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Paola Machado

Como prevenir a perda de massa muscular pós-cirurgia bariátrica

Paola Machado

31/05/2018 04h00

Crédito: iStock

Trabalho com obesidade e emagrecimento há cerca de 10 anos. Sei o quanto é difícil, pois requer uma mudança grande na forma de pensar, na rotina, nos hábitos, enfim, na vida.

Sabendo disso, muitas pessoas buscam estratégias rápidas, mas nem sempre eficazes, como uso de medicamentos sem supervisão, dietas e estratégias malucas.

Porém, ainda há uma grande parcela que busca estratégias eficazes, como as padrões com intervenção multi e interdisciplinar com acompanhamento médico, nutricionista, psicologia e exercício. É necessário uma boa conscientização nesse tipo de tratamento, pois os resultados podem ser mais demorados e concomitantemente duradouros – as pessoas nem sempre têm paciência e persistência em esperar tais respostas.

Pensando no aumento e agravo da obesidade, atualmente uma das estratégias que tem sido adotada é a cirurgia bariátrica que auxilia na redução do peso corporal e presença de comorbidades. Meu grande questionamento nesse contexto é: como o paciente volta a prática de atividade física?

Antes de entrar nesse contexto, preciso explicar alguns tópicos.

Obesidade

A obesidade é caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal, sendo que pode ser avaliada por exames mais específicos como DEXA, BodPod ou até mesmo a bioimpedância ou por métodos subjetivos como o cálculo do índice da massa corpórea (IMC = peso/altura2) comparado à medidas de circunferências e avaliação clínica.

A obesidade pode ser definida pelo IMC maior ou igual a 30kg/m2. A obesidade mórbida é definida como casos extremos de obesidade, os quais são caracterizados pelo IMC maior ou igual a 40kg/m2 ou maior ou igual a 35kg/m2 associado a comorbidades.

Na população adulta está associada a um estado inflamatório, implicando no desenvolvimento de muitas doenças associadas, incluindo diabetes mellitus do tipo 2, dislipidemias, doenças cardiovasculares, entre outros, podendo levar a uma maior morbidade e mortalidade. De fato, a obesidade reduz em 10 anos a expectativa de vida e, de acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), esta doença representa uma condição em que o excesso de gordura pode prejudicar o estado geral de saúde.

No entanto, considerando o caráter multifatorial (dependente de diversos fatores) e a heterogeneidade da obesidade, os métodos clássicos de tratamento desta doença, às vezes, não conseguem reduzir e controlar sua alta prevalência em todo o mundo.

No Brasil, dados recentes da ONU (Organização das Nações Unidas) mostram que mais da metade da população brasileira apresenta excesso de peso, sendo que a obesidade já atinge 20% dos indivíduos adultos. Além disso, 8,9% da população adulta brasileira cursa com diabetes, 25,7% hipertensão arterial e 12.5% dislipidemias.

Para se ter uma ideia, a obesidade mundial, analisada de 1698 a 2014, teve um aumento notadamente significante analisando 186 países. Uma revisão de literatura do Lancet, avaliou uma base populacional com mais de 19.2 milhões de participantes adultos (sendo 9.9 milhões de homens e 9.3 milhões de mulheres). A média do IMC global, padronizada por idade, aumentou, em homens, de 21.7 kg / m2 (1975) para 24.2 kg / m2 (2014); em mulheres aumentou de 22.1 kg / m2 (1975) para 24.5 kg / m2 (2014). Globalmente, a prevalência da obesidade mórbida é 0.64% (0.46 – 0.86) em homens e 1.6% (1.3-1.9) em mulheres.

Vale ressaltar que, se o aumento da obesidade continuar, em 2025, a prevalência de obesidade global atingirá 18% em homens e ultrapassar 21% em mulheres; a obesidade grave irá superar 6% em homens e 9% em mulheres. No entanto, a população abaixo do peso continua a prevalecer no mundo em regiões mais pobres, especialmente no Sul da Ásia.

Outra pesquisa realizada pelo IBGE em 2008-2009 divulgou que mais de 30% das crianças brasileiras entre 5 e 9 anos de idade apresentam sobrepeso. A obesidade atinge 14,3% das crianças dessa faixa etária com peso maior sobre os meninos (16,6%) do que sobre as meninas (11,8%). Na faixa superior, entre 10 e 19 anos, o problema maior é o do sobrepeso que afeta cerca de 20% desses jovens brasileiros (os obesos são 4,9%). Acima dos 20 anos, o sobrepeso atinge 48% das mulheres e 50,1 % dos homens. A situação se agrava entre os 20% mais ricos, onde o excesso de peso atinge 61,8% da população com idade superior a 20 anos enquanto a obesidade aflige 16,9%. Estima-se que existam no Brasil 5 milhões de obesos mórbidos (2007).

Cirurgia bariátrica

Como disse anteriormente, a cirurgia surgiu como estratégia eficaz para manejo da obesidade e redução do peso corporal, levando a uma melhora na expectativa de vida pela redução de patologias associadas ao excesso de peso.

