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Blog da Lúcia Helena

Enfrente a Aids por uns dois minutos, o tempo de ler este texto

Lúcia Helena

30/11/2017 04h10

Crédito: iStock

Entendo a resistência. Também queria ler e escrever só sobre os antioxidantes das frutas docinhas, os benefícios de uma caminhada na grama, a serenidade encontrada no silêncio de uma meditação. Mas dezembro logo amanhece e muita gente exibe na lapela moderna, que são as redes sociais, o laço vermelho da solidariedade: sim, 1 de dezembro, Dia Internacional de Luta contra a Aids. Acho bacana.

Posso lhe dar o alívio imediato de boas notícias.  Reforçar que, se bem tratado, o portador do HIV vive de maneira plena, tanto quanto uma pessoa sem o vírus. Apenas ressalvo que, por mais que tenha acesso a remédios, os famosos antirretrovirais, ele ainda precisará  ficar bem de olho no coração.  Afinal, é o coração que padece, às vezes mais do que as defesas, porque o combo da medicação leva o colesterol às alturas e faz crescer uma barriguinha, perigosa para qualquer um.

Outra boa notícia: neste ano, o governo aprovou a profilaxia pré-exposição, ou PrEP, como dizem os médicos. O SUS agora disponibiliza um comprimido que, engolido todo dia, diminui demais o risco de alguém contrair o HIV, caso se sinta vulnerável à infecção. O remédio cria uma barreira para o vírus sete dias após o uso diário, no caso de relações envolvendo o sexo anal. Ou 20 dias depois, para o sexo vaginal.  E é bom que se cogite essa alternativa em alguns casos, sem moralismo ou tabu. Fale sobre isso.  Fale de vez em quando sobre Aids.

É na falta de vontade de falar  (e de ouvir ) a respeito do que nem sempre é leve e fácil que falhamos feio. Sem contar a impressão de que todo mundo já sabe de tudo sobre o tema. Será mesmo? Talvez muita gente saiba de muita coisa. Mas, talvez também, precise de motivação a conta-gotas para que esse conhecimento se transforme em ação.

A epidemia da Aids no país anda estável. Só que isso não é boa notícia, viu? Ora, o número de novas infecções caiu quase 30% até na África Oriental e na Meridional, onde vivem mais de metade dos portadores de HIV do planeta. Portanto,  aumentar ou diminuir um pouquinho o número de novos infectados no Brasil está longe de ser um sinal de sucesso

Hoje os jovens mal esquentam a cabeça com Aids e, entre eles, o risco de contaminação cresce. Muitas mulheres continuam abrindo as pernas e os braços para o HIV, temendo perder o parceiro ao exigir que ele use camisinha ou faça o teste. Você também deve ouvir que, na era da  "pílula azul", a infecção ganha espaço entre gente madura.

No entanto, conversando com o infectologista Esper Kallas, professor da Universidade de São Paulo, ouvi que esses nem seriam os grupos mais frágeis. Diante dos números, acabei concordando: 18% da população gay das grandes cidades brasileiras têm o HIV. Entre os transsexuais, 30% carregam o vírus. Profissionais do sexo? A resposta é 5%. A discrepância é de cair o queixo, já que a proporção de soropositivos na população em geral é 0,4%. Devemos encarar que esses grupos, então, permanecem à margem da prevenção. Ou não foram alcançamos pelo discurso que muitos de nós achamos velho e chato. Pergunto: podemos mesmo ficar em silêncio?

Também nunca entendi por que só falar da Aids em dezembro e depois, no nosso caso verde-e-amarelo, lá adiante, no Carnaval, como se a festa da vida não rolasse o ano inteiro. E quem faz campanha para os pacatos cidadãos que não saem para a folia?

Vale, sim, ficar repetindo que agora tem a PrEP.  E sempre dar aquele empurrãozinho de coragem  para quem ainda não fez o teste do HIV. O diagnóstico possibilita frear a transmissão e, mais do isso,  o tratamento precoce aumenta demais a qualidade de vida dos portadores.

Sobre a camisinha — pra falar a verdade? — , pensar em doença sexualmente transmissível durante o ziriguidum é algo que desmancha prazeres. Ponto. Justamente por isso o uso do preservativo deveria estar no piloto automático de quem transa. Até para o pensamento não se dar ao trabalho de derrubar a emoção na hora agá. Aviso aos amantes que fazer sexo sem camisinha,  em matéria de transmissão do HIV, é sempre uma orgia: você pensa que está transando com uma única pessoa, mas na verdade está levando para a cama (e para o seu corpo) todos os parceiros que ela teve no passado.

Talvez você preferisse que eu lhe falasse de antioxidantes, caminhada e meditação. Entendo.  Portanto, obrigada por ter enfrentado o assunto HIV comigo ao longo destas linhas. E vamos nos prometer que, com ou sem laço cor de sangue, iremos nos cuidar mais e ser solidários com todos. Vamos lutar contra a Aids durante o ano inteiro, dentro e fora das timelines.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.