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Blog da Lúcia Helena

Não perca a sobremesa: o açúcar é o novo ovo

Lúcia Helena

28/11/2017 04h00

Crédito: Shutterstock

Aposto: nas conversas sobre alimentação saudável, nenhum outro assunto vai cair mais na boca do povo do que o açúcar. Serão ondas de ataque e ondas de defesa sem fim. E como fica açucareiro de casa no meio disso tudo? Ora, o alimento é tão presente no dia a dia que você precisa entender esse bafafá. Até para não cair em extremos.

Quer saber? Penso que o açúcar é o novo ovo. Será, como seu antecessor na berlinda,  isolado e recebido com um "vade retro" à mesa. E, depois que pudins e brigadeiros ao lado da velha colherzinha no café forem banidos,  provavelmente a ciência constatará que tanta amargura terá sido em vão. À exceção, claro, de quem realmente precisa controlar com rédeas curtas o seu consumo, caso dos portadores de diabetes — e olhe lá, porque se essa condição for bem monitorada…

Eu pretendia escrever sobre um estudo que saiu há pouco revista científica Lancet, levantando a ira contra o produto da cana. Realizado com mais de 130  mil pessoas de vários países, o trabalho afirma que o consumo de carboidratos como o açúcar está mais associado à mortalidade do que o consumo de proteínas e, opa, até mesmo de gorduras. Mas eis que veio outra notícia desviar o rumo do meu texto, esta de fato bem triste: a de que a indústria teria escondido da população dados negativos sobre o consumo excessivo de açúcar,  algo divulgado inclusive aqui, no VivaBem. E, no caso, não boto a minha mão no fogo para defender o indefensável. Mas amanhã será outra nota sobre o açúcar. E outra e, depois, outra. Estou falando: ele é assunto da vez.

Ao compará-lo com o ovo, não quero dizer para você mergulhar feliz e tranquilo em uma lata de leite condensado. Nada disso! Aliás, você tampouco está liberado para comer seis ovos por dia, certo?  O abuso no consumo de comidas e bebidas açucaradas existe, sim. Aliás, essa é uma das críticas ao tal trabalho que parecia a vingança do bacon: em suas conclusões, o carboidrato estava ligado à mortalidade quando mais de 60% das calorias diárias vinham dele, algo bem além dos 40% recomendados na sonhada dieta equilibrada. Só que, digamos, esse detalhe passou batido na divulgação e o açúcar, como principal representante desse grupo de nutrientes na cabeça das pessoas, ficou com toda a a má fama.

O meu ponto: o que faz a receita desandar é sempre o exagero.  A Organização Mundial de Saúde preencheu 49 páginas — 49! — para provar que as nossas refeições andam doces demais e cortar o barato. Ou melhor, cortar para 10% das calorias diárias o limite daquelas vindas de açúcares em geral, não só a sacarose da cana. Preciso abrir parênteses:  a OMS não pensou no nosso sorriso, porque para evitar cáries a ingestão de açúcares deveria ser ainda menor, representando 5% das calorias, como na meta dos programas de saúde europeus. De qualquer modo, só escapam da conta a lactose, o açúcar do leite, e a doçura das frutas in natura. E fruta in natura, meu amigo, a gente mastiga, não bebe. Portanto, os sucos podem fácil, fácil fazer você perder o limite. De santinhos, nessa história, os sucos têm pouca coisa.

Bem, vou facilitar sua vida porque a gente não engole porcentagens, não é mesmo? Os tais 10% de calorias dariam  50 gramas ou 12 colheres de chá, na dieta de um adulto.  Na prática, você pode bem menos. Porque já falei do suco. Vou ter que lhe lembrar  ainda do mel, das hortaliças que também têm açúcar na composição e, claro, por último, mas inesquecíveis, dos produtos industrializados lotados do ingrediente.

Entre outras coisas, o açúcar carameliza  o seu corpo. Leu certo. Dando sopa por causa dos nossos excessos, ele reage com proteínas e forma caramelos endurecidos, os AGEs, que estão por trás do envelhecimento. Não à toa, a pele de diabéticos tende a apresentar mais rugas. Já existem até cosméticos no mercado para reduzir os AGEs, mas — perdão do trocadilho — só agem na epiderme do problema. Ora, não há milagre se você não colabora comendo menos bala e bombom. E, claro, o que a gente vê diante no espelho é amostrinha do que está acontecendo dentro, em todos os órgãos, onde nenhum anti-idade alcança. No vasos, por exemplo: os AGEs os deixam tão enrijecidos que hoje o açúcar da dieta está preocupando tanto quanto o sal, no caso dos hipertensos.

Outro fato: nosso paladar é  formado nos dois primeiros anos de vida e, nesse período, podemos criar sujeitos que serão formigas atrás de doce pelo resto da existência.  Aliás, para os pais de bebês, recomendo o blog "Até dois doce não", da nutricionista Marcia Regina Vitolo, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Repare, não tem essa de dar só uma provinha da sobremesa nem de suco para o pequeno experimentar. Espere que cresça um pouco. Aí, sim, quem sabe, será um menino e, em seguida, um adulto que poderá saborear o açúcar sem medo. Porque saberá comer um pedaço apenas de bolo e sentir que, depois dele, de doce bastará a vida.

Sobre o autor

Lúcia Helena de Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina, alimentação e atividade física.

Sobre o blog

Se há uma coisa que a Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido, para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências do movimentadíssimo universo saudável.