não fosse a rede, a gente ia ficar perdido, e eu mais ainda, porque me senti muito sozinha na maternidade.

Além disso, com a Nina, eu tinha babá. Era uma liberdade: ter um compromisso e ir. Com Antônio, foi "Pelo amor de Deus, como a gente vai fazer?". Isso porque eu tenho uma moça que faz as coisas em casa: não lavo, não passo, não cozinho e me sinto muito privilegiada de poder não fazer tudo isso. Agora que eu vim para São Paulo, tô tão feliz. Eu tenho os avós paternos [como rede de apoio], é muito bom.

Sem ter família no Rio, como conseguiu criar uma rede de apoio?

obrigada por tudo!?

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A Laila Zaid, que também é atriz, foi a peça fundamental da minha rede de apoio. Um dia, encontrei com ela num café da manhã. Eu estava supergrávida e ela tinha tido a Clara há uns dois meses. Aí, ela começou a me dar dicas de maternidade. Depois desse encontro, a gente deu continuidade a esse papo virtual. Um belo dia, ela me manda uma mensagem: 'Pessoal, estou montando um grupo para ir para minha casa, toda quarta, tem que ser pontual e eu não vou servir nem água.

Eu achei aquilo genial, porque ela viabilizou receber pessoas. É chato receber com o bebê pequeno. Para constar, ela serviu água no encontro. Iam mães e pais, mas a maioria eram mães. Eram papos catárticos. Vinham dúvidas, acalento, identificação. É horrível falar isso, mas só de saber que a pessoa tá ferrada também dá uma paz no coração. Alivia saber que você não está sozinha na merda.

Como você viveu os dilemas de autoestima materna e de trabalhar e cuidar dos filhos?

Essa coisa da autoestima não foi o que me pegou. Foi mais a dificuldade de lidar com a criança, no dia a dia, com a privação de sono, que vai deixando qualquer um louco. E mais: como ser uma mulher com um ser humano que depende de você. Você se pergunta quem você é naquele momento. Eu pensava: "Preciso trabalhar, trabalhar muito". E aí tinha um coala pendurado no meu braço o dia inteiro.

Ao final da peça, você abre para o público compartilhar experiências. Como tem sido essa troca?

Virou um lugar muito seguro, isso tem me deixado muito orgulhosa. Ouço histórias que acho muito bonitas. Uma mãe, mais velha, se levantou para falar. Já achei potente, ninguém levanta. Ela falou: "Eu tive uma filha especial, que morreu no ano passado com 30 anos e eu me senti muito culpada. Eu achei que eu podia ter feito mais". É muito forte.

Ela disse que era a segunda vez que estava lá porque estava se sentindo muito bem no teatro. Quando ela terminou, uma mulher atrás dela falou: "Posso só falar uma coisinha aqui? Eu sou amiga dela, de anos, e ela não fala isso para ninguém".

Na semana passada, uma mãe falou: "Eu odiei amamentar. Não gostei, não me fez bem, acho que ultrapassei o limite do meu corpo, queria ter parado antes". Ela estava com o marido do lado, e ele ficou com uma cara que parecia que ele nem sabia dessa informação.

É muito louco como, em cada sessão, elas sentem uma coisa diferente. E isso corrobora o que eu tenho sentido: a maternidade não tem regra. É impossível você colocar padrão. Porque cada uma vai ter uma experiência diferente, você e o filho.

Qual foi sua frustração na maternidade?

O parto do meu segundo filho ter sido cesárea. Eu tive minha filha por parto normal, queria muito. Para mim, soava uma coisa muito maluca estar recém-operada com um recém-nascido. Insisti muito, tive a Nina de parto normal, foi maravilhoso. Aí, com Antônio, achei que ia ser a mesma coisa, tive uma gravidez supertranquila, tudo certo. Andei de bicicleta até o final da minha gravidez, só parei porque minha mãe chegou em casa e ia infartar ao me ver pedalando.

Antônio nasceu de 41 semanas e dois dias. Começou a contração e, muito rápido, já fui direto para o hospital, começou contração de três em três minutos. Aí, dilatação chegou a 10 cm e ele não nasceu. Pensei: 'Cadê a garantia que eu achava que tinha que seria normal?'. Descobriu-se que ele era enorme, ele cresceu muito nas últimas duas semanas e nenhum ultrassom tinha previsto.

Tive que fazer cesárea e fiquei realmente um bagaço. É puxado. Tive dores na barriga, não conseguia me levantar. Achava que ia morrer. Depois fui para casa e percebi que não ia morrer. Mas fiquei muito mal com a cesárea. Para mim, foi muito impactante.

A maternidade pode ser uma experiência leve?

Tem que ser. Não é fácil, não é todo dia. Tem dias que eu não sei como vou conseguir, me pergunto por que é tão difícil coordenar tanta coisa, cuidar emocionalmente de seres humanos que dependem de mim. Por isso, acho que a mãe sempre deve pedir ajuda para todo mundo. É meio bobo porque quem tá ferrada não consegue entender direito. Mas, se conseguir delegar as coisas, vai ficar mais fácil.

Para o pai, não é ajuda, né? Ele tem que dividir. Vejo no meu entorno, que é superprivilegiado, mulheres dizendo: 'Fralda com cocô ele não troca". Gente! Eu acho que a gente tem que gritar, não mais falar, que a parada é junta. Isso porque, na nossa bolha, o problema é esse. Mas você sai um pouquinho dela e tem 5 milhões de crianças que não têm o nome do pai na certidão de nascimento. É muito mais grave.