Falo sempre que a cirurgia não é algo simples, pois, alem de ser uma técnica invasiva, é necessário um grande trabalho psicológico para que o paciente mude sua relação com a comida – muitas vezes há um fator comportamental envolvido – e também ocorre uma mudança de hábitos e na rotina. A mudança não é simples, é necessário acompanhamento psicológico, médico, nutricional e, quando liberado, de exercício físico, sempre com profissionais que entendam a complexidade da patologia associada a cirurgia.

Acho que já compartilhei com vocês por aqui que trabalho com 150 mulheres obesas por semestre. Algumas delas já se submeteram a esse tipo de cirurgia, porém tiveram reganho de peso por falta de acompanhamento.

Uma delas me contou uma história que me deixou realmente surpresa. Após a cirurgia, os pacientes passam por algumas fases alimentares, como ingerir somente líquidos ou alimentos amassados, com consistência pastosa. Essa voluntária me contou que tinha vontade de comer arroz, feijão, carne e purê e não podia. O que ela fazia? Batia tudo no liquidificador com água. Resultado? Ganhou o peso rapidamente.

Quando o procedimento é acompanhado, com um tratamento multidisciplinar antes, durante e depois, os resultados na perda de peso são promissores, sendo que o paciente pode perder cerca de 40% do peso corporal em 12 a 16 meses.

A cirurgia pode ser dividida em mal absortiva, restritiva ou combinada. A técnica restritiva reduz o tamanho reduz o tamanho do estômago promovendo saciedade com uma menor quantidade de alimento. Já a mal absortiva tem como objetivo alterar o trajeto do alimento, reduzindo a absorção de nutrientes. A combinada associa a redução do estômago e a alteração do tráfego do alimento no intestino.

Alguns tipos de técnicas cirúrgicas são: banda gástrica ajustável, gastrectomia vertical, derivação bioliopancreática com duodenal switch e a gastroplastia com derivação em Y de Roux – essa última é a mais utilizada, promovendo maior perda de peso corporal e melhora no metabolismo da glicose.

A ação da cirurgia no músculo

Já pontuei em um texto da coluna sobre a diferença do emagrecimento e perda de peso. O emagrecimento é quando você consegue reduzir a composição corporal de gordura, que costuma ocorrer quando o processo é gradativo, seguindo as normas da Abeso (Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica) de 0.5 a 2 quilos de redução de peso semanal, sempre de forma supervisionada.

A perda de peso envolve uma mudança brusca e repentina no estilo de vida, levando a redução elevada do peso, incluindo perda de gordura e massa magra. Quando digo massa magra quero que levem em consideração o músculo, já que é o tecido mais abundante de massa magra.

Estudos –citados nas referencias– mostram que com a cirurgia ocorre redução na área de secção transversa e espessura do músculo, acarretando em redução do volume muscular.

Sabendo que o músculo está associado a força muscular, conforme a massa muscular reduz, ocorre uma redução significativa de força. Isso quer dizer que pacientes submetidos a cirurgia bariátrica podem sofrer de sarcopenia, que é a redução de massa muscular e força do músculo esquelético.

Alem do mais, vale lembrar que uma grande parcela das pessoas que submetem-se à cirurgia têm um nível de atividade física muito baixo, comprometendo ainda mais esse processo.

Treino como estratégia efetiva para melhorar a composição de massa muscular

Os estudos ainda são muito limitados (número de voluntários, desenho experimental, treinamento, duração etc) com relação ao treinamento pós-cirurgia bariátrica.

A técnica mal absortiva leva a pouca absorção de nutrientes, o que pode reduzir o processo de síntese proteica –que é responsável por nosso processo de ganho de massa magra.

O treinamento de força, como a musculação, vem como uma boa alternativa para reduzir a perda de massa magra e melhorar a função muscular. Alem do mais, é necessário combinar com exercícios aeróbios para melhorar o condicionamento cardiovascular.

É importante lembrar que, muitos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, têm um nível de atividade física reduzida mesmo apos a liberação medica, continuando sedentário e podendo sofrer com o reganho de peso.

Por isso enfatizo o quão essencial é a intervenção multiprofissional e o processo de conscientização.

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Sobre a autora

Paola Machado é fisiologista do exercício, formada em educação física modalidade em saúde pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), mestre em ciências da saúde (foco em fisiologia do exercício e imunologia) e doutoranda em nutrição pela UNIFESP. É autora do Livro Kilorias - Faça do #projetoverão seu estilo de vida (Editora Benvirá). Atualmente, atua como pesquisadora, desenvolvendo trabalhos científicos sobre obesidade, e tem um canal de desafios (30 Dias com Paola Machado) onde testa a teoria na prática. Também é fundadora do aplicativo aplicativo 12 semanas. CREF: 080213-G | SP

Sobre a coluna

Aqui eu compartilharei conteúdo sobre exercício e alimentação para ajudar você a encontrar o caminho para um estilo de vida mais saudável. Os textos são cientificamente embasados e selecionados da melhor forma possível, sempre para auxiliar no seu bem-estar. Mas, lembre-se: a informação profissional é só o primeiro passo da sua nova jornada. O restante do percurso depende 100% de você e da sua motivação para alcançar seu objetivo.