Bailarina dança contra a gordofobia
"Eu começo o espetáculo usando um vestido justo, preto. Sentada em um banquinho de plástico. Só esse banquinho já tem um significado que todo gordo sabe qual é. Todo gordo entende o pavor. Plástico é um material frágil, não é confiável. Em cena, eu me relaciono com ele. Mostro equilíbrio e sustentação."
A bailarina Jussara Belchior, 32 anos, do grupo Cena 11, descreve a primeira sequência de "Peso Bruto", espetáculo idealizado e apresentado por ela que discute a gordofobia. Balé não é esporte. Mas é uma arte que abraça a atividade física e que leva muita gente a se exercitar, a se divertir, a abandonar o ócio e a prezar pela saúde. Empodera muitas mulheres, torna-se a vida e a profissão de várias outras. E ainda assim é cercado de preconceitos, como a gordofobia.
Jussara, que é uma bailarina gorda, passou por isso. "A minha prática de dança não é constante como a de um atleta, depende do que estou fazendo na época, se estou ensaiando para algum espetáculo. Dança não é um esporte de alto rendimento." Ela conta que começou a dançar aos cinco anos balé clássico e jazz e nunca mais parou. "Sempre fui uma criança gorda, acho que tem a ver com a minha genética também. Mas encarei de um jeito tranquilo. Claro que não é fácil, sofri muito preconceito. Ouvi muitos diretores me pedindo para emagrecer."
Sua urgência, no entanto, não foi perder peso, mas abrir a discussão sobre o tema, que ainda faz tantas mulheres sofrerem. "Senti a necessidade de falar sobre o meu corpo, que é tão específico e faz parte do imaginário das pessoas quando estou dançando. Queria ir contra conceitos como o de que a pessoa gorda é descontrolada e sem força de vontade. O corpo gordo não pode ser visto como sem força, sem saúde, errado, fraco ou sem sensualidade."
Assim, preparou-se para expor o próprio corpo no palco, com gorduras, dobras e celulites. Apresentou-se em Teresina, Florianópolis, Curitiba e São Paulo, no ano passado, e diz que a experiência foi gratificante. "Tenho sentido o quanto esse assunto é necessário e urgente. As pessoas vêm falar comigo sobre a percepção do próprio corpo. Gordos falam com reciprocidade. Da experiência de não caber nos espaços, de ter de se espremer."
Ao mesmo tempo, ela percebe o quanto o assunto ainda é doloroso e como é difícil se expor e se sentir bem consigo mesmo. "Espero que seja uma forma de empoderar outras pessoas. O processo de preparação para o espetáculo ajudou também na minha vida."
A dança certa para cada corpo, não o contrário
Jussara conta que passou por maus momentos enquanto fazia balé clássico e jazz. "Os corpos são muito homogeneizados." Quando entrou no curso de Comunicação das Artes do Corpo, na PUC (Pontifícia Universidade Católica), sua vida mudou. "A faculdade foi importante para o meu entendimento. Jazz e balé clássico são técnicas que precisam de um corpo ideal. Na dança contemporânea, em vez de ter um corpo ideal imposto, posso construir caminhos que sejam ideais para o corpo que eu tenho."
No processo de desenvolvimento do espetáculo "Peso Bruto", contou com a ajuda de uma equipe preciosa. "A concepção do projeto é minha. A dramaturgia é do Anderson do Carmo, que também é gordo. Trabalhei ainda com a Soraya Portela, que é uma bailarina de Teresina, também gorda, e que fez interlocução. Ela tem a mesma vivência que eu, foi uma interferência boa. Trouxe reflexões sobre o que eu estava fazendo."
Ela diz que a experiência transformou sua forma de falar sobre o próprio corpo e que, hoje, tem mais iniciativa de mostrar às pessoas quando elas estão sendo preconceituosas. "Não podemos nos limitar a imposições que nos fazem infelizes. Às vezes dá trabalho, mas é importante ter companheiros que te ajudem a resistir e a fazer o que mais gosta."
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