Ela Venceu Dois Cânceres

Diagnóstico do tumor ósseo veio 2 meses após Thaiza quebrar perna. Prestes a ser curada, descobriu a leucemia

Gabriela Ingrid Do UOL, em São Paulo
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Dificuldade em diagnosticar tumor infantil diminui chances de cura

Esse tipo de câncer é bastante confundido com outras doenças pediátricas benignas

Thaiza tinha três anos quando começou a mancar e sentir dores na região do quadril, em setembro de 2013. Quando foi ao médico, os diagnósticos foram de uma inflamação na articulação à osteomielite --um tipo de infecção nos ossos. Apesar do tratamento, ninguém conseguiu fazer com que as dores da menina passassem.

Quase dois meses depois de Thaiza começar a mancar, finalmente um médico pediu exames de tomografia e ressonância. Descobriu que o fêmur esquerdo dela estava quebrado. A fratura incomum e sem explicação levantou a suspeita de algo mais grave e pediram uma biópsia. Após dois resultados inconclusivos, na terceira tentativa veio o diagnóstico preciso: ela tinha um câncer no osso da perna, conhecido como Sarcoma de Ewing.

A dificuldade em diagnosticar o tumor de Thaiza, infelizmente, não é uma exceção. Segundo dados do Inca (Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva), o câncer representa a primeira causa de morte por doença entre crianças e adolescentes de 1 a 19 anos. E apesar de as taxas de cura serem relativamente altas no Brasil (64%), elas estão distantes das estimadas em países como os Estados Unidos (80%). A falta de diagnóstico precoce, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, é um dos maiores obstáculos para se atingir resultados melhores para a doença.

Segundo Antonio Sérgio Petrilli, superintendente médico do Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e a Criança com Câncer), na criança, os tumores dobram de tamanho em apenas dois ou três dias. Por isso, é importante fazer o diagnóstico o mais rápido possível. 

Os sinais e sintomas do câncer pediátrico são muito parecidos com doenças infantis comuns como anemia, verminose, infecções ou parasitoses

Antonio Sérgio Petrilli, superintendente médico do GRAACC

Da descoberta à cura: o percurso de Thaiza

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Câncer infantil não tem causa e é mais agressivo que adulto

Segundo o Inca, o câncer infantil é considerado uma doença rara, correspondendo a apenas 3% do câncer adulto. Mas apesar da baixa incidência, sua taxa de mortalidade é alta (22,5%). Ainda não se sabe suas causas ao certo. Enquanto o adulto tem agravantes externos preveníveis, como tabagismo, poluição, álcool ou exposição ao sol, a doença na criança não tem um fator de risco. “Somente de 5 a 7% dos tumores infantis são herdados geneticamente dos pais”, conta Sérgio Petrilli.

De acordo com o médico, o câncer infantil tem origem em um erro genético durante a multiplicação das células. Teresa Cristina Cardoso Fonseca, presidente da Sobope (Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica), explica: “Na criança, a célula com defeito está em pleno crescimento e replicação. Quando uma linhagem dessa célula em crescimento é alterada, essa mutação também se divide muito rápido, tornando o câncer infantil mais agressivo que o adulto”.

Entretanto, o fato de a doença acontecer na multiplicação das células é uma “vantagem” para os pequenos, porque a quimioterapia age justamente na célula de divisão celular, tornando o tumor infanto-juvenil mais vulnerável ao tratamento do que o adulto. Mais uma vez, discute-se a importância do diagnóstico precoce, já que o tratamento é mais eficaz.

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Crianças encaram tratamento com mais alegria que adultos

“Em nenhum momento eu perdi a esperança. Quando ficava com medo, rezava e pensava que logo voltaria para a escola e brincaria com meus amigos”, lembra Thaiza sobre a época do seu tratamento. Apesar de não entender direito o que estava acontecendo, ela encarou, segundo seus pais, tudo com muita naturalidade.

Eu chorava mais que ela. Quando vi que ela perderia os cabelos, perdi o chão. Mas no dia de raspar a cabeça, ela estava lá, rindo.
Cristiane Reis, mãe de Thaiza.

As crianças costumam encarar momentos difíceis como esse de forma mais positiva que os adultos. “Geralmente, ela tem mais esperança que o adulto, no caso de doenças graves como o câncer”, diz Ana Beatriz Rocha Bernat, psicóloga do Serviço de Oncologia Pediátrica do Hospital do Câncer, do Inca.

Talvez porque elas também tenham uma outra concepção da morte e da finitude. Segundo Ana, a perda e o fim das coisas são mais simples e ingênuas para elas do que para os adultos, tornando o processo bem mais difícil para os pais, que imaginam coisas horríveis e se enchem, naturalmente, de preocupações.

“Era doloroso para nós, mas sempre conversamos com ela, explicando quando ela tinha que voltar ao médico para tomar remédios”, diz Francisco Reis, pai da menina. “Ela se tornou uma criança ansiosa e sempre perguntava quando ia sair do hospital e voltar para a escola. A gente procurava acalmá-la, sempre dizendo que em breve ela ia sair de lá e que ficaria tudo bem.”

Segundo Ana, o ideal é sempre conversar e esclarecer os processos para a criança. “Quanto mais desavisado é um procedimento, mais doloroso e invasivo ele tende a ser. Se explicamos a uma criança o que vai acontecer, deixamos claro a ela que cuidamos dela.” A psicóloga acrescenta: “É muito importante tomá-la como sujeito capaz de interpretar a experiência que está vivendo, dentro de seus recursos.”

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Apesar do tabu, sintomas do câncer infantil não devem ser ignorados pelos pais

De acordo com Petrilli, do GRAACC, não deve haver medo em falar sobre a doença. "Se as pessoas se informam sobre o câncer, é muito mais fácil procurar o médico rapidamente e enfrentar o diagnóstico", afirma. E os pais têm papel fundamental na cura, já que são os primeiros a perceberem algo de estranho nos filhos. Por isso precisam estar sempre alertas.

A família ainda complementa o trabalho do psicólogo, apoiando e explicando cada passo do tratamento para a criança. Apesar de serem verdadeiras fortalezas para os pequenos, os pais ou cuidadores também não devem se sentir desamparados durante o processo. Hospitais que tratam crianças com câncer costumam oferecer acompanhamento psicológico para toda a família. Com os pais de Thaiza não foi diferente, eles também precisaram de apoio.  

Foi muito difícil e eu queria que minha filha nunca tivesse passado por isso. Mas hoje eu acredito que a gente encara essas coisas que não esperávamos para nos tornarmos mais fortes e unidos.
Cristiane Reis, mãe de Thaiza

Dois anos depois do transplante de medula óssea, Thaiza continua monitorando a saúde mensalmente. É comum a criança continuar indo ao hospital com frequência, mesmo após o tratamento, para ver se a doença volta ou não. "Só consideramos o paciente curado após cinco anos sem o câncer. Depois desse período, o pequeno tem as mesmas chances de ter a doença do que uma pessoa que nunca teve", diz a médica Teresa Cristina.

Na época do tratamento, o que a garota mais sentia falta era de ir para a escola. Isso só foi acontecer um ano após o transplante, quando ela recebeu alta médica para voltar a estudar. Hoje, Thaiza faz tudo o que qualquer criança de sua idade gosta --brincar com os amigos, cuidar de suas bonecas e aproveitar o carinho dos pais. Talvez com a pequena diferença de que ela tem muita história para contar.

